Mulher, engenheira e líder. Trabalhar e progredir, rodeada de homens
Sandra Costa lidera 25 pessoas, apenas três são mulheres. Para a engenheira, o problema da falta de diversidade de género no setor não está na discriminação, mas sim na falta de candidatas.
“Sento-me em várias salas em que a maior parte das pessoas são homens. Às vezes registo quantos homens e quantas mulheres há”, diz Sandra Costa, senior manager na Bosch Portugal. A trabalhar num setor onde a maioria dos profissionais são homens, Sandra Costa chegou a uma posição de liderança na multinacional alemã. Atualmente, tem a seu cargo 25 pessoas, distribuídas em quatro equipas. Apenas três são mulheres.
Das notas que tira durante as meetings mais importantes, vai reparando, contudo, nalguns progressos. “Num nível mais operacional, isto é, mais dentro das equipas, na minha organização vou vendo mais mulheres, mesmo a apresentarem projetos e a chegarem-se à frente. Se pensarmos mais em formações de liderança ou reuniões com managers, ainda vejo alguma diferença”, refere, salientando que talvez há 10 anos ainda houvesse menos presença feminina. “Provavelmente já houve alguma evolução. Talvez o facto de eu também estar nesta posição já seja um fator de evolução”, acrescenta.
Ainda assim, os números mostram, claramente, que o setor das ciências e tecnologia continua a ser maioritariamente masculino. “Não é por falta de políticas de diversidade que a empresa tenha, aliás, temos até formações contra o enviesamento durante o recrutamento. É porque, simplesmente, existem poucas candidatas nestas áreas”, considera a engenheira.
“É impossível contratar mais mulheres para estas indústrias se há poucas mulheres a entrarem nestes cursos”
Para a senior manager na Bosch Portugal, o motivo que justifica o problema da falta de diversidade de género nos setores da engenharia e da tecnologia, sobretudo, não está propriamente relacionado com algum tipo de discriminação, mas sim com causas muito mais profundas na nossa sociedade. “É impossível contratar mais mulheres para estas indústrias se há poucas mulheres a entrarem nestes cursos“, afirma em conversa com a Pessoas.
Sandra Costa licenciou-se na Universidade do Minho, fez mestrado em engenharia eletrónica industrial, com uma tese focada na robótica, e doutoramento, onde se dedicou a verificar que os robôs podiam ser usados como ferramenta mediadora de interação social entre o ser humano e crianças com perturbações do espetro do autismo. Recorda que, no início do seu percurso académico, pelo menos na primeira fase de acesso ao ensino superior, era a única rapariga da turma, com 60 alunos. “Quando comecei a estudar não era confortável entrar numa sala cheia de rapazes. Se formos ver, nas universidades ainda há poucas alunas nos cursos de engenharia eletrónica, mecânica, entre outros. A pergunta é: por que entram poucas mulheres nestes cursos?”, continua.
"Quando comecei a estudar não era confortável entrar numa sala cheia de rapazes. Se formos a ver, nas universidades ainda há poucas alunas nos cursos de engenharia. A pergunta é porque é que entram poucas mulheres nestes cursos.”
Sem certeza na resposta a esta pergunta, a engenheira acredita que talvez se deva à falta de acesso a informação ou até a condicionantes familiares, e recorre à infância para exemplificar como, desde pequenos, rapazes e raparigas podem ser influenciados nas escolhas que fazem profissionalmente. “Se calhar as raparigas brincam mais com bonecas e os rapazes com Lego, e isto dá-lhes algumas capacidades que depois são mais úteis na engenharia, acabando por enveredar por essas carreiras. Não sabemos”, diz, salientando que não deveria haver brinquedos para rapazes ou brinquedos para raparigas. “Há brinquedos, ponto”, refere.
Também o seio familiar é, para Sandra Costa, crucial para dar esta liberdade de decisão às raparigas. “Os pais também têm um papel importante nesse processo de clarificação e de mostrar as oportunidades que existem para diferentes carreiras”, sem limitar as opções por se tratar de uma filha ou de um filho.
Com a Women in Engineering (WiE), grupo afiliado do IEEE e iniciativa da qual foi cofundadora em 2010 e presidente durante dois anos, a engenheira tenta, precisamente trabalhar com as escolas secundárias para mostrar a engenharia como opção igualmente válidas para raparigas e rapazes. “Um dos objetivos era criar grupos estudantis dentro das universidades ligados à WiE. Chegámos a ter de seis a oito grupos, um em cada universidade, e é, sem dúvida, um valor acrescentado para a rede de universidades do nosso país”, diz.
Mas, além das escolas, das famílias e dos próprios jovens, também as empresas devem ser parte ativa no fomento e apoio das estudantes que querem ter um papel no futuro da evolução científica e tecnológica. Para a líder, é fundamental que as empresas atualizem as suas políticas de apoio à família, possibilitando aos seus colaboradores, tanto homens como mulheres, um equilíbrio entre vida pessoal e vida profissional. As organizações têm de certificar-se que “uma mulher não põe de parte a vida familiar por achar que não está a acompanhar os elementos da sua equipa que são homens e não têm família, por exemplo”, afirma.
Das salas da Universidade do Minho para o desenvolvimento da condução autónoma
Sandra Costa é uma daquelas mulheres que investe na sua formação e, mesmo num setor “de homens”, conseguiu alcançar uma posição mais de topo, liderando homens e, inclusive, mais velhos que ela própria. Mas, voltando a 2015, ano em que entrou na Bosch, a engenheira assumiu funções de software developer. A progressão foi, no entanto, rápida, começando por assumir alguns papéis de liderança dentro das equipas que integrava.
Posteriormente, com a mobilidade internacional de um manager, Sandra Costa assumiu o seu lugar, começando a liderar um dos grupos que deixou. “Os meus managers e a organização reviram em mim algumas competências de group leader e de poder ter a responsabilidade de mais equipas — trabalhando o seu desenvolvimento, motivação, feedback, formação — e, acabei, em 2019, por tornar-se oficialmente group leader”, conta, salientando que, talvez tenha sido por, desde a universidade, tentar sempre desconstruir os desafios relacionados com a diversidade de género, que tenha conseguido alcançar uma posição de liderança numa empresa como a Bosch.
A senior manager trabalha com sensores, uma das áreas de negócio da Bosch em Braga, e está neste momento focada no desenvolvimento do LiDAR, um sensor a ser utilizado em algoritmos de computação, sendo uma das parte essenciais que contribuirão para a condução autónoma.
“Basicamente, estes sensores providenciam dados para um sistema central com um algoritmo que usa estes dados para depois decidir o que o carro vai fazer, se vai mudar de faixa de rodagem, parar, estacionar ou virar, por exemplo. Têm de ser o mais fiáveis possível porque, se cada um cometer um erro, corremos o risco de o carro atropelar alguém ou ir contra um muro”, refere.
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