Propósito, sustentabilidade e... lucro. Estas startups têm o verde como cor favorita. Vendem impacto positivo no mundo e, claro, fazem do "mundo melhor" um dos seus pilares.
Nove meses de trabalho até ao dia 1. Se pudessem dizer a principal razão pela qual decidiram, em plena pandemia, lançar um novo negócio, a adversidade seria, também, o motivo. É que foi em abril que, observando a realidade à volta, Margarida Trindade e Francisca Amado perceberam que seria um “mundo de oportunidades”.
“Trabalhávamos juntas em retalho alimentar e, com toda a empresa em teletrabalho, reparámos que havia à nossa volta uma tendência para fazer mais exercício físico. Talvez pela maior disponibilidade das pessoas, que deixaram de passar muito tempo em deslocações, e passaram a ter esse tempo para fazer outras coisas. Notava-se muito na rua, também porque os ginásios estavam fechados, via-se muitas pessoas a fazer exercício físico. Soube que as lojas de desporto tiveram algumas ruturas porque as pessoas ficaram altamente viradas para o exercício físico. Foi aí que surgiu a ideia de criar uma coisa nossa, este tempo deu-nos espaço para criar”, aponta Margarida Trindade, 27 anos e formada em Economia, em conversa com o ECO.
Ao sinal de oportunidade, Margarida e Francisca decidiram aproveitar as horas pós-laborais para montarem o seu primeiro negócio em nome próprio, a Nutch. “Está a ser muito divertido”, garantem as fundadoras. O negócio pode ter avançado, acredita Margarida, como um escape para a pressão que viveram durante o primeiro confinamento. “Era sair do mundo do trabalho e ter um universo um pouco diferente”, complementa Francisca.
Começar um negócio no setor têxtil na área desportiva e em plena pandemia foi, por isso, um exercício de equilíbrio entre entusiasmo e paciência. “O início foi complicado, mais em termos burocráticos, porque todos os passos que tínhamos de dar para criar uma empresa, tudo é feito com agendamento, e tudo isso faz com que o processo de prolongue mais no tempo”, recorda Francisca. “Qualquer processo, em vez de demorar duas semanas, demora meses”. Por isso, a ideia de lançar a marca em setembro do ano passado foi por água abaixo aos primeiros passos.
A Nutch nasceu mais tarde, no primeiro dia do ano novo. “Quando pensámos em lançar a marca, pensámos em como nos podíamos diferenciar face ao que existia: existem milhares de marcas de desporto e mesmo marcas que não o são acabam por ter linhas dedicadas ao desporto. E com price points totalmente distintos no mercado. Sendo a sustentabilidade uma preocupação nossa e cada vez maior de todas as gerações, a nós só nos fazia sentido trazer uma marca sustentável ao mercado”, recorda Margarida. No entanto e, apesar de ser cada vez mais uma tendência mundial — até as grandes marcas investem em linhas mais sustentáveis –, encontrar fornecedores que tivessem esta preocupação em conta foi um dos grandes desafios, e a tarefa mais morosa.
“Encontrar foi difícil, e o que se sente é que é um mundo relativamente fechado, em que ninguém quer revelar os seus fornecedores”, adianta Margarida. Produzido fora de Portugal, o econyl — usado pela Nutch – é feito maioritariamente (78%) nylon regenerado, que a marca trabalha num ateliê pequeno, produzindo pequenas quantidades.
“Nunca nos foi aberta a oportunidade de visitarmos os fornecedores, mas também sempre facilitámos o processo: recebemos as amostras em casa, testámos o produto com um tecido inicial que nem sequer conseguimos trabalhar, percebemos que não dava e trocámos. Começámos a perceber que o processo não era assim tão rápido e que, por isso, o melhor era relaxar e trabalhar com os timings que existiam”, recorda a economista.
Nutch vem de “Notable, Unique, Thankfull, Conscious e Happy” e descreve uma mulher, a Nutch Girl, que gosta de fazer desporto, gosta de moda e se preocupa com a sustentabilidade. “Queríamos um nome sonoro e que pudesse ser permeável a outras áreas de negócio que não apenas a roupa de desporto, o nosso produto de arranque. Nós é que lhe damos o significado”, justifica Francisca.
