Sara do Ó diz que a pandemia traz oportunidades únicas para o M&A, que poderá ajudar na retoma das empresas. Ao Estado pede incentivos fiscais ao investimento e melhor uso de recursos públicos.
O Your protagonizou, no final do ano passado, uma fusão com a empresa de auditoria e consultoria DFK Portugal. A aliança estratégia, focada na internacionalização, foi uma das maiores operações realizadas pelo grupo português, que no total ascenderam a um milhão de euros. Para 2021, está previsto o mesmo montante para fusões e aquisições, segundo anunciou a CEO Sara do Ó, em entrevista ao ECO.
O foco são pequenas empresas por todo o país que permitam ao Your expandir e continuar a crescer. A gestora acredita mesmo que 2021 é um ano irrepetível para as fusões e aquisições (M&A, na sigla em inglês), considerando que a pandemia poderá ser uma oportunidade de crescimento para o tecido empresarial português. Pede, ainda assim, ajuda do Estado para impulsionar a recuperação económica, nomeadamente através da disponibilização de recursos públicos e de incentivos fiscais ao investimento privado.
Grupo Your realizou uma fusão com a DfK Portugal. Como é que surgiu esta fusão? Era algo pensado ou foi uma oportunidade?
O negócio da DfK acabou por ser natural, que estava pensado, estruturado e idealizado há algum tempo. Sendo um grupo económico que presta serviços integrados do apoio à gestão, que já representamos 11 áreas de negócio e 25 empresas, tínhamos alguma expectativa de crescer e criar mais valor, nomeadamente para reforçar a oferta no posicionamento no mercado internacional e de fazer um spin-off da nossa área de audit, tax and advisory para uma marca internacional, que nos posicionasse e nos desse outro tipo de visibilidade. Foi neste sentido que fizemos esta transação. O nosso objetivo é, a curto ou médio prazo, sermos claramente uma opção às big four em Portugal e para isso era preciso um alinhamento internacional.
O que vai mudar? Que mais-valias esperam obter?
Fomos uns guerreiros porque fazer uma fusão no ano da pandemia está a ser um grande desafio. Integrar equipas, culturas distintas e processos que precisam de ser uniformizados sem nos podermos estar juntos tem sido uma grande aprendizagem, mas temos tido uma grande taxa de conversão. A nossa equipa é muito sénior, que 90% vem das big four, portanto foi fácil para entrar numa estrutura já focada no mercado internacional.
E a carteira de clientes aumenta substancialmente?
Sim. Juntámos forças. Do lado da Your Audit, Tax & Audit, este spin-off posicionou-nos de forma mais atrativa. Fez com que os clientes olhassem para nós como uma referência e uma opção, que era o nosso grande propósito para este ano. Hoje temos um grupo Your com uma ambição de ser o maior fornecedor de BPO [Business Process Outsourcing] de uma empresa 100% portuguesa e do grupo DfK para ser uma das cinco maiores empresas de auditoria. É para isso que estamos a trabalhar.
O objetivo é alcançar as big four ou apresentar um produto diferente mais diversificado?
O mercado de auditoria é muito concentrado nas quatro grandes empresas multinacionais e depois é muito disperso. Há um grande gap entre o número quatro e número cinco. O nosso objetivo é apelar à concentração destas empresas e levar a cabo as melhores práticas, mas no fundo estarmos mais focados nas PME e no que elas mais precisam, que é um serviço integrado que consiga olhar para o negócio com um todo e consiga ter impacto de forma transversal.
Essa diferenciação também vos deixa à margem de questões com impacto reputacional como o Luanda Leaks ou o BES, olhando mais para trás?
É factual que nos últimos anos temos sentido um decréscimo reputacional por causa desses casos que têm acontecido. Só a eles devem respeito. E há aqui uma janela de oportunidade para as empresas olharem, não só para as multinacionais, mas também para as consultoras nacionais como um parceiro credível, que entrega e que pode ser uma opção. Essa é a janela de oportunidade que vejo.
