Mesmo em ano de pandemia, os preços das casas não baixaram. Porquê?
Muitos esperavam que a pandemia fizesse descer os preços das casas, mas isso não aconteceu. São alguns os motivos que explicam esta tendência. Saiba quais são.
A pandemia começou a ganhar força e não tardou até começarem as expectativas de que o mercado imobiliário iria arrefecer em termos de preços. Mas não foi isso que aconteceu. É verdade que o ritmo de subida dos preços abrandou, mas as casas ficaram mais caras. Porquê? Como é que uma pandemia que abala a economia não tem força para abalar o mercado imobiliário? A resposta está, sobretudo, em dois fatores: pouca oferta e baixas taxas de juro.
O ritmo de crescimento dos preços das casas tem vindo a arrefecer desde o início do ano. Mas as habitações continuam mais caras do que no ano passado. Numa análise comparativa com o trimestre anterior, entre janeiro e março de 2020 os preços subiram 4,9%, no segundo trimestre subiram apenas 0,8% e no terceiro trimestre apenas 0,5%, mostram os dados do Instituto Nacional de Estatística (INE). Ou seja, os preços têm vindo a subir, mas as subidas têm sido cada vez menos aceleradas à medida que a pandemia avança.
Já numa análise homóloga, ou seja, comparando com o mesmo período do ano passado, nota-se, de facto, que os preços não param de aumentar. Os dados do INE indicam que entre janeiro e março de 2020, as casas ficaram 10,3% mais caras do que no mesmo trimestre de 2019. No segundo trimestre ficaram 7,8% mais caras do que ano anterior e no terceiro trimestre 7,1% mais caras.
Evolução dos preços das casas desde 2010. Comparação com trimestre homólogo. | Fonte: INE
Há pouca oferta e continua a haver procura
Mas não seria de esperar que, num ano de crise, houvesse uma descida de preços? Sim. Mas há duas condicionantes a ter em conta. O presidente da Associação dos Profissionais e Empresas de Mediação Imobiliária de Portugal (APEMIP) reconhece que “o que seria normal numa pandemia era os preços baixarem”. Contudo, percebe porque é que isso não aconteceu. “Isso não acontece porque há pouca oferta e continua a haver procura. E os preços não cedem”, diz Luís Lima, em declarações ao ECO, acrescentando que “há muito pouca oferta no mercado médio e médio baixo”.
Patrícia Barão, responsável da área de residencial da JLL, confirma esta explicação. “Os preços das casas não desceram durante a pandemia porque, em geral, o nível de preços praticados está sustentado em fundamentais de procura e oferta sólidos“, explica a especialista ao ECO. “É verdade que a procura por habitação abrandou na fase inicial da pandemia, sobretudo devido à incerteza que se gerou, mas ao longo do segundo semestre foi sendo reativada, provando que a necessidade de casa vai sempre existir”.
Mas vejamos os números. Os dados do INE dão conta de 122.000 habitações vendidas até setembro, menos de dez mil do que no mesmo período de 2019. Mas as famílias continuam a procurar casa para comprar porque, como refere o presidente da APEMIP, “o mercado de arrendamento não fez o papel de saciar a vontade de habitação dos portugueses”, ou seja, “continua a não haver mercado de arrendamento”.
A oferta atual disponível está em valores historicamente baixos. E esta escassez de oferta sustenta os preços. Porque se houvesse muita oferta, os proprietários seriam forçados a baixar os preços.
O CEO da Century 21 nota que a oferta atual disponível está em “valores historicamente baixos”, “sobretudo no segmento médio”. “E esta escassez de oferta sustenta os preços. Porque se houvesse muita oferta, os proprietários seriam forçados a baixar os preços“, explica Ricardo Sousa ao ECO.
As alterações familiares: casa nova e mudança de zona
Outro motivo apontado pelo responsável da imobiliária tem a ver com a procura e com as alterações familiares. “Apesar de ser um ano muito especial, a maioria das transações que fizemos teve que ver com alterações da estrutura familiar”, diz Ricardo Sousa, detalhando que mais de 50% das vendas feitas pela Century 21 em 2020 se deveram a este motivo. “Houve mais alterações que obrigaram as famílias a trocar de casa, criaram-se novas necessidades e uma dinâmica no mercado”.
Ainda nas famílias observou-se uma outra tendência: a migração dentro da própria área metropolitana ou do próprio concelho, especialmente em Lisboa e no Porto. “As pessoas estão a sair de zonas onde não têm poder de compra e vão para zonas onde ganham poder de compra. Logo, têm capacidade para fazer ofertas acima da média daquele mercado, inflacionando os mercados à volta“, explica o CEO da imobiliária.
Esta é uma tendência que já vem sendo notada pela própria imobiliária, que dá conta de uma subida de preços anormal na Margem Sul do Tejo. Recentemente, os dados do INE tinham mostrado que o Seixal era o município onde o preço das casas mais tinha subido (20%), tendo nessa altura Ricardo Sousa explicado ao ECO que se devia efetivamente a esta tendência.
“Nestes mercados estão a vender-se as casas mais caras porque muitas famílias migram de concelhos onde o poder de compra é superior e acabam por comprar casas mais caras relativamente à oferta média daquele mercado, escoando o stock disponível do segmento médio daquele mercado“, explica o consultor imobiliário.
