Quem é Luís Neves, o diretor nacional da PJ que capturou João Rendeiro?

Foi responsável por casos relacionados com a ETA, skinheads e assaltos a caixas multibanco com materiais explosivos. Reconhecido como um homem pragmático, do terreno e que não cede a pressões.

Luís Neves, diretor nacional da Polícia Judiciária (PJ), nunca foi de dar entrevistas. Mas, no espaço de pouco mais que 24 horas, tornou-se no imediato um rosto conhecido ao vir anunciar ao mundo que João Rendeiro, ex-líder do BPP condenado por crimes económicos e foragido à justiça desde o dia 28 de setembro, foi capturado na cidade de Durban, na África do Sul, 20 dias depois de dar uma entrevista à CNN Portugal.

Nas horas que se seguiram à conferência de imprensa do atual diretor da PJ — à frente do órgão de polícia criminal desde junho de 2018 — seguiram-se inúmeras entrevistas de Luís Neves a praticamente todos os canais televisivos nacionais. E o caso não é para menos: a polícia portuguesa, já conhecida pelas cifras de sucesso a nível mundial — articulada com a polícia sul- africana, conseguiu capturar o homem mais procurado do momento (até aqui) em apenas dois meses e meio da sua fuga de território nacional. Certo é que, desta forma, a PJ conseguiu ‘remendar’ a má imagem da justiça e dos magistrados, deixada pela fuga de Rendeiro.

Luís Neves, diretor nacional da Polícia Judiciária.António Pedro Santos/Lusa

E quem é, afinal, Luís Neves, além de atual diretor nacional da PJ?

Em junho de 2018, o líder da PJ, até então coordenador da Unidade Nacional de Luta contra o Terrorismo, tomava posse para o seu primeiro mandato, sucedendo a um dos históricos que ocupou o cargo durante uma década, Almeida Rodrigues. A verdade é que essa sucessão foi pacífica, aplaudida no interior da polícia. Porque era então a segunda vez, nos últimos anos, que um homem “do terreno”, da própria instituição (não magistrado), que conhecia e conhece a PJ a fundo, liderava este órgão de polícia criminal.

Luís Neves, de 56 anos é licenciado em Direito, entrou para a PJ em 1995, integrando-se na área do combate ao crime violento e ao terrorismo. Nos últimos anos foi responsável por casos relacionados com a ETA, com os skinheads ou com assaltos a caixas multibanco (ATM) com recurso a material explosivo. Começou na Direção Central de Combate ao Banditismo como inspetor onde esteve 13 anos, passou a coordenador em 2006, subiu a diretor-adjunto um ano mais tarde e, posteriormente, tornou-se diretor desta estrutura, que, com a redesignação orgânica na PJ, foi renomeada Unidade Nacional de Combate ao Terrorismo, da qual foi o primeiro líder. Atualmente, já vai no segundo mandato como diretor nacional (reconduzido em maio deste ano).

Luís Neves ingressou na força policial assim que terminou a licenciatura em Direito e já depois de um estágio em advocacia. Esteve sempre ligado ao combate ao crime violento e ao terrorismo.

No seio da polícia e mesmo “para fora” é considerado um dos maiores especialistas de Portugal em questões de terrorismo e crimes transnacionais, sobretudo os de natureza mais organizada e violentos. Internamente, ficou também associado às investigações à extrema-direita, à vaga de explosões em caixas multibanco ou às máfias de leste. Pelos seus pares, é considerado um profissional com uma postura de homem pragmático, do terreno, de acompanhar as investigações, focado no trabalho e imune a pressões.

No final deste Executivo, o diretor nacional da PJ pode congratular-se por ter conseguido de Francisca Van Dunem o que há muito era pedido no seio da polícia: mais meios humanos. Para 2022 estão previstas as entradas de mais de 200 inspetores para a estrutura policial.

“O trabalho de polícia é na Polícia, na rua. Nós somos polícias, e os polícias não ficam em casa”, relembrou na mesma entrevista, dada em plena pandemia e confinamento.

Questionado sobre que qual o legado que gostaria de deixar, respondeu objetivamente: “Quero ver uma polícia mais motivada, porque percebe agora que os meios estão a regressar, as pessoas estão mais confiantes. Somos uma instituição em que o cidadão confia. É esse o meu desígnio, de gente humilde que procura fazer muito”, concluiu.

No seu discurso de tomada de posse, o diretor nacional da PJ alertou também para a necessidade de colocar o enfoque da polícia que lidera na cibercriminalidade (que está em expansão), bem como na luta contra o tráfico de armas e o tráfico de droga, a par do combate ao terrorismo que aparece com “novas roupagens”.

Quanto ao Orçamento do Estado e à gestão dos dinheiros públicos pela PJ, Luís Neves referiu que a “PJ é um investimento seguro” porque há “um retorno garantido” na luta contra o crime e na apreensão dos bens e valores ilícitos e branqueados pela criminalidade.