Esta é a altura da concentração de empresas. Acho que esta oportunidade não vai voltar a Vai ser um grande ano em termos de M&A. As fragilidades para uma empresa pode ser uma valência para outra. Chegou a altura de nos concentrarmos.
A fusão foi um negócio único ou há novas aquisições no horizonte?
Na área de audit, tax and advisory foi o nosso primeiro grande negócio e estamos completamente recetivos a novas fusões e a concentrações de empresas. Aliás, acho que esta pandemia é a oportunidade de mudarmos o mindset do nosso «quintal». Penso que tem de existir a queda do quintal, que temos de nos juntar e olhar para o nosso lado. Primeiro, fazer um diagnóstico inicial, temos de perceber quais são as nossas fragilidades, se essas fragilidades não ser uma mais-valia do nosso concorrente e proporcionarmos caçadas conjuntas.
Esta é a altura da concentração de empresas. Esta oportunidade não vai voltar a existir. Obviamente que é cultural. Estamos sempre muito focados no nosso quintalinho e com muita dificuldade em abdicar do que é nosso para um possível crescimento futuro, mas acho que é a altura certa para o fazer. Vai ser um grande ano em termos de M&A. As fragilidades para uma empresa pode ser uma valência para outra. Chegou a altura de nos concentrarmos.
A cultura portuguesa é muito sozinha no crescimento. Daí que 94% das empresas são micro, portanto têm menos de dez trabalhadores e faturam menos de dez milhões. Chegou a altura de nos unirmos. Este é o momento para passarmos das microempresas para as PME e, em conjunto, conseguirmos trazer mais valor acrescentado. E já está a acontecer, há uma recetividade imensa para a concentração, para a fusão e para a aquisição de empresas, não só de serviços complementares, mas também concorrentes. Portanto, a minha resposta é sim. No grupo Your continuamos a olhar para o mercado e acreditar que nem não sabe partilhar, não sabe crescer.
E em termos de crescimento orgânico? Tinham referido querer abrir em Faro, Madeira e Madrid ainda este ano. Como está o processo de expansão?
Os processos estão a decorrer, não só nesses conselhos, mas também noutros. Não travamos, é preciso continuar a não deixar que as transações estagnem. Obviamente que o contágio económico espalhou-se tão depressa quanto a doença e às vezes é difícil ter forças para continuar com os processos, mas é essencial. O projeto de Madrid ficou em standby, mas vai acontecer. Madeira e Faro estão a decorrer tal como outros concelhos. Já tínhamos Your em Viseu, mas estamos com uma nova transação. E estamos a olhar mais para a zona do norte com mais transações nessa zona.
Quando diz transações está a falar de aquisições? Estão a comprar pequenas empresas locais, é isso?
Sim. Estamos completamente focados na concentração de pequenas empresas locais, que muitas vezes estão a passar por fragilidades. Foram confrontadas com um avanço tecnológico para o qual muitas não estavam preparadas e não tinham competências tecnológicas para acompanhar o que de repente aconteceu. Estamos obviamente recetivos a integrações e a crescimento via aquisição.
O mindset do contabilista teve de mudar para consultor em dois meses porque, de facto, com a incerteza na pandemia, tudo o que foi preciso focar no acompanhamento dos nossos clientes, leva a que o aconselhamento tenha de ser por um consultor e não só contabilista. O mero cumprimento das obrigações fiscais não suporta todo o aconselhamento e quase desenvolvimento de novos negócios e reformulação do business plan que tem de ser assumido por todas as empresas de contabilidade. Quando saímos da nossa zona de conforto e quando somos confrontados com esta crise que nos aconteceu, é reforçar o que há de bom e o que há de bom é que tivemos de desenvolver novas competências e dar esse tipo de formação e crescer substancialmente. Queremos levar a isso às outras empresas de contabilidade também.