Com três modelos diferentes produzidos em duas cores cada um, a Nutch tem, por enquanto, seis looks distintos. A base é colorida, porque a Nutch Girl não quer esconder-se. “O que vemos na roupa de desporto é só cinza, azul e preto. Decidimos logo que um dos primeiros requisitos era não usar essas cores. Só vamos ter cores coloridas porque achamos que às vezes as pessoas se escondem atrás dessas cores, para estarem mais discretas. E achamos que uma Nutch Girl deverá ser confiante e sentir-se bonita, mesmo a fazer exercício”, assinala Francisca, 29 anos, formada em Gestão. Margarida complementa: “O conceito é mesmo esse: é uma marca colorida para mulheres confiantes, que possam inspirar outras mulheres a serem exatamente da mesma maneira. E, claro, com esta linha sustentável, para que sejam conscientes desta escolha de consumo que estão a fazer. Que comprem não só porque é bonito mas porque tem um impacto positivo no mundo”.
O tamanho da pegada importa
De acordo com o relatório da Atomico sobre o “Estado da Tecnologia Europeia”, o investimento em startups europeias viradas para questões relacionadas com o clima disparou. Nos últimos cinco anos, foram investidos mais de nove mil milhões de euros em empresas tecnológicas orientadas para a ação climática, e outros oito mil milhões em projetos que trabalham em energias limpas e acessíveis. O foco dos cidadãos e dos decisores políticos na ação climática, acreditam os especialistas, acelerou ainda mais o papel deste propósito como diferenciador no desenvolvimento tecnológico europeu. A Dealroom prevê que o capital total investido em empresas tecnológicas orientadas para objetivos específicos exceda os cinco mil milhões em 2020.
O internacional Politico refere também que o Green Deal da Comissão Europeia foi, em 2020, um fator-chave, e que o seu potencial pode ser um importante catalisador para as empresas europeias que estejam a desenvolver projetos relacionados com objetivos específicos ligados às problemáticas do clima e da sustentabilidade.
“No meio de tudo isto, na Slush estamos mais inspirados do que nunca pela nossa missão – ajudar e criar fundadores que mudem o mundo. Este é verdadeiramente o melhor momento para ser um fundador; para aceitar corajosamente a incerteza, para procurar padrões no que parece ser o caos, e para construir destemidamente tecnologias que tornarão o “novo normal” num melhor normal”, assinala Miika Huttunen, CEO da Slush, organizadora de eventos ligados à inovação e às startups, citado no relatório da Atomico.
Marta Cardoso, 47 anos, trabalhou muitos anos em multinacionais. Com três filhos pequenos, preserva na memória a viagem que, com eles, fez há três anos, à Ásia e Oceânia. “Vimos tanto lixo”, conta, impressionada. Assim que chegou, sentiu necessidade de começar a trabalhar e a “colocar os talentos numa área que fazia sentido: a sustentabilidade”.
Foi dessa vontade de fazer algo de forma diferente que nasceu a Clementine. “Cheguei aos produtos menstruais, porque normalmente incluem imenso plástico, químicos, cloro e lixívia para aclarar o algodão. Como mãe de uma menina e como mulher, fazia-me imenso sentido. E foi aí que surgiu a ideia: comecei a procurar fornecedores que usassem produtos dos que eu queria”, começa por contar ao ECO, sobre o projeto que demorou cerca de um ano a ser desenvolvido.
A ideia começou a ganhar forma à medida que Marta chegava a outros passos: o modelo de subscrição, por exemplo, “único na Europa”, foi pensado como a menstruação. “A period box, personalizável de acordo com cada período menstrual, traz o conforto de ser entregue em casa ou no escritório”, explica, sobre o funcionamento.
“O meu objetivo não é ficar milionária, este negócio é muito uma convicção pessoal: um projeto redondo que consolida os meus valores”, salvaguarda. “Mas, por cada mulher que conhece estes produtos, mais o planeta agradece… e os meus filhos também”, sublinha.
Com pouco mais de um ano de história para contar, a Clementine já chegou a 44 países e, ainda que a equipa esteja atenta a potenciais investidores, “ainda não estamos ativamente a fazê-lo”, assinala. “Temos de consolidar uma série de coisas mas, este ano, vamos procurar funding“, conta Marta.
A Clementine vende online “tampões sem aplicador, com aplicador (papel e algodão orgânico), embrulhados em papel e 100% biodegradáveis. E também pensos de dia, de noite e diários”. E está ainda a terminar um processo de certificação de algodão orgânico. “Queremos continuar a aumentar a oferta de produto, ter umas propostas ainda mais sustentáveis, trabalhar a parte da distribuição e ainda passar a estar nas lojas físicas”, conta Marta que já enviou encomendas para países como Inglaterra, Islândia, Escócia, Espanha, Itália, Grécia, Malta, Rússia e Sérvia, entre outros.