As baixas taxas de juro e a “apetência” pela venda de crédito
Ricardo Sousa aponta ainda outro motivo para não haver uma descida dos preços: as taxas de juro. “As taxas de juro estão muito baixas e a perspetiva é de continuarem assim”, diz ao ECO, explicando que “há muita liquidez no mercado” e os investidores “continuam com muito apetite pelo mercado imobiliário”. Isso acaba por ter impacto no crédito à habitação.
E os dados do Banco de Portugal (BdP) mostram isso mesmo. Até ao final de novembro, foram emprestados pelos bancos 1.113 milhões de euros para a compra de casa, o valor mais alto dos últimos dez anos, e equivalente a 30 milhões de euros emprestados por dia. De acordo com a instituição, a taxa de juro média desceu três pontos base para 0,84%, “um novo mínimo histórico pelo quarto mês consecutivo”.
Evolução das taxas de juro no crédito à habitação. | Fonte: Banco de Portugal
“Os bancos têm necessidade e uma apetência enorme para vender crédito. E mesmo com os critérios de acesso mais apertados do que no passado, o facto de a banca estar ativamente e com forma comercial para a comercialização de crédito à habitação cria muita atividade”, diz Ricardo Sousa, acrescentando que mais de 60% do negócio da Century 21 foi feito com crédito à habitação.
2021 poderá trazer uma descida de preços, mas residual
Para o presidente da APEMIP, bloquear a procura é “péssimo” e um “erro crasso”, dado a atual crise que se vive. “O imobiliário ajudou em 2008 e 2009 à recuperação da economia. Vamos precisar de programas de habitação e de alguma coisa que ajude a atrair investimento estrangeiro”, diz Luís Lima, referindo-se ao travão que foi dado pelo Governo aos vistos gold, acabando com a sua atribuição no litoral do país.
Sobre este tema, Patrícia Barão também tem uma palavra a dizer, lamentando a decisão do Governo. “A questão dos golden visa afeta-nos a todos significativamente, porque era um dos motores de atração para o investimento imobiliário e dá um sinal altamente preocupante numa altura em que devíamos era estar preocupados em criar ferramentas para voltar a atrair investimento e não o limitar“, diz a consultora da JLL.
Tomara eu que fosse o mercado a resolver esse problema [da pouca oferta]. Mas não. Só o Estado é que pode provocar um aumento da oferta, com programas de habitação, e as grandes autarquias.
Luís Lima, da APEMIP, afirma que seria bom “se fosse o mercado a resolver o problema” da pouca oferta, mas não é. “Só o Estado é que pode provocar um aumento da oferta, com programas de habitação, e as grandes autarquias”, nota, acrescentando que autarquias como o Porto, Matosinhos e Lisboa “já fizeram alguma coisa”, mas continua a ser preciso mais.
Para 2021, o BdP acredita que haverá uma correção em baixa dos preços das casas nos próximos meses devido à pandemia, sobretudo a dois fatores: a procura de casas para fins turísticos (alojamento local) e a procura de estrangeiros.
E os especialistas do setor concordam, em parte, com isso. Luís Lima acredita que, “se a pandemia se manter, por muita resistência dos proprietários, principalmente no mercado alto onde há alguma oferta, poderá haver alguma baixa de preços“. Mas alerta que “esses imóveis nunca servirão para o mercado médio e médio baixo”.
Por sua vez, o CEO da Century 21 acredita que, este ano, o mercado residencial “tem motivos para estar cautelosamente otimista”, dado que se prevê uma estabilidade a nível dos mercados financeiros e “muito apetite pelo mercado imobiliário”. “As pessoas vão continuar a casar e a divorciar-se, o que gera, naturalmente, a necessidade de habitação nova ou a substituição da atual”.
Contudo, salienta que a “capacidade de produção de novas habitações é muito baixa”, ou seja, “não vamos ver em 2021 um aumento exponencial da oferta, quer nova, quer usada”, alerta Ricardo Sousa. “Apesar de esperarmos um aumento da oferta, não se espera um aumento exponencial”, diz, explicando que só agora é que promotores imobiliários estão a apostar mais em projetos direcionados para a classe média.
Apesar de acreditar que “o mercado tem condições para continuar a praticar estes preços no pós-pandemia”, Patrícia Barão também crê que possa haver margem para uma descida de preços em 2021, embora residual. “Vai ser inevitável haver uma correção em baixa dos preços nos bairros que estavam muito orientados para imóveis destinados aos golden visa“, diz, dando como exemplo a zona da Baixa de Lisboa e do Castelo. “Porque eram bairros que, de certa forma, estavam orientados para o alojamento local”, continua, alertando, contudo, que “não vai ser nada significativo”.
Não acredito que em 2021 haja uma situação de baixa de preços de forma completamente radical. Não acredito mesmo. Mas vai haver algumas localizações com alguma correção em baixa e isso faz parte da lei do mercado imobiliário.
“Não acredito que em 2021 haja uma situação de baixa de preços de forma completamente radical. Não acredito mesmo. Mas vai haver algumas localizações com alguma correção em baixa e isso faz parte da lei do mercado imobiliário”, explica a especialista, sublinhando o peso que a oferta tem, ao ser “muito limitada”. Patrícia Barão diz-se otimista e antecipa que 2021 será um ano “extraordinário” e com “resultados melhores”. “Portugal está a ficar cada vez mais forte e vai sair destacado, sem a menor dúvida, desta situação pandémica”, remata.
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