PS viabiliza mudanças à lei laboral propostas pelo PCP já de olho no OE2022

O PS ajudou a aprovar o diploma do PCP que limita os contratos a prazo e revoga o alargamento do período experimental. Direita acusou-os de usarem lei laboral como "moeda de troca" para o OE2022.

O PS “deu a mão” ao PCP e ajudou a aprovar, esta quarta-feira, um dos quatro projetos de lei levados ao Parlamento pelos comunistas para alterar o Código do Trabalho. Fê-lo numa altura em que, nos bastidores, estão a arrancar as negociações em torno do Orçamento do Estado, daí que a direita tenha acusado socialistas e comunistas de usarem a lei laboral como “moeda de troca” para esse fim. A esquerda recusou. Quem terá razão? Ao ECO, o politólogo António Costa Pinto explica que o “sim” do PS à proposta do PCP terá servido para “manter as boas relações”, já de olho no OE do próximo ano.

Com os votos contra do PSD, do CDS-PP e do Iniciativa Liberal, foi aprovado, na generalidade, o projeto de lei nº 525 do PCP, diploma que “combate a precariedade laboral e reforça os direitos dos trabalhadores”. Em conversa com o ECO, em antecipação ao debate desta quarta-feira, a deputada Diana Ferreira explicava que haverá “provavelmente mais de um milhão de trabalhadores em situação precária, no país“, daí esta proposta ser tão importante.

O grande objetivo do projeto de lei — que, entretanto, foi aprovado — é limitar a contratação a prazo, reduzindo as situações em que é possível fazê-lo, revogando os contratos especiais de muito curta duração, diminuindo o número de renovações do contrato a termo certo para o máximo de duas, cortando a duração do contrato a termo incerto para o máximo de três anos e aumentando o período em que o empregador não pode “proceder a novas admissões através de contrato a termo ou temporário, para as mesmas funções desempenhadas, quando o contrato cessou por motivo não imputável ao trabalhador”.

Além disso, o diploma prevê o reforço do mecanismo de presunção de contrato de trabalho, com alargamento dos pressupostos relevantes para esse efeito, a revogação do aumento do período experimental para 180 dias para trabalhadores sem experiência à procura do primeiro emprego e desempregados de longa duração — uma das medidas mais polémicas da revisão de 2019 do Código do Trabalho –, e a fixação de “sanções económicas, fiscais e contributivas para as entidades patronais que recorram a formas de contratação precária, bem como a obrigatoriedade de abrirem processo de recrutamento para preenchimento daquele posto de trabalho, no prazo de um mês”.

Ainda antes das votações, o PS já anunciava, na fase de discussão dos projetos, que iria viabilizar este diploma, tendo o deputado Fernando José afirmado que as preocupações refletidas no debate agendado pelo PCP “são também preocupações dos socialistas” e recordado o “caminho de consensos na densificação dos direitos dos trabalhadores” que tem sido trilhado. “O combate à precariedade laboral, a promoção da agenda para o trabalho digno e o fomento da contratação coletiva são temas vertidos em cada momento nas medidas do Governo e prioridades na ação política do PS. Por isso, iremos viabilizar o projeto de lei número 525 do PCP”, avançou o parlamentar.

Esta posição foi, ao longo de todo o debate, criticada pela direita, que acusou PS, PCP e Governo de usarem e “instrumentalizarem” a lei laboral como “moeda de troca” para a viabilização do Orçamento do Estado para o próximo ano.

Logo no início da reunião plenária, a social-democrata Helga Correia entendia que o debate agendado pelo PCP era o início “do namoro” com o PS e acusava os comunistas de estarem a fazer um “exercício de demagogia política” para encostar os socialistas “à parede”.

Depois, Pedro Roque subiu ao púlpito para insistir nessa leitura, dizendo que o PCP fazia depender a “estabilidade política” e a aprovação do Orçamento para 2022 “da aprovação de um conjunto de alterações ao Código do Trabalho”. “O Governo dá sempre qualquer coisinha ao BE e ao PCP em nome da sua sobrevivência política”, acrescentaria a social-democrata Carla Barros, mais tarde.

Em resposta, o comunista João Oliveira tomou a palavra para dizer que os projetos de lei em debate não eram uma “moeda de troca” — como tinha dito a deputada Maria Germana Rochapara um voto positivo no OE2022 e assegurou que, também nessa sede, os comunistas se irão bater pela defesa dos direitos dos trabalhadores. Aliás, em ocasiões anteriores, João Oliveira já tinha esclarecido que não queria “misturar” as negociações e que as votações desta quarta-feira não seriam determinantes (pelo menos, de forma direta) no processo orçamental.

No PS, o deputado Nuno Sá também fez questão de deixar claro que a “discussão e votação” das propostas do PCP nada tinham a ver com o Orçamento do Estado. “Não está aqui esta questão. A direita fez isso, porque quis fugir ao debate, porque não tem nada a apresentar aos trabalhadores portugueses”, disse.

A última palavra de recusa dos argumentos da direita coube a Jerónimo de Sousa, que, na intervenção que colocou um ponto final ao debate, atirou: “Queria deixar claro que, nem que o PS aprovasse todas estas propostas, iria determinar a nossa posição em relação ao Orçamento do Estado“.

Argumentos à parte, em conversa com o ECO, o politólogo António Costa Pinto explica que o “sim” do PS ao projeto de lei do PCP terá servido para a “manutenção das boas relações” entre estas forças políticas. Ou seja, não uma “moeda de troca” direta, como chegou a sugerir o PSD, mas uma forma de manter o “caminho aberto” para as negociações orçamentais, que estão agora a começar. “As negociações do Orçamento são autónomas e próprias“, salienta o especialista, admitindo, ainda assim, que as medidas aprovadas fazem parte do que se “poderia chamar de caderno de encargos informal do apoio do PCP ao Orçamento”.

O diploma aprovado segue agora para a Comissão de Trabalho e Segurança Social, com o PCP já a avisar que quer ver se o PS passa “da palavra à ação”. Entretanto, também na especialidade estão outras propostas para alterar o Código do Trabalho (neste caso, especificamente sobre o teletrabalho) e, em Concertação Social, está a ser discutido o Livro Verde sobre o Futuro do Trabalho, que também deverá dar azo a mudanças na lei laboral, segundo sinalizou a ministra Ana Mendes Godinho.

Nos próximos tempos, adivinham-se, portanto, mudanças sérias ao Código do Trabalho, que ainda há ano e meio foi revisto, com duras críticas por parte da esquerda, e que o Governo de António Costa tinha dito, no início da legislatura, não ser sua prioridade alterar, posição que acabou por contribuir para o fim da possibilidade de uma nova geringonça.

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