“Vamos ter de decidir qual é o nível de transmissão e de circulação do vírus que estamos dispostos a tolerar”, diz Carmo Gomes
Ao ECO, Manuel Carmo Gomes diz que Portugal está "em fase de transição", pelo que "vai ter de decidir qual é o nível de transmissão e de circulação do vírus" que está disposto "a tolerar".
Um mês depois da última reunião, Governo, partidos com assento parlamentar e especialistas voltam a reunir-se, esta sexta-feira, no Infarmed para avaliarem a situação epidemiológica da Covid-19 em Portugal. Com o ritmo de vacinação a aumentar, em declarações ao ECO, o epidemiologista Manuel Carmo Gomes aponta que o país está “em fase de transição”, pelo que “vai ter de decidir qual é o nível de transmissão e de circulação do vírus” que está disposto “a tolerar”.
“Estamos numa fase de transição. Tivemos um paradigma muito recentemente que foi a preocupação de evitar óbitos e evitar a pressão sobre o Serviço Nacional de Saúde. [No entanto], com a vacinação, estamos a conseguir ganhar esta batalha a olhos vistos“, assinala Manuel Carmo Gomes, epidemiologista e professor na Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa.
Nesse sentido, o especialista destaca que “o número de óbitos é residual“, havendo já dias sem registo de mortes por Covid-19 e que “tirando o sobressalto” dos últimos dias em Lisboa e Vale do Tejo, “as hospitalizações têm vindo a descer continuamente”, quer em enfermaria geral, quer em unidades de cuidados intensivos (UCI). “Aqui há uns dias já tínhamos zero pessoas com mais de 80 anos em UCI”, refere.
E os números espelham-no bem. Segundo o boletim divulgado esta quinta-feira pela Direção-Geral da Saúde (DGS), nas últimas 24 horas foram identificadas 572 novas infeções e não morreu nenhuma pessoa vítima da doença. Neste momento, há 233 pacientes internados, dos quais 53 em UCI. Recorde-se que no “pico” da terceira vaga, Portugal chegou a ter 6.869 pessoas internadas (o nível recorde, registado a 1 de fevereiro de 2021), e 904 pacientes em cuidados intensivos num só dia (máximo alcançado a 5 de fevereiro).
"Como sociedade vamos ter de decidir qual é o nível de transmissão e de circulação do vírus que estamos dispostos a tolerar, depois de resolvermos o problema do impacto hospitalar.”
Neste contexto, Portugal está agora “numa fase de transição”, caminhando para uma situação em que o vírus SARS-CoV-2 já não representa “um perigo” para o SNS, mas “está em circulação na comunidade, o que leva a que ainda existam países “a fazerem listas verdes e listas vermelhas para nos classificar em termos de destino turístico, o que tem impacto na economia”, salienta Carmo Gomes.
“Portanto, nós como sociedade vamos ter de decidir qual é o nível de transmissão e de circulação do vírus que estamos dispostos a tolerar, depois de resolvermos o problema do impacto hospitalar“, avisa o também membro da Comissão Técnica de Vacinação, acrescentando que a questão irá colocar-se, sobretudo, “nos grupos que ainda não estão vacinados”.
Esta sexta-feira, haverá reunião de peritos no Infarmed, onde deverão ser conhecidas novas pistas sobre como vai progredir o desconfinamento, tendo em conta o maior número de pessoas vacinadas. Nesta reunião, deverá ser conhecido o plano pedido pelo Executivo a uma equipa de especialistas liderada por Óscar Felgueiras, da ARS/Norte, e por Raquel Duarte, pneumologista e ex-secretária de Estado, sobre regras a aplicar no futuro para conter a Covid-19, numa altura em que grande parte da população com mais de 60 anos se encontra quase totalmente vacinada com uma dose da vacina.
O objetivo, segundo o primeiro-ministro, é “readaptar de novo as regras” que foram definidas em março a uma nova situação de risco da epidemia “num quadro em que as faixas etárias que têm sido de maior risco tenham alcançado um nível de imunização vacinal”. Nesse sentido, também o Presidente da República defendeu que se deve mudar a matriz de risco, face à crescente taxa da população inoculada.
