Formação, salários e imigrantes. É assim que as empresas estão responder à falta de pessoal
A escassez de recursos humanos é um dos desafios que as empresas portuguesas estão a enfrentar, numa altura em que a economia está, nas palavras do Governo, a registar uma "forte recuperação".
Com a economia nacional a registar uma “forte recuperação“, as empresas portuguesas estão já a tentar fazer crescer as suas equipas, mas têm encontrado, indicam as próprias, sérias dificuldades em cumprirem a esse objetivo. Da valorização salarial à formação, passando pela flexibilidade, são várias as estratégicas adotadas, em reação, para encontrar o pessoal de que precisam, acreditando os empregadores que é preciso também reforçar a imigração para colmatar, pelo menos, algumas dessas falhas.
A pandemia de coronavírus (e as restrições à atividade económica e à mobilidade a ela associadas) fez tremer o mercado de trabalho, tendo provocado uma subida do desemprego — ainda que não tão acentuada como inicialmente prevista — e do número de inativos. Agora, mais de ano e meio após ter sido identificado o primeiro caso de Covid-19 em Portugal, a economia nacional está de volta ao crescimento e, à boleia, as empresas às contratações.
“Quer os dados estatísticos, quer as informações que vamos recolhendo junto dos nossos associados permitem-nos afirmar que as empresas já estão a recrutar, embora a situação dos vários subsetores e também das empresas não seja toda igual”, adianta a Confederação do Comércio e Serviços de Portugal (CCP), em declarações ao ECO.
No turismo, o cenário é semelhante: “Os dados do último inquérito relativos a setembro de 2021 revelam que 32% das empresas de alojamento e 67% de restauração já sentiram esta necessidade de contratar novos colaboradores este ano”, revela ao ECO a Associação da Hotelaria, Restauração e Similares de Portugal (AHRESP).
E também no têxtil, já há empresas interessadas em alargar as suas equipas. “Em termos globais, o setor têxtil e vestuário português tem vindo a recuperar a atividade económica ao longo do ano de 2021, embora nem todas as atividades estejam com a mesma dinâmica. Para dar resposta a este aumento da procura, as empresas tentam reforçar as suas equipas“, diz Mário Jorge Machado, da Associação Têxtil e Vestuário de Portugal (ATP).
A ManpowerGroup partilha igualmente dessa leitura do mercado laboral. “Tem, sem dúvida, existido um reforço crescente na contratação por parte das empresas“, sublinha Rui Teixeira, diretor-geral de operações da empresa. E detalha: “Os dados do último ManpowerGroup Employment Outlook Survey mostram-nos isso mesmo, com 52% dos empregadores nacionais a prever aumentar as suas contratações durante os próximos três meses“.
O preenchimento das vagas que têm surgido não tem sido, contudo, fácil. A escassez de mão-de-obra — que já era uma queixa das empresas antes da crise pandémica — é notada na generalidade dos setores.
“Há uma taxa natural de desemprego, um valor abaixo do qual é muito difícil a economia conseguir ir, já que, a partir desse limite, há poucos trabalhadores com as características procuradas pelas empresas. No início de 2018, a economia portuguesa já tinha entrado na taxa natural de desemprego e as empresas já começavam a queixar-se da dificuldade de encontrar trabalhadores“, explica Pedro Braz Teixeira, economista que lidera o gabinete de estudos do Fórum para a Competitividade, em conversa com o ECO.
O responsável acrescenta que o problema foi sofrendo um agravamento “até começar a pandemia”. “Na pandemia, o cenário mudou completamente, mas, entretanto, com a recuperação, as empresas já estão outra vez” a enfrentar o mesmo desafio, atira. “Aliás, as empresas até já estão mais aflitas” do que em 2018, avisa Pedro Braz Teixeira, notando que atualmente a taxa de desemprego está mesmo abaixo dos níveis registados nessa altura (6,4% em outubro de 2021 contra 6,6% em outubro de 2019 e 6,8% em outubro de 2018, segundo o Instituto Nacional de Estatística).
A Confederação Empresarial de Portugal (CIP) confirma essa dificuldade no recrutamento, identificando a “falta de recursos humanos” como um dos “constrangimentos” que estão a limitar as empresas que “se revelam mais competitivas”. “Os dois principais fatores que estão a condicionar ou a dificultar são, por um lado, a existência de poucos recursos humanos, em resultado de uma baixa taxa de natalidade e da saída de muitos trabalhadores para outras economias mais competitivas, e, por outro lado, uma ainda persistente desconexão entre as competências e qualificações das pessoas e as necessidades das empresas“, explica a confederação liderada por António Saraiva.
Entre as empresas que se revelam mais competitivas, há um conjunto de constrangimentos que as estão a limitar, como a falta de recursos humanos.
No comércio e serviços, o “problema demográfico” também é apontado como uma das justificações para a dificuldade “em encontrar pessoas para as funções desejadas”, somando-se os “saldos migratórios irregulares ou insuficientes“, o desajustamento entre a oferta e procura de emprego” e até o “subsídio de desemprego“, que a CCP considera não ser “suficientemente motivador da procura de emprego“.