Em Faro e na Madeira também foram aquisições? No total de 2020, quanto é que investiram em fusões e aquisições e qual a estimativa para 2021?
Foram, sim, estamos em fase de closing. Em 2020 foi cerca de um milhão e em 2021 penso que será na mesma ordem de valor.
Estamos completamente focados na concentração de pequenas empresas locais, que muitas vezes estão a passar por fragilidades. Estamos obviamente recetivos a integrações e a crescimento via aquisição.
A pandemia parou o país, mas não as empresas. Como é que está a ser a adaptação? Há mais trabalho com a pandemia ou um trabalho diferente?
Costumo dividir isto em três fases. Neste momento, o que todas as empresas estão a tentar fazer é sobreviver, para depois conseguirem recuperar e, depois, terem sucesso. As empresas foram obrigadas a repensar os seus business models, a desenvolver novos produtos, a apostar na transformação digital e a implementar uma cultura de responsabilidade interna porque inevitavelmente as decisões tiveram de ser empurradas para o terreno. Houve uma grande necessidade de comunicação interna para que, estando sozinhos, continuemos juntos. Houve uma necessidade imensa de ampliar as mensagens positivas e repetir constantemente as prioridades, para se garantir que há um alinhamento no caminho.
No tecido empresarial português, 5% das empresas têm mais de dez trabalhadores, o que é um obstáculo a qualquer expansão num mercado externo. E principalmente são estruturas familiares, o que coloca em causa o impacto humano de como sobreviver. Se pensarmos que 94% das nossas empresas têm dez trabalhadores e são estruturas familiares, a pergunta é: como é que se vai resolver? Conjunturalmente sabemos os problemas que o tecido empresarial tem de desemprego elevado e baixos salários, principalmente nos setores mais afetados do turismo e bens de consumo. Como esta crise económica vai inevitavelmente levar a uma crise social e de pobreza, é de facto o que neste momento paira na cabeça dos nossos clientes. Produzir nestes tempos é quase heroico.
O que é que as PME precisam?
Penso que todos no fundo sabemos o que temos de fazer, a pergunta é quem é que vai conseguir sobreviver. Do meu ponto de vista, as prioridades das PME são três: ter liquidez para sobreviver. Estamos a falar de PME que têm capitais próprios negativos, que vivem muitas vezes de uma descapitalização para pagarem dividendos aos seus acionistas.
As empresas que mais juros pagam também são as que mais dividendos pagam portanto não estão a distribuir lucros, estão a distribuir capitais próprios. Estamos a falar de empresas que vivem de cashflow diário. Não há qualquer poupança. Portanto, este é um problema. Depois acho que há uma grande preocupação na manutenção dos postos de trabalho e depois a garantia da continuidade operacional. Esta insegurança de não só depender das nossas ações, mas de todo o ciclo que estava montado tem sido assustador e o clima é confuso e ansioso.
Os apoios públicos têm mitigado esses problemas e riscos?
Nalguma forma, sim. A retoma do lay-off simplificado e ser comparticipado a 100% são boas medidas, mas são pontuais. Há um empurrar para a frente. Trata-se de diferimentos que terão de ser pagos. Enquanto a pandemia é provisória, a recuperação não. Quando o contágio estiver acabado, a recuperação vai acontecer e é importante não se começar do zero. Daí a importância das moratórias depois da passagem da pior fase. Como é que se consegue voltar às obrigações sem se retomar a faturação? A recuperação da pandemia não é igual à recuperação económica.
A maior parte dos nossos empresários não tem formação em gestão. São empresas que precisam claramente de alavancar a melhoria nas novas formas de trabalhar. E sente-se isso, que há recetividade a novas práticas de gestão, a novos business models e novos desenvolvimentos de serviços.