Assim, para Carmo Gomes uma das grandes questões que se vai colocar é se Portugal quer “realmente eliminar a circulação do vírus”, ou seja, ” fazê-lo desaparecer praticamente apenas com pequenos ressurgimentos quando há casos importados”, o que implicará “prolongar por mais tempo” algumas medidas restritivas “que não sejam muito penosas para a economia”, como é o caso do uso da máscara, distanciamento social ou o teletrabalho obrigatório sempre que possível, ou se, por outro lado, a sociedade entende que “o problema do Serviço Nacional de Saúde já não é uma preocupação com a Covid e estamos dispostos a suportar a circulação do vírus da mesma maneira que toleramos, por exemplo, a circulação da gripe na época gripal”, e aí haverá uma alívio mais rápido destas medidas.
Com o ritmo de vacinação a aumentar na generalidade dos países, esta não é, portanto, uma decisão exclusiva de Portugal, pelo que Carmo Gomes salienta que há já alguns países “a tomar posições sobre esse assunto” e até muito diferentes. É o caso dos Estados Unidos cujas recomendações são para que as pessoas que estejam completamente imunizadas contra a Covid-19, isto é, com as duas doses da vacina (no caso do esquema vacinal mais comum) possam relaxar o uso de máscara e o distanciamento físico. Posição “muito mais conservadora” tem, por exemplo, a Alemanha, cujo governo voltou a proibir a entrada de viajantes provenientes do Reino Unido, depois de declarar no sábado o território britânico como zona de mutação de variantes da Covid-19.
Portugal pode “ambicionar interromper a circulação do vírus”, diz o epidemiologista
Na opinião pessoal de Carmo Gomes, Portugal pode “ambicionar interromper a circulação do vírus de todo”, prolongando por mais tempo algumas medidas de contenção, como o uso da máscara e o teletrabalho obrigatório sempre que possível, já que “ao contrário de muitos países”, o país “é um exemplo” e tem uma “grande adesão à vacinação”.
“Os Estados Unidos têm, neste momento, 48% de vacinados com a primeira dose e já estão com dificuldade em ir por aí acima. Já estão a fazer lotarias, já estão a oferecer prémios, etc”, realça o especialista, acrescentando que dada a adesão dos portugueses à vacinação, o país pode “ambicionar manter um pouco mais as medidas restritivas até que a vacinação chegue aos 90% na grande maioria das idades”, mas para isso “precisamos de algum tempo”, avisa.
Segundo o último relatório de vacinação divulgado pela DGS, há já mais de 3,5 milhões de portugueses vacinados com uma dose da vacina (o que representa 34% da população), dos quais mais de 1,6 milhões de cidadãos já completaram o processo de vacinação (16% da população). Entre as faixas etárias, a população com 80 ou mais anos é a que tem maior taxa de vacinação (90% com as duas doses), seguida pelos 65-79 anos (92% com pelo menos uma dose da vacina) e pelos 50 aos 64 anos (44% com uma dose da vacina).
Importa ainda salientar que, desde que arrancou o processo de vacinação em Portugal, já foram enviados cerca de dois milhões de SMS para a convocatória da campanha de vacinação, sendo que a grande maioria respondeu favoravelmente ao agendamento (71%) e apenas 2% responderam que “Não”. Importa também sublinhar que esta resposta negativa não significa necessariamente que tenham recusado a vacina. Há também meio milhão de portugueses que não responderam (27%), segundo o Público.
Não obstante, o também membro da Comissão Técnica de Vacinação aponta que o levantamento das medidas de proteção são graduais, havendo situações onde já se pode relaxar mais e desde que haja “bom senso”. “Há evidentemente situações em que já nos podemos libertar do uso da máscara, por exemplo, é o caso do convívio com os nossos familiares que já estão vacinados. Entre pessoas vacinadas completamente já não se justifica o uso da máscara, mesmo em ambiente fechado”, assinala.
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