Já no turismo, destaca-se uma outra explicação: a transferência de muitos trabalhadores para outras as áreas de atividade que foram menos afetadas pela pandemia e pelas restrições. Tal tem feito com que os empresários deste setor, diz a AHRESP, “se deparem com um número muito reduzido de candidatos interessados e outros que surgem não detém perfis adequados às funções”. “O turismo passou a ser olhado com muito mais receio. Passou a ser visto com uma área de altíssimo risco“, observa Pedro Braz Teixeira, na mesma linha.
Quanto à indústria, a aceleração da transição para o digital e para as preocupações climáticas trazida pela pandemia fez brotar agora uma “maior necessidade de profissionais com competências nestes domínios”, o que explica as dificuldades no recrutamento hoje sentidas. A esta justificação, junta-se outra que não está ligada à crise sanitária: a imagem do setor. “Existe pouca mão-de-obra disponível para trabalhar, em particular, na indústria. É um problema transversal à indústria, sobretudo a dita mais tradicional. Existem ainda alguns estereótipos sobre o trabalho na indústria, que devem ser desmitificados”, defende Mário Jorge Machado.
Perante estas dificuldades, as empresas dos vários setores já estão a pôr em prática variadas estratégias de atração e retenção de talento. “De acordo com dados recolhidos recentemente pelo ManpowerGroup, 72% dos empregadores nacionais recorre a aumentos salariais ou outros incentivos financeiros para atrair e comprometer o talento de que necessitam”, avança Rui Teixeira, reconhecendo, contudo, cada vez mais as empresas apostam numa maior diversidade de incentivos.
72% dos empregadores nacionais recorre a aumentos salariais ou outros incentivos financeiros para atrair e comprometer o talento de que necessitam.
É o que está a acontecer no comércio e serviços, por exemplo. A CCP garante que os salários e os prémios nas novas contratações têm crescido, mas também “outro tipo de regalias, monetárias ou relacionadas com as condições de trabalho, formação profissional e organização do tempo de trabalho”.
A CIP reconhece uma estratégia semelhante nas empresas que lhe estão associadas. “As atuais políticas de retenção já não se limitam a uma vertente meramente salarial, abrangendo outro tipo de políticas que passam, a título de mero exemplo, por uma maior flexibilidade em termos de organização do trabalho, quer do ponto de vista temporal, quer do ponto de vista espacial, uma maior disponibilidade de tempo para desenvolver outras tarefas que não as contratualizadas ou ainda por uma maior aposta na formação profissional“, avança a confederação.
Já o têxtil, conta a ATP, tem melhorado as “condições de trabalho e as políticas remuneratórias na medida do possível”. A associação deixa, no entanto, um alerta: sendo este setor exposto a forte concorrência (incluindo internacional), é “fundamental que as empresas” continuem a ser competitivas sob pena de perderem encomendas, clientes e a capacidade de se manterem no mercado.
Por outro lado, no turismo, a AHRESP diz ter identificado um conjunto de soluções para a falta de mão-de-obra: apostar na formação de curta duração para possibilitar o acesso de mais trabalhadores a este setor, redefinir as carreiras profissionais, valorizar e dignificar essas carreiras, reforçar os salários e prémios — “poucas são as empresas que estão hoje a contratar pelos valores previstos nas tabelas [dos contratos coletivos], mas, sim, por valores bem superiores”, assegura a associação –, investir em “programas de imigração controlada e de acordos de mobilidade” e repensar os apoios sociais. Isto já que, tal como a CCP, a AHRESP entende que esses subsídios, como estão desenhados, têm feito com que as “situações de inatividade perdurem no tempo, enquanto muitas ofertas de emprego, sistematicamente, permanecem por preencher”.
“Não há respostas óbvias”. Governo pode ajudar?
Para o economista Pedro Braz Teixeira, as empresas têm, pelo menos em certo sentido, de se adaptar à atual falta de pessoal, podendo colocar no terreno uma série de medidas para tentar contrariar a situação. “Não há respostas óbvias“, salienta o líder do gabinete de estudos do Fórum para a Competitividade. Ainda assim, arrisca três caminhos.
Primeiro, “as empresas mais produtivas deviam estar a contratar os trabalhadores das menos produtivas“, sugere o economista, indicando que tal atração de talento poderá ser feita através da oferta de melhores salários, mas também de melhores perspetivas de carreira.
Segundo, é importante apostar na formação, sublinha. “Na taxa natural de desemprego, o perfil dos desempregados é diferente daquele que as empresas procuram. É possível haver medidas que baixem a taxa natural de desemprego, que passam pela formação“, explica Pedro Braz Teixeira, defendendo que tal tanto pode acontecer através da revisão do modelo de formação profissional disponibilizado pelo Estado como por meio de uma aposta das próprias empresas. “As empresas têm que procurar contratar pessoas que não têm formação necessária e dar essa formação. É um caminho que as empresas podem fazer com um algum sucesso. Com custos, mas com sucesso”, enfatiza o economista.
