Publicidade em saúde e a saúde da publicidade
Será, então, forçoso concluir que um (inevitável) reforço dos meios à disposição da Entidade Reguladora da Saúde só poderá resultar num aumento exponencial dos processos e sanções aplicadas.
A proteção da saúde justifica que a publicidade a práticas relativas à prestação de atos naquela área tenha regras especiais. Assim acontece desde 2015, com a entrada em vigor do Regime jurídico das práticas de publicidade em saúde.
Ainda que o setor não estivesse, até àquela data, desregulado (em particular, contando com legislação especial relativa a medicamentos e dispositivos médicos), com o Regime jurídico das práticas de publicidade em saúde, o ordenamento jurídico português passou a ter legislação dedicada ao setor da saúde, nomeadamente no que concerne a publicidade que tenha por objeto atos clínicos de diagnóstico, tratamento ou prevenção da saúde.
O regime vem, em primeiro lugar, concretizar princípios aplicáveis à publicidade em geral, atendendo à especificidade do setor. Por exemplo, determina-se que o respeito pela licitude depende da efetiva qualificação do prestador de cuidados de saúde e do licenciamento do respetivo estabelecimento. Em segundo lugar, o regime vem consagrar regras específicas do setor da saúde, com particular relevância para o princípio do rigor científico da informação. Este exige que sejam utilizadas na publicidade, exclusivamente, informações aceites pela comunidade científica. Isto significa que uma publicidade em saúde terá de assentar em evidência científica, sob pena de violação da lei. A agudização deste problema com a pandemia em 2020 justificou, inclusivamente, o primeiro (e até agora único) Alerta de Supervisão da Entidade Reguladora da Saúde na área da publicidade em saúde.
O incumprimento das regras relativas à publicidade em saúde pode resultar na aplicação de diversas sanções. Por um lado, são aplicáveis coimas que podem ultrapassar os €40.000,00. Por outro, as sanções acessórias podem incluir a interdição de exercício da atividade profissional até dois anos. Chegados aqui, poderíamos ser levados a concluir que muitas serão as infrações cometidas e as sanções aplicadas. Pense-se, por exemplo, na publicidade massificada e descontrolada na área da Medicina Cosmética. Contudo, os números não evidenciam esta realidade.
A competência de fiscalização e instrução dos processos de contraordenação cabe, desde 2015, à Entidade Reguladora de Saúde. Sucede que, esta entidade não detém os recursos que o âmbito das suas competências exige, nomeadamente ao nível do licenciamento de estabelecimentos prestadores de cuidados de saúde.
Isto resulta em números muito modestos no que concerne à atividade de fiscalização na área da publicidade em saúde. Considere-se o universo dos estabelecimentos prestadores de cuidados de saúde – mais de 30.000 registados no final de 2020 (que significa mais do que um crescimento para o dobro desde 2010, em que se contava com menos de 14.000 estabelecimentos registados). Ora, nos últimos cinco anos, entre 2016 e 2020, a ERS abriu um total de 355 expedientes relativos à publicidade em saúde – o que representa menos de 70 por ano. Sendo que, isto refletiu-se na abertura de 127 processos de contraordenação. Ou seja, por ano são abertos cerca de 25 processos de contraordenação pela violação das regras relativas às práticas de publicidade em saúde.
Infelizmente, os números modestos não são consequência de um generalizado cumprimento da lei. Pelo contrário, existe um grande desconhecimento das regras aplicáveis por parte dos prestadores de cuidados de saúde. Será, então, forçoso concluir que um (inevitável) reforço dos meios à disposição da Entidade Reguladora da Saúde só poderá resultar num aumento exponencial dos processos e sanções aplicadas por violação das regras da publicidade em saúde.
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