Ao fim de três décadas dedicadas aos gases fósseis, há dois anos a PRF decidiu dar o salto e a apostar numa nova geração de gases renováveis, como o hidrogénio e o biometano
Ao fim de quase três décadas de atividade no setor dos gases fósseis (gás natural, GNL), há dois anos, ainda num mundo pré-pandemia, a empresas portuguesa PRF decidiu dar o salto e a apostar numa nova geração de gases renováveis, como o hidrogénio e o biometano. Para já estes gases do futuro dizem respeito a uma pequena parte da atividade da empresa, mas a ambição é que os se tornem no core business num “futuro muito próximo”, garante Paulo Ferreira, director geral da PRF, em entrevista ao ECO/Capital Verde.
APRF é um dos principais players em Portugal no setor do gás desde 1991. Para celebrar os seus 30 anos, a empresa promove em 2021 uma conferência online, em parceria com o ECO/Capital Verde, para debater os principais desafios e as oportunidades do setor no contexto da transição energética em curso. O evento realiza-se no dia 25 de fevereiro, pelas 10h, em direto no site e no Facebook do ECO e conta com a participação do secretário de Estado Adjunto e da Energia, João Galamba.
O papel do gás na transição energética está no centro do debate. Qual a importância desta fonte de energia na descarbonização?
Não há dúvida nenhuma que a transição energética já está em marcha e não pode ser parada. Os acordos de Paris que assinámos obrigam-nos a cumprir uma série de metas. O mundo inteiro vai ter de o fazer e nós, em cada coisa que fazemos, vamos ter de fazer essa transição. Por um lado temos a necessidade e, por outro lado, temos a obrigação. E depois agora há a oportunidade. Porque, efetivamente, vai haver muitos apoios para fazermos esta transição e, se não aproveitássemos estes apoios todos que vamos ter, seria um erro colossal. Será uma oportunidade enorme para o país, para a indústria e para as empresas portuguesas, e para a economia, de uma forma geral. Porque vai criar novos empregos, novos investimentos, mais impostos, tudo o que se está a gerar em torno dos gases renováveis, que não se esgotam só no hidrogénio. Efetivamente, o hidrogénio tem tido maior notoriedade, mas o biogás e o biometano são igualmente gases renováveis que vão ter um papel muito importante na nossa transição energética.
Há oportunidades na transição energética que as empresas não devem desperdiçar?
Todo o negócio e toda a economia que se vai criar à volta do hidrogénio e dos gases renováveis é uma oportunidade enorme para as empresas portuguesas e para a indústria portuguesa. Até porque estamos a produzir hidrogénio ou biometano para injetar nas redes de gás natural, reduzindo importações porque porque nós, infelizmente, em Portugal, não produzimos gás natural, importamos tudo o que consumimos, e, portanto, além dessas questões todas que já falamos – ambientais e a oportunidade que isto é para a economia nacional – tem também a questão da balança económica porque estamos a reduzir importações com produtos produzidos cá.
Depois de quase três décadas nos gases fósseis, o que levou a PRF a apostar na nova geração de gases renováveis há dois anos?
Efetivamente, são 30 anos no gás natural e no GPL, que são os gases que, maioritariamente, consumimos em Portugal. Nascemos como uma pequena empresa instaladora de redes de gás, uma empresa local, com atividade na região e, depois, fomos crescendo e, hoje, ao fim de 30 anos, somos uma empresa completamente globalizada. Hoje temos atividade e projetos em mais de 20 países diferentes, em três continentes, e, portanto, muito mudou. Mas, de facto, esta área é nova. Neste ano de 2021 é uma área de negócio que ainda vai representar pouco no conjunto da atividade da PRF, mas temos a certeza absolutíssima que, num futuro muito, muito próximo, a área dos gases renováveis representará uma grande parte, se não a maioria, da atividade da PRF. Não temos nenhuma dúvida sobre isso.
Quanto é que representa agora? Consegue contabilizar?
Quase nada. Os primeiros projetos estamos a começá-los agora, portanto, em 2021 irá representar ainda muito pouco. Mas sabemos que num futuro muito próximo vai representar muitíssimo da nossa atividade. Não temos dúvidas disso. Porque, precisamente, tem que se fazer esse caminho e o gás natural ainda vai cá estar durante algum tempo, portanto, ele não pode desaparecer de um dia para outro. Portanto, ele tem que cá estar enquanto tudo o resto não tiver a dimensão que tem, mas depois, de facto, a ideia no futuro é que os gases renováveis ocupem esse lugar e daí, depois, essa transição e essa transferência de peso do que agora é muito pouco, depois vai ser muito mais.
Os projetos de hidrogénio da PRF foram escolhidos para integrar a lista de candidatura de Portugal ao IPCEI, junto de Bruxelas?
Sim, estamos direta e indiretamente, em vários projetos no IPCEI. Temos o nosso projeto, da PRF, que é um projeto que visa a capacitação da empresas precisamente para o fabrico e industrialização de tudo o que são os equipamentos e infraestruturas que vão ser necessários para a indústria do hidrogénio. Portanto, o que pretendemos com isto é ganhar capacitação. Temos um plano de investimentos muito grande, que queremos fazer e, portanto, este projeto visa criarmos capacidade, quer em termos físicos, quer em termos humanos, em termos de conhecimentos, em termos de know-how, para fazer produção e industrialização de tudo o que são os equipamentos que vão ser necessários. Depois estamos num outro projeto, que é um consórcio para a produção de hidrogénio já para uma escala interessante e o objetivo é produzir hidrogénio a partir de fontes renováveis e, depois, injetar o hidrogénio nas redes de gás natural e poder também exportar uma parte e outra parte utilizá-la na mobilidade também.
