PS diz que empresas em teletrabalho não têm de pagar “todas e quaisquer despesas”

Partidos discutiram, em plenário, os dez projetos de lei relativos ao teletrabalho. Em resposta à esquerda, PS insiste que despesas implicadas em teletrabalho devem ser definidas em acordo.

A líder do grupo parlamentar do PS defende que as empresas não têm de assumir “todas e quaisquer despesas” só por os trabalhadores irem para teletrabalho. Foi essa a resposta de Ana Catarina Mendes aos partidos mais à esquerda, que entendem que os empregadores devem ficar responsáveis pelo pagamento do acréscimo dos custos — da internet à energia — resultante da modalidade remota. Os socialistas sublinham que o pagamento dessas despesas deve ser alvo de acordo entre trabalhador e empregador, em linha com o que também o PSD defende.

“Quanto às despesas, há uma coisa que nos divide. Esta bancada não acha que, só por ir para casa em teletrabalho, a empresa tem de assumir todas e quaisquer despesas. Isto tem de ser objeto de matéria de acordo e tem de ser comprovado qual é o acréscimo de despesa“, disse Ana Catarina Mendes, esta quarta-feira, no debate sobre os dez projetos de lei apresentados para regular o teletrabalho.

O pagamento das despesas tem sido um dos pontos mais polémicos da experiência do último ano do teletrabalho e promete sê-lo também no que diz respeito à discussão parlamentar sobre o futuro da regulação deste regime. A grande maioria dos dez projetos de lei apresentados a respeito da modalidade remota levanta esta questão, havendo soluções distintas em cima da mesa. Por um lado, há partidos — como o PS e o PSD — que defendem que o pagamento destes custos deve ser definido por acordo entre as partes. E por outro, há partidos — como o PCP, o BE e o PAN — que entendem que deve ficar claro, na lei laboral, que o empregador tem mesmo de cobrir essas despesas.

Todos estes projetos de lei estiveram em discussão esta quarta-feira em plenário, tendo os partidos mais à esquerda criticado PS e PSD por não consagrarem a obrigação do pagamento dessas despesas, mas apenas a sua possibilidade.

“Nas várias iniciativas que forem apresentadas, é possível identificar uma clivagem essencial. De um lado, projetos — como o do BE — que dizem que a lei deve consagrar direitos e deveres. Do outro, os projetos do PS e do PSD que definem possibilidades. “Discordamos totalmente desta opção, porque achamos que a lei tem de definir direitos e não enunciar hipóteses que ficam sujeitos à melhor ou pior vontade do empregador, numa negociação sempre desigual”, atirou o bloquista José Soeiro. O deputado criticou também a opção do PS de apresentar uma proposta que não altera o Código do Trabalho, mas cria regulamentação complementar. “Esta é uma solução esquisita, que vai criar ruído“, disse.

Em reação, Ana Catarina Mendes avisou: “Não esperem que a legislação do teletrabalho sirva para fazer trincheiras entre todos nós“. A líder da bancada socialista acrescentou que ninguém ouvirá o PS dizer que “qualquer uma das iniciativas que estão em cima da mesa é tortuosa, é perniciosa“, adjetivos usados pelos bloquistas para caracterizar o projeto de lei dos socialistas. Quanto às despesas, a deputada insistiu que as empresas não têm de assumir “todas e quaisquer despesas” só por os trabalhadores irem para teletrabalho, defendendo a opção de atirar esse pagamento para o acordo entre as partes.

Também do PSD chegaram críticas ao PS, não só pela opção de criar regulamento complementar, mas também por avançar com esse projeto de lei, quando na Concertação Social o Governo está a discutir com patrões e sindicatos o Livro Verde sobre o Futuro do Trabalho, no qual está incluído também o teletrabalho. “Devem ser os parceiros os primeiros a discutir esta questão e desejavelmente a chegarem a acordo”, frisou Pedro Roque. “Não [vos] parece precipitado avançar com uma legislação avulsa, fora do Código do Trabalho, em cima do acontecimento?”, questionou Lina Lopes. “É só um PS [Governo e grupo parlamentar], mas está é completamente à deriva“, atirou Clara Marques Mendes.

Ana Catarina Mendes respondeu: “Não há vários PS. Há um PS, que trabalha em conjunto“. E detalhou: “O que está em discussão na Concertação Social em nada belisca a discussão que estamos a fazer aqui”.

O deputado Pedro Roque esclareceu, por outro lado, que, da parte do PSD, o que se propõe são “alterações pontuais mas necessárias ao quadro legislativo“. Aliás, o projeto de lei da bancada laranja é dos mais curtos entre todos os que foram apresentados na Assembleia da República.

Durante o debate desta quarta-feira, os deputados, nas suas várias intervenções, foram salientando os riscos — como o esbatimento da fronteira entre a vida pessoal e profissional e o isolamento dos trabalhadores — e as oportunidades — nomeadamente maior flexibilidade e eventual melhor conciliação entre as diferentes esferas da vida — do teletrabalho.

A propósito desses riscos, o direito a desligar foi outro dos temas polémicas deste debate, com o Bloco de Esquerda a considerar “perigosa” a proposta do PS, por criar o conceito de “tempo de contacto”. Os bloquistas aproveitaram também a discussão para salientar que a negociação coletiva “não substitui a lei na definição de patamares mínimos”, enquanto PSD e CDS-PP frisaram a necessidade de se ouvirem os parceiros sociais sobre esta matéria.

Todos os partidos pediram que os projetos de lei debatidos esta quarta-feira baixem à especialidade, sem votação, esperando encontrar um solução o mais convergente possível.

Governo admite “margem” para densificar Código do Trabalho

O debate parlamentar desta quarta-feira sobre o teletrabalho contou também com a intervenção do secretário de Estado Adjunto, do Trabalho e da Formação, que admitiu haver “margem” para encontrar “soluções” no Parlamento para a regulamentação do teletrabalho, densificando eventualmente o que já está previsto no Código do Trabalho.

Miguel Cabrita lembrou que a expansão “sem precedentes” do teletrabalho no último ano ocorreu “num quadro de absoluta excecionalidade” — isto é, o contexto pandémico — pelo que acabou por abranger também trabalhadores e empresas que “nunca teriam optado” por esta modalidade remota. “A experiência do último ano não pode corresponder à avaliação que fazemos do teletrabalho em geral e para o futuro, que é aquilo que procuramos fazer neste debate”, defendeu o responsável.

O secretário de Estado sublinhou que é preciso garantir um quadro legislativo que assegure os direitos dos trabalhadores, dando espaço nesse sentido ao acordo entre as partes, e fez votos de que o debate em torno do teletrabalho “seja feito com tempo, ponderação, profundidade“. Miguel Cabrita disse a esse propósito que “parte das linhas de reflexão” identificadas pelo Governo no Livro Verde sobre o Futuro do Trabalho “encontram reflexo” em propostas em discussão no Parlamento, nomeadamente na do PS, mas “outras também têm virtualidades”.

(Notícia atualizada às 18h28)

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