Da mesa ao sapatinho, o Natal deste ano vai pesar mais na carteira
A escalada dos preços das matérias-primas, da energia ou dos transportes já está a começar a refletir-se no preço final dos produtos. Prepare-se para uma quadra festiva mais cara do que as anteriores.
Com o Natal quase à porta, é já certo os portugueses vão ter de abrir os cordões à bolsa devido à subida generalizada dos preços. Bacalhau, produtos agrícolas, guardanapos e os próprios presentes de Natal são alguns dos artigos que vão sofrer com a inflação nesta quadra festiva. Este aumento deve-se essencialmente à escassez e/ou à escalada dos preços das matérias-primas, dos contentores marítimos, de componentes eletrónicos e da energia.
A lista de compras vai pesar mais na carteira. A começar pelos produtos agrícolas, com a Confederação dos Agricultores de Portugal (CAP) a alertar para a “incontornável” subida dos preços destes artigos, face ao aumento dos custos dos fatores de produção, como os combustíveis e os adubos.
“O aumento do custo dos fatores de produção, associados à produção agrícola, como os combustíveis e a energia, os adubos e os transportes de uma forma geral, tornam incontornável uma subida dos preços dos produtos em toda a cadeia de produção e distribuição agroalimentar, com reflexo nos preços pagos pelo consumidor final”, disse o presidente da CAP, Eduardo Oliveira e Sousa.
A acrescentar à lista, os produtos ligados às farinhas, ao trigo e ao pão já estão a ser alvo de uma revisão de preço em alta, como alertou a Associação Portuguesa de Empresas de Distribuição (APED). Várias panificadoras admitem subir o preço do pão perante a escalada dos preços da energia e de matérias-primas essenciais ao negócio.
O bacalhau, que é um dos produtos mais procurados para a ceia de Natal, deve estar mais caro cerca de 20% em relação ao ano anterior, como escreveu o CM. “Será algo inédito. Todos os anos há ameaças de que o bacalhau pode faltar, mas os comerciantes têm sempre conseguido repor os stocks. Só que este ano o problema é muito mais complicado porque estamos confrontados com uma gravíssima crise nos transportes marítimos a nível mundial, o que quer dizer que o bacalhau, pelo menos o de melhor qualidade, pode faltar na mesa dos portugueses este Natal”, alertou o comerciante grossista Domingos Júlio.
Para além do bacalhau, atualmente o preço das carnes de bovino e de aves, sobretudo frango e peru, está mais 25% mais caro e está previsto uma subida de mais 25% até janeiro, avança o CM. Para os comerciantes a escalada de preços não tem fim à vista. “Isto tem aumentado de uma forma nunca vista. A carne de vitela, por exemplo, custava no ano passado 9,80 euros por quilo; hoje está a 12,99 euros. Estamos a falar de um aumento de 3,19 euros, o que representa mais de 30%”, disse Alexandre Gonçalves, administrador do Supertalho Redentor, em Braga.
Do lado da logística, os operadores confirmam ao ECO o cenário “completamente louco” que se vive no setor portuário. Os armadores estão a impor preços que chegam a ser até dez vezes superiores aos que eram praticados antes da pandemia da Covid-19, sobretudo nas rotas da Ásia para a Europa. E há “muita mercadoria acumulada à espera de espaço em navios” e em risco de só chegar ao Velho Continente depois das festas natalícias.
O frete de um contentor para o transporte de mercadorias da China para a Europa, que antes da pandemia custava 1.500 a 2.000 dólares, atualmente pode chegar perto de 20 mil dólares. Somando a duplicação do preço de algumas matérias-primas, como o ferro ou o cobre, Mário de Sousa, CEO da Portocargo, calcula que a incorporação destes custos vai provocar “um agravamento brutal nos preços finais” nos artigos que foram adquiridos nos últimos quatro meses.
Nesta quadra natalícia, até os guardanapos vão ficar mais caros. A Navigator aumentou os preços de produtos como papel higiénico, guardanapos, rolos de cozinha e toalhas de mão, de 8% a 10%. Este aumento é justificado pelo aumento de custos em produtos químicos, energia, materiais de embalagem e logística e celulose.
É muito provável que o agravamento de preços continue a fazer-se sentir, tornando mais cara a consoada de Natal.
Os industriais portugueses pagam energia 2,5 vezes mais cara que outros players europeus. Portugal a indústria estava a pagar em média até ao início de setembro 103,35€/MWh, mais do que os 99,62€/MWh de Espanha, do que os 65,58€/MWh da Alemanha e bem mais do os 42,23€/MWh de França. O elevado custo com a energia acaba por estrangular a competitividade das empresas portuguesas e o reflexo está no aumento dos preços.
Em declarações ao ECO, o presidente da AEP, Luís Miguel Ribeiro, considera que “é muito provável que o agravamento de preços continue a fazer-se sentir, tornando mais cara a consoada de Natal”. Justifica que face ao “anormal acréscimo em vários custos de produção, como de matérias-primas (também pela sua escassez), energia e transportes, as empresas não têm margem para acomodar tais aumentos de preços e, por isso, refletem no preço final dos seus produtos”.
“Se olharmos para o índice de preços na produção industrial em Portugal já não encontrávamos valores tão elevados pelo menos desde 2011”, lembra o líder da AEP. No contexto europeu, Luís Miguel Ribeiro destaca a “subida muito significativa” da inflação em outubro, de 4,4% na União Europeia e de 4,1% na zona euro, “uma magnitude de valores que já não conhecíamos desde julho de 2008, ou seja, há mais de uma década”.
Escassez de chips ameaça brinquedos e eletrónica
Além da ceia de Natal, os presentes também vão sair mais caros. A escassez e a escalada dos preços das matérias-primas, dos chips e dos contentores marítimos, ameaçam provocar falhas no abastecimento de brinquedos ou artigos de eletrónica em Portugal. Em declarações ao ECO, o diretor-geral da APED falou num “cocktail explosivo que pode vir a ter impacto” nas compras dos portugueses.
Por exemplo, em várias áreas do retalho especializado, eventualmente nos equipamentos eletrónicos de consumo e nos brinquedos. “São produtos que tendencialmente vêm de fora da Europa e que podem estar em risco. Não queremos, de maneira nenhuma, alarmar os consumidores, mas nalgumas categorias de produto, se houver uma grande procura, poderemos ter dificuldade em repor os stocks”, alertou Gonçalo Lobo Xavier.
O CEO da Arm, a gigante dos microprocessadores, alertou igualmente que “é possível que os consumidores não consigam comprar tudo o que pretendem”. “Estou nesta indústria há algum tempo e nunca vi uma situação tão extrema como a que se verifica neste momento”, acrescentou Simon Segars.
Do negócio dos computadores à indústria automóvel, este problema está a afetar a produção nos vários setores de atividade. Além da escassez, os empresários alertam que o aumento da procura está a levar a uma subida exponencial dos preços.
E se estiver a pensar aproveitar a quadra para trocar de automóvel, saiba que a oferta vai sair mais cara do que há uns meses. É que o atraso na entrega de carros novos está a fazer disparar os preços dos usados até 20%, como escreveu o Público esta semana. Os atrasos na produção devem-se essencialmente à escassez de chips no mercado mundial.
Finalmente, tendo em conta que a maioria dos portugueses faz deslocações para as reuniões familiares nesta quadra festiva, os elevados custos com os combustíveis também vão pesar na carteira, tendo em conta que os preços de gasolina e gasóleo atingem máximos de 2014. A gasolina simples 95 está a 1,70 euros o litro, enquanto o gasóleo está a 1,50 euros.
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