Os casos em que a Polícia Judiciária deu cartas

Muito focado na área da cibercriminalidade e da corrupção — assumindo as áreas como duas das prioridades atuais da PJ — Luís Neves deu provas a nível da corrupção nas autarquias, do Estado, em casos de fraude na obtenção dos subsídios europeus, de financiamento de partidos, investigação a dezenas de crimes de ódio e suspeitos skinheads arguidos. Teve nos holofotes no caso Tancos — com as questões diplomáticas encetadas pela Polícia Judiciária Militar, nos assaltos a multibancos e conta com centenas de casos de raptos resolvidos no currículo. Foi também responsável pelo caso do hacker português de 19 anos o suspeito do cibertaque contra Altice e Benfica.

No caso específico de Tancos, recusa-se a assumir uma guerra entre polícias: “Não houve nenhuma guerra, partilhámos aquilo que sabíamos. A partir do fatídico dia 4 de julho de 2017 em Tancos [data da visita de Marcelo], disse-se aquilo que não se devia ter dito, e a partir daí foi um desvario que inviabilizou que a investigação pudesse ser desenvolvida com maior rapidez”, explicou. O caso dos Paióis de Tancos surge na sequência de um assalto ocorrido em 27 de junho de 2017, na qual foram furtados diversos artigos de material de guerra do Exército Português que se encontravam depositados nos Paióis Nacionais de Tancos. E que chegou a ter Azeredo Lopes, ex-ministro de António Costa, como arguido, apesar de mais tarde este membro do executivo socialista não ter sido acusado.

Outra das suas bandeiras passa pela luta contra a corrupção, que considera uma “praga”, embora seja cético no que toca ao discurso pessimista em que se defende que esta mesma corrupção seja em grande escala em Portugal. “O país não é corrupto e as instituições não são corruptas”, disse, adiantando que “sim, há corruptos” e que a PJ irá “reforçar esse combate à corrupção”.

Há ano e meio, defendia que não “é saudável para a realização da justiça e para a própria materialização da democracia que os corruptos, aqueles que mais atingem os interesses do coletivo, que contribuem para o desequilíbrio das contas públicas, que distorcem a verdade e os naturais mecanismos da economia em proveito próprio – em alguns casos, muito proveito -, demorem demasiado tempo a ser julgados“, numa clara crítica aos magistrados e tribunais.

“A corrupção favorece as associações criminosas e o terrorismo, a radicalização – pela falta de oportunidades resultante do mau emprego dos dinheiros públicos e da falta de investimento privado”, concluiu.

Caso Rui Pinto, o hacker português que divide opiniões

No caso de Rui Pinto, o hacker português cujo julgamento ainda decorre e cuja decisão deverá estar para breve, Luís Neves não esconde uma posição de alguma defesa perante este arguido, que colaborou e continua a colaborar com as autoridades.

Rui Pinto, recorde-se, está acusado pelo Ministério Público por um total de 90 crimes, 68 dos quais de acesso indevido, 14 de violação de correspondência, seis de acesso ilegítimo e ainda um por sabotagem informática à SAD do Sporting e outro por extorsão na forma tentada.

A verdade é que, defende o diretor nacional da PJ, “nós lidamos com pessoas com quem criamos laços de confiança, que nos aportam informação muito relevante, com pessoas que precisam de ser protegidas, com pessoas que mesmo depois de presas precisaram da nossa ajuda e nós estivemos presentes. São pessoas. Nós precisamos todos uns dos outros. A questão é que o polícia, a Polícia, lida com pessoas”.

Luís Neves defendeu que o ponto que interessa perceber e o que todos queremos saber relativamente a Rui Pinto será “o que é que o motivou – se foi de facto a questão do combate do ponto de vista ético para denunciar e expor comportamentos criminosos ou se foi outra esfera que o conduziu à prática dos crimes pelos quais está pronunciado”, rematou.

Publicamente já assumiu que Rui Pinto vivia em condições difíceis, sem luxos, que é uma pessoa relativamente jovem e culta, “com preocupações de defesa do coletivo, preocupado com questões de igualdade, justiça social, e isso é importante”.

Na conferência de imprensa que acordou Portugal na manhã de sábado, Luís Neves estava visivelmente orgulhoso: “Tudo faremos para que a justiça seja materializada nesta parte final”, disse. Ou seja, o cumprimento da prisão. Criticando abertamente a postura de Rendeiro, o diretor nacional da PJ relembrou a “grande disponibilidade económica, que facilita muito a mobilidade”, descreveu. “Usava meios de comunicação tecnologicamente avançados, que encriptam os dados” e “custam uma exorbitância”, para passar sem ser localizado. Mas a Polícia Judiciária portuguesa e as autoridades sul-africanas tinham-no na mira este tempo todo.

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