Esta paragem obrigatória foi uma grande oportunidade de olhar para o negócio e de tentar reinventá-lo e potenciá-lo. Depois, claramente olhar para os custos e perceber a importância que uma poupança tem para uma empresa. Os próprios consumidores ganharam uma confiança incrível no online, houve alterações de consumo que iriam demorar muito mais anos a existirem e existiram produtos mais ajustados ao consumo atual. E depois todos sabemos que houve uma aceleração do digital. Todos fizeram um esforço para estar online.
Esta paragem obrigatória foi uma grande oportunidade de olhar para o negócio e de tentar reinventá-lo e potenciá-lo. Depois, claramente olhar para os custos e perceber a importância que uma poupança tem para uma empresa.
O que é que as empresas precisam e procuram em termos fiscais?
Portugal é dos países da Europa que mais carga fiscal tem. A preocupação é se de facto não são precisas medidas mais agressivas, nomeadamente a isenção de impostos em determinadas situações porque a dificuldade de pagamento de imposto é claramente um entrave para a segunda fase da recuperação. Penso que podemos ir um pouco mais à frente com as nossas medidas.
Acho que o Estado não tem de fazer tudo sozinho, mas tem de atrair o investimento privado, teriam de existir mais medidas de atração do investimento para a recuperação dos capitais próprios e aumentos de capital ou incentivos à concentração de empresas. Esta parte tem de ser atraída pelo Estado num benefício fiscal ou num critério que tenha impacto na redução da taxa de distribuição de dividendos, na diminuição do IRC… Quem agora tem a coragem de investir numa perspetiva de recuperação deve ser beneficiado.
Deve haver medidas mais focadas no crédito fiscal ao investimento. Não só no investimento que vai ser feito agora, mas também para quem já investiu, nos últimos dois anos. Temos de ter a coragem de segmentar as medidas e criar medidas específicas para quem continua a investir e trazer valor mesmo neste momento de incerteza. Para mim, o perdão fiscal não é solução porque é uma medida pontual e eu acredito em medidas estruturais e que de facto consigam empurrar o investimento de forma acelerada.
Que medidas estruturais seriam essas?
É o Estado, no sentido de um estado que esteja à disposição e que ponha os seus recursos à disposição das PME. Obviamente que o dinheiro que aí vem vai ter de ser otimizado para potenciar o ecossistema das PME. É nas PME que este dinheiro vai ter de incidir e estar focado na redução do risco da sua falência e não sobrevivência. Uma das soluções poderia passar por um matchmaking numa plataforma com esses recursos que o Estado pode por à disposição das PME. Não de forma gratuita, mas a preços mais acessíveis.
Mapear todos os ativos do Estado: ativos imobiliários, propriedades intelectuais, estufas, terrenos agrícolas, cozinhas… Tudo o que possa ser posto à disposição das PME porque neste momento o que precisamos é de recursos e capacidade para conseguir ultrapassar. Penso que esta era uma medida essencial.
Outra coisa em que penso imenso é na inevitável existência de verbas para a educação dos nossos gestores e das nossa PME. Tem de haver investimento na educação e no ensino porque o que deu até agora já não vai dar daqui para a frente. Uma requalificação dos gestores e mudança de mindset para a contratação de pessoas qualificadas. É preciso alguém que olhe de novo e ajude a reestruturar os business plans. Penso que estas duas grandes vertentes — o investimento na edução e ensino dos nossos empresários e iniciativas que o Estado pode fazer para dar um incentivo às empresas — são essenciais para a segunda fase que é a recuperação económica.
Assine o ECO Premium
No momento em que a informação é mais importante do que nunca, apoie o jornalismo independente e rigoroso.
De que forma? Assine o ECO Premium e tenha acesso a notícias exclusivas, à opinião que conta, às reportagens e especiais que mostram o outro lado da história.
Esta assinatura é uma forma de apoiar o ECO e os seus jornalistas. A nossa contrapartida é o jornalismo independente, rigoroso e credível.
Comentários ({{ total }})
Grupo Your tem um milhão para M&A. “Estamos focados na concentração de pequenas empresas locais”, diz CEO
{{ noCommentsLabel }}