Fazer circular o metal
E se pudesse reciclar as suas peças mais valiosas e dar-lhes uma nova vida, materializado num novo design? Foi nisso que pensou a Wonther. A empresa portuguesa usa e recicla metais preciosos como prata e, com eles, constrói novas joias de design contemporâneo e ambição global.
A história começa anos antes. Maria Cunha estava ainda no seu anterior projeto, as Josefinas, quando conheceu Olga Kassian. Enquanto Maria continuou no projeto das sabrinas, Olga Kassian começou a pensar na ideia que daria origem à Wonther. Peça fundamental nesta história? Sempre mantiveram o contacto.
“Quando começou a Wonther, convidou-me para me juntar a ela”, conta Maria Cunha, ao ECO. Com a pandemia de Covid-19, Maria Cunha pôs as mãos na cabeça, mas o vírus funcionou como “fator” para dar a volta por cima. O propósito fez o resto, já que o projeto, incubado na Startup Braga, tem como base a economia circular através da reciclagem de metais preciosos, “uma coisa não muito feita”, garante. “Era muito importante ter um projeto a nível de valores, na perspetiva de fazer peças para mulheres fortes, celebrar essa força, e em Portugal não se trabalha a reciclagem de joias”, começa por contar.
Na prática, a Wonther recebe metais preciosos usados — como a prata — e transforma-os em novas peças. A ideia é simples: receber, transformar e voltar a comercializar, com uma nova cara e um propósito de sustentabilidade. Dar-lhes nova vida, qual Fénix renascida. “Nos metais preciosos, nada se desaproveita. São sempre puros. Por isso, podem sempre voltar a ser reaproveitados e voltar a ter uma liga para podermos fazer o que se quiser”.
O design acompanhou a ideia-base. “Quisemos criar um efeito bastante orgânico que as pessoas sentissem que tinham a ver com as peças. Quisemos criar coisas como símbolo e numa espécie de boomerang, no sentido de pôr no mundo aquilo que queres receber em troca”, assinala Maria Cunha. Os primeiros esboços foram colocados em moodboards, houve uma designer amiga que deu uma ajuda nas primeiras peças e, agora, tudo é produzido em equipa e, posteriormente, numa oficina no norte de Portugal. “Queremos que os materiais sejam éticos, não podem vir de minas e fazemos o tracking das condições de extração”, assinala.
Ainda que a Wonther produza as suas peças em Portugal, o seu mercado é o mundo. O projeto já recebeu peças para reciclar do Canadá, da Austrália e dos Estados Unidos, onde até tem um local que as recebe. “Se fossemos por uma perspetiva de portugalidade, íamos competir com a Filigrana. E já há muita gente a fazer isso bem. Fomos mais por internacional e uma perspetiva contemporânea”, explica Maria Cunha.
Por agora, a Wonther lançou cerca de 50 peças diferentes, sendo que uma das últimas novidades foi uma coleção-cápsula de argolas — uma das tendências em joalharia este ano, segundo o The Zoe Report –, apresentada ao mundo na galeria nova-iorquina Brooklyn Collective. “Brooklyn é um local tão multicultural que não podíamos deixar de considerar lançar estas peças aqui. Quando a Brooklyn Collective, que apoia artistas e marcas emergentes, nos lançou o desafio, dissemos logo que sim!”, recorda a fundadora da marca Olga Kassian.
“Sempre que chegam peças fazemos uma dança da alegria”, conta Maria sobre os cerca de cinco quilos de prata doados pelos seguidores da marca. “Não é imenso mas, para o tempo que temos de donativos, já é relevante. Como começou em agosto, não estávamos à espera de muito”, recorda, sublinhando a vontade de que o crescimento da Wonther possa ser baseado na doação e reciclagem de materiais. “O projeto de reciclagem de materiais está preparado para esse spin-off. ‘Re-precious’, a ideia de criar material, pegarmos nas peças que as pessoas não querem e podermos transformá-las. Isso terá impacto, já que, por exemplo, extrair ouro é das coisas mais poluentes do mundo: esta indústria da extração é a segunda mais poluente do mundo”, conclui Maria.
Ajudar a salvar o mundo três vezes/dia
Criada no WAD Lab, um laboratório que acelera a criação se startups, a Zhuzi viu na atual pandemia uma oportunidade: foi nessa altura que decidiu lançar no mercado nacional o seu primeiro produto, escovas de dentes de bambu.