Marcam presença noutros projetos de hidrogénio?
Temos participado em muitíssimos projetos, na qualidade de fornecedores de soluções tecnológicas, na qualidade de fornecedores de engenharia, de fornecedores de equipamentos e, portanto, temos sido muito requisitados dentro e fora do IPCEI. Há muitíssimos projetos além do IPCEI e a PRF está a participar como fornecedor de engenharia, fornecedor de tudo o que é equipamentos, conhecimento para materializar esses projetos. Estamos a fazer o projeto-piloto de produção de hidrogénio e injeção na rede de gás natural no Seixal. Tem sido complicado. É um projeto que estamos a fazer com a GGND, é um projeto em que estamos a fabricar, neste momento, os equipamentos. Serve, mais do que outra coisa qualquer, para aprendermos. Depois, o objetivo é industrializar e escalar esse projeto para outras dimensões. Acreditamos que nos próximos meses possa estar em funcionamento. Vamos misturar 5% de hidrogénio na rede de gás natural, é um rede pequena, com poucos clientes.
Nesse projeto, qual é que é o vosso papel?
Somos fornecedores. A PRF é uma empresa de engenharia e de fornecimento de serviços e de equipamentos para a indústria dos gases e, aqui, mais uma vez, estamos a fazer a parte de engenharia, estamos a fazer a parte de construção e fabrico/montagem dos equipamentos que vão ser precisos para esta operação e, depois, em termos de colocar no sítio e colocar em serviço e fazer a manutenção e toda a atividade. Quem tem a parte do hidrogénio é a Gestano, que é uma empresa do Seixal, eles é que têm a parte do fabrico e, depois, nós é que fazemos toda a parte de construção de infraestrutura, e a a GGND é a dona das redes de distribuição e responsável pela operação.
Que projetos vão desenvolver em 2021?
As entidades competentes para o efeito estão a trabalhar na legislação e há muitos regulamentos técnicos que ainda faltam sair, enfim. Está-se a trabalhar nisso e sei que brevemente haverá a legislação. Noutro dia, havia um cliente que nos perguntava quando seria possível concretizar um projeto e alguém da nossa equipa de engenharia dizia: “Olha, só para os eletrolisadores, hoje ninguém entrega um eletrolisador com um prazo de menos de 1 ano”. Por isso não acredito que neste ano de 2021 já vamos ter materializados grandes projetos. Começados, eventualmente sim. Há muitas empresas a investir nessa área, há muitas movimentações, há muitos projetos, há muitas coisas, mas são tudo coisas que levam imenso tempo e não são coisas que se fazem em 3 dias. São grandes investimentos, são investimentos estratégicos, que precisam de tempo de amadurecimento, não se faz de um dia para o outro.
Vão apostar em postos de abastecimento de hidrogénio?
Estamos já a trabalhar nisso, sim. É uma área que conhecemos bem. Sendo a molécula de hidrogénio diferente da do gás natural, a verdade é que em termos de processo, em termos conceptuais, o processo em si é muito igual: como se armazena, como se comprime, como se abastece um veículo, enfim, há uma quantidade de tecnologia, uma quantidade de conhecimento que temos do gás natural que serve exatamente igual para o hidrogénio Há vários projetos em Portugal de empresas que estão a estudar converter as locomotivas para hidrogénio. Nos automóveis, a Toyota já disse que este ano vai ter os Mirai cá em Portugal, finalmente. Portanto, será preciso criar também todas as infraestruturas para o abastecimento e estamos a trabalhar muito nisso.
Nas outras geografias onde estão presentes, também estão já a trabalhar o tema do hidrogénio?
Sim, tanto na Europa, como na América Latina.
Molgas, GALP Gás Natural Distribuição, Prima LNG, Engie, Dourogás Renovável, REN, Total France. São todas vossas clientes e estão todas já a apostar no hidrogénio?
As empresas vão ter de fazer essa transição. É um tema em que todos os players envolvidos na indústria do gás estão envolvidos. Basta vermos a facilidade com que nós podemos produzir o hidrogénio em qualquer sítio, por exemplo, numa fábrica pode pôr-se nos painéis solares na cobertura da fábrica. Portanto, isto não é uma coisa assim tão longe, isto não é uma coisa para daqui a uma década, é uma coisa para amanhã. Todas estas empresas estão a estudar o tema, tal como nós estamos. Eles, na ótica dos distribuidores, que é o que eles são maioritariamente – comercializadores e distribuidores. Nós, na ótica de engenharia e de fornecimento de equipamentos e serviços.
O Ministro do Ambiente disse recentemente que “é uma tolice continuar a usar o gás natural”, mas como resolver a equação enquanto não há hidrogénio?
Hoje, para a sua indústria, para o seu automóvel, para a sua frota de camiões, o que é que arranja de mais limpo? É o gás natural. Ponto. Se me disser assim “olhe, quero comprar um carro em hidrogénio hoje”- Eu pergunto: Mas vai abastecê-lo onde? Ou “quero pôr hidrogénio hoje na minha indústria”, eu respondo: mas não temos hidrogénio ainda. Não há. Portanto, é preciso que saibamos pôr os temas no ponto de vista certo.
Quando o ministro diz isso, eu percebo que o objetivo é um dia deixar o gás natural, mas é preciso percebermos o momento e a forma como se diz isso porque é verdade que, hoje, o gás natural é o mais limpo que temos, entre os combustíveis que existem disponíveis no mercado. Estamos é a trabalhar no sentido de poder substituir o gás natural por gases renováveis com vista à total descarbonização, que é o objetivo que todos temos. Agora, calma, o caminho faz-se caminhando. Não se sabe ainda quando é que vai haver um substituto verde para o gás natural.
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“O gás natural não pode desaparecer de um dia para o outro”
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