O terceiro caminho contra a escassez de recursos humanos proposto por Pedro Braz Teixeira é a aposta na automatização de certos processos, nomeadamente na hotelaria. “Outro caminho é os processos serem automatizados. É conseguir produzir o mesmo com menos trabalhadores“, indica.
Por parte do Governo, as empresas gostariam de ver também variadas medidas colocadas no terreno. “Não existe uma medida mágica ou uma ‘bala de prata'”, reconhece a CIP, mas defende que é preciso “conceber uma estratégia de natalidade“, reforçar a aposta no ensino e na formação profissional, “conceber e implementar rapidamente programas de reconversão que sirvam de instrumento à transição e requalificação dos trabalhadores“, e lançar uma política de imigração que “favoreça a atração e integração de ativos com qualificações e capacidade para serem inseridos nos setores mais necessitados de recursos humanos”. Além disso, a confederação liderada por António Saraiva apela à estabilidade do “quadro regulador das relações laborais”.
Na mesma linha, a CCP enfatiza que, da parte do Governo, deveria haver uma política de requalificação dos trabalhadores e desempregados, bem como uma política de reforço de acordos bilaterais para recrutamento de trabalhadores oriundos de países terceiros (a par da aceleração dos processos de atribuição de vistos). Além destas medidas, a confederação liderada por João Vieira Lopes insiste na reavaliação do regime do subsídio de desemprego e na adoção de uma “política fiscal amiga das empresas e do emprego”.
É necessário continuar uma política de requalificação dos trabalhadores, mas também dos desempregados.
Já o têxtil, atira: “O Governo poderá ajudar em tudo o que for medidas de apoio que promovam a imagem da indústria, a atratividade do setor, a qualificação e valorização dos recursos humanos, a oferta de formação adequada às necessidades das empresas, o aumento da produtividade, a atração e retenção de talentos, sem descurar outras medidas que são igualmente essenciais para a resolução deste problema”. Mário Jorge Machado salienta também que o Governo deve continuar a investir em inovação, na capitalização das empresas, na internacionalização e no aumento da diferenciação das empresas.
Por sua vez, André Ribeiro Pires, COO da Multipessoal, considera mesmo “essencial” o papel do Governo na resolução da escassez de recursos. “Urge a necessidade de desenvolver medidas e incentivos para a promoção do emprego na população desempregada“, começa por sublinhar. E acrescenta: “Igualmente cabe ao Governo a aceleração das medidas de atração e legalização de trabalhadores estrangeiros. Existe neste momento variada mão-de-obra a chegar a Portugal que por ineficiência dos processos de legalização e muitas vezes falta de informação, não podem ser integrados no mercado de trabalho, levando à alteração da imagem de um Portugal atrativo e acolhedor”.
A propósito, Rui Teixeira, da ManpowerGroup, salienta também a necessidade de haver um auxílio à atração e entrada de profissionais estrangeiros no país, através de mecanismos, como o Tech Visa. “Estas iniciativas com maior alcance geográfico e de funções mostram-se necessárias, até porque existe escassez de mão-de-obra em muitas funções além das verificadas na área tecnológica“, observa o responsável.
Mão-de-obra também escasseia lá fora
A escassez de recursos humanos adequados às vagas de emprego que têm sido criadas não é um exclusivo de Portugal. Nos Estados Unidos, por exemplo, a gigante da correspondência FedEx anunciou ainda este mês que a falta de trabalhadores “custou-lhe” 470 milhões de dólares, no último trimestre.
Em outubro, a CNBC escrevia mesmo que havia milhões de empregos nos Estados Unidos por ocupar. Os economistas explicavam a situação com as mudanças demográficas (em particular, com o envelhecimento), mas também com o controlo de fronteiras (que impede a imigração) e com as reivindicações por melhores salários e condições por parte dos trabalhadores, nomeadamente em termos de flexibilidade.
No Reino Unido, o cenário repete-se. Em novembro, o Financial Times avançava que a falta de mão-de-obra já estava a provocar uma escalada dos salários. Isto de modo a reter e a atrair talento, tal como tem acontecido em Portugal, de acordo com os responsáveis ouvidos pelo ECO.
E também na Alemanha, escasseia o pessoal. “A Alemanha está a ficar sem trabalhadores qualificados“, avisava Detlef Scheele, da Agência Federal do Emprego, numa entrevista em agosto ao Süddeutsche Zeitung. A solução, indicava o responsável, passará pela atração de milhares de imigrantes, nos próximos anos. “Precisamos de 400 mil imigrantes por ano“, afirmou Detlef Scheele.
Por toda a Europa, o número de vagas por preencher está agora em máximos. Os dados mais recentes do Eurostat davam conta que, entre julho e setembro, mais de 2,5% dos empregos da Zona Euro estavam desocupados, sendo este o número mais elevado da série estatística iniciada em 2011.
Entre os Estados-membros da União Europeia, a República Checa destaca-se como o país com mais postos de trabalho à disposição, partilhando o pódio com a Bélgica e com a Holanda. Em comparação, Portugal aparece a seis lugares da base da tabela, registando, ainda assim, uma tendência crescente desde o início de 2021 das vagas disponíveis.
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