Produzidas, por enquanto, na China por uma questão de valor competitivo no mercado europeu — e ainda que Portugal seja o maior produtor de bambu da Europa –, a Zhuzi assenta o seu modelo de negócio na subscrição de um serviço mensal com o custo de 0,99 euros e portes gratuitos, que garante o envio trimestral dos seus produtos a casa dos clientes. O negócio surge “como interesse” e pelo “grande potencial de trabalhar num comportamento mais socialmente sustentável”. “Aparece com o mote de devolver os sorrisos à natureza através de um gesto simples, que idealmente fazemos três vezes por dia: lavar os dentes”, começa por explicar Bernardo Lourenço, 26 anos, CEO da Zhuzi.
Licenciado em comunicação social pela Católica, Bernardo Lourenço, 26 anos, viveu no Reino Unido e passou pela MyProtein para os mercados espanhol e português antes de voltar a Portugal e se dedicar ao projeto.
“Vendemos escovas de bambu, vegan, livres de bpa e que, depois de serem utilizadas podem ser transformadas em composto. As cerdas de nylon e os restantes materiais com que são produzidas garantem que são uma opção vegan no mercado”, conta Bernardo, em conversa com o ECO.
“Não queremos que seja para sempre, mas temos um desafio primordial: um mercado não muito desenvolvido que tende a ir para uma guerra de preço e que desvaloriza a marca”, assinala. Agora em desenvolvimento estão mais “seis ou sete acessórios enquadrados no ‘ecossistema da casa de banho'” para poderem operar aquilo que Bernardo designa de “bathroom revolution” e que descreve o “comportamento sustentável na casa de banho”. “Gostávamos de tocar, por exemplo, na saúde mental. Porque pensamos em tudo e acreditamos que podemos ser um veículo social de uma mudança de comportamento”, defende.
“Com estas escovas amigas do ambiente, pretendemos oferecer produtos de qualidade e acessíveis para todas as pessoas que procuram escolhas sustentáveis para o seu dia-a-dia”, salienta Bernardo Lourenço. E termina “Este é apenas o primeiro produto que vamos lançar, o objetivo é alargar a gama a novos produtos e a empresa a novos mercados”.
Cresce com(o) cogumelos
A história da Shimejito começa em 2017, com muita pesquisa. Adriel Rodrigues Oliveira trabalhava, na altura, no Banco do Brasil, mas queria explicar uma nova forma de trabalho, que estivesse ligada ao impacto social, à agricultura e à sua vontade de “conseguir colocar a mão na massa”. “Fui aprender em Silicon Valley, sobre fundos de investimento e do que eles queriam ouvir das startups em 2018”, conta ao ECO. Em abril nesse ano lançava a marca, em junho montava a primeira fábrica, e, em novembro, o primeiro investimento: 20 mil dólares vindos de um business angel que lhe permitiram viajar para Lisboa e participar no Web Summit. Desses primeiros contactos com entidades como o IAPMEI, conheceu o Startup Visa e fez crescer o projeto de se mudar para Portugal.
Com base princípios da economia circular, agricultura vertical e descentralização da produção/distribuição de cogumelos a Shimejito é, também, uma tecnológica. “Desenvolvemos tecnologia para que qualquer pessoa possa tornar-se num produtor de cogumelos do futuro, com um negócio muito rentável e amigo do ambiente”, explica o fundador da empresa.
A viver no Fundão, Adriel e a equipa fazem vida da construção de “farms“, fábricas de cogumelos, e da produção e venda dos mesmos. Além da produção de cogumelos nas suas farms (as estufas), a Shimejito produz aditivos biológicos, à base de micélio, nas suas biofábricas, que podem ser utilizados em jardinagem e plantações, eliminando a necessidade de utilização de produtos químicos na agricultura e tornando as colheitas mais sustentáveis e qualificáveis como biológicas. “As fábricas produzem para as farms e para o ecossistema local, um substrato que custa 3,3 euros o quilo, e que é muito mais barato do que o da concorrência”, detalha o CEO.
Neste momento, a startup tem uma biofábrica no Fundão, que conta com três estufas de cogumelos.
Entretanto, o negócio tem crescido à medida dos seus cogumelos: rapidamente. Em novembro, a Shimejito captou uma ronda de investimento seed no valor de 10,5 milhões de euros (12,8 milhões de dólares), liderada por um fundo norte-americano que passou a deter 40% da empresa que desenvolveu uma tecnologia que permite a qualquer pessoa ser produtora de cogumelos. A ronda de financiamento vem ajudar na construção da nova biofábrica, no Porto, e de mais dez estufas. A primeira já está em instalação em Matosinhos mas o plano passa pela produção em quatro biofábricas (Fundão, Porto, Lisboa e Algarve) com pelo menos 40 estufas.
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