Profissionais de saúde reclamam medidas sobre retenção de talento no SNS nos programas eleitorais

66% dos agentes do setor consideram essencial que os programas eleitorais indiquem as medidas a tomar em matéria de retenção dos profissionais do SNS. E 75% considera prioritário rever compensação.

Após quase dois anos de pandemia, a retenção e desenvolvimento dos profissionais do Serviço Nacional de Saúde (SNS) é a principal preocupação dos especialistas do setor para a próxima legislatura. Mais de dois terços consideram essencial que os programas eleitorais indiquem as medidas a tomar no sentido de reter e desenvolver os profissionais do SNS. E 75% considera prioritária a inclusão de medidas sobre revisão dos modelos de compensação e benefícios, indica o inquérito “Que prioridades para a Saúde em Portugal?”, realizado pela EY e pela Associação Portuguesa de Administradores Hospitalares (APAH).

“Mesmo quando não se vive em pandemia, é importante que os cidadãos conheçam a estratégia e as principais medidas que os candidatos a governantes se propõem implementar. Com este inquérito quisemos contribuir para que quem melhor conhece o setor identifique quais os temas prioritários em saúde, aqueles que não deveriam ficar fora dos programas eleitorais”, justifica Paulo Luís Silva, partner da EY, citado no estudo.

A pesquisa demonstrou que os recursos humanos são, de facto, um tema fundamental, com 66% dos inquiridos a considerarem “essencial” que os programas eleitorais dos partidos que vão a votos nas legislativas de 30 de janeiro indiquem as medidas a tomar para reter e desenvolver os profissionais do Serviço Nacional de Saúde.

A retenção dos profissionais é especialmente importante tendo em conta a “carência crónica de enfermeiros em Portugal”, como classificou a Ordem dos Enfermeiros (OE), que divulgou recentemente que, desde o início da pandemia, em março de 2020, e especialmente no segundo semestre do ano passado, 2.413 enfermeiros já pediram para sair de Portugal.

À intenção de emigrar juntam-se as necessidades extraordinárias das instituições de saúde. Em 2021, os profissionais do SNS realizaram o maior número de horas extraordinárias de sempre: 21,9 milhões de horas. Em causa está um salto de 26% face ao total de horas extras feitas em 2020, ano que, por efeito da pandemia, já se tinha batido um recorde nesse âmbito.

O secretário-geral do Sindicato Independente dos Médicos, Jorge Roque Cunha, estima que “os médicos deverão ter feito cerca de 7,5 milhões de horas extra”, defendendo que tal mostra que “é evidente que o SNS precisa de contratar mais médicos, ter melhores condições de trabalho, mais investimento”. Caso contrário, “o número de rescisões vai continuar a aumentar e vão existir reformas e, se nada for feito, vai manter-se a incapacidade de captar novos especialistas”, avisa.

Com estas preocupações bem presentes, a segunda prioridade, identificada por 55% dos especialistas do setor, é que sejam conhecidas as propostas de cada partido no que diz respeito ao papel que o SNS deve ter, incluindo a identificação das prioridades que cada um defende em matéria de desenvolvimento e de investimento.

Já para sensivelmente metade dos respondentes (48%), é importante que os eleitores tenham acesso à visão dos partidos sobre o modelo de governação que pretendem para o SNS.

“Tendo a pandemia deixado evidente que as decisões de política pública em matéria de saúde têm um impacto direto e relevante na vida de todos, para a APAH torna-se especialmente importante ouvir quem tem conhecimento direto do setor sobre quais as matérias que considera essencial serem detalhadas nos programas eleitorais”, defende Alexandre Lourenço, presidente da APAH.

Rever modelos de compensação e benefícios

Em matéria de retenção e valorização dos recursos humanos, 75% dos inquiridos consideram “prioritária” a inclusão de medidas concretas sobre revisão dos modelos de compensação e benefícios, enquanto 72% sinaliza a importância de medidas claras quanto ao papel que devem ter médicos e enfermeiros, bem como sobre se os partidos pretendem legislar em matéria de carreiras e de formação e retenção de profissionais.

Identificada por 68% da amostra, a terceira prioridade prende-se com a necessidade de se preverem mecanismos que permitam maior autonomia na contratação de pessoal, possibilitando assim melhor capacidade de resposta às necessidades dos utentes.

“É de assinalar que estas medidas de natureza mais estratégica, cujo alcance tem a ver com uma melhoria estrutural do SNS, se sobrepõe claramente a opções mais focadas no curto prazo, relacionadas com a compensação do risco acrescido e do esforço extra resultantes da pandemia”, alerta a EY.

Em linha com a preocupação verificada com os recursos humanos, o “investimento em pessoal médico” (4,05) e “pessoal de enfermagem” (4,04) obtiveram as pontuações mais elevadas na escala de prioridades (entre 0 — nada importante — e 5 — extremamente importante). Ficaram acima de fatores como “investimento no alargamento/remodelação da rede de cuidados de saúde” (3,91) e “investimento em equipamentos/meios complementares de diagnóstico” (3,55).

Financiamento para melhorar experiência dos utentes

No que toca ao financiamento do SNS, com apenas 1% da amostra a defender que esta matéria deva ser discutida apenas em sede de preparação do próximo Orçamento do Estado, o estudo da EY e da APAH — que auscultou administradores hospitalares, profissionais de saúde e associações de utentes entre 14 de dezembro de 2021 e 3 de janeiro de 2022 — conclui que há dois temas centrais sobre os quais os especialistas querem conhecer as propostas dos diferentes partidos.

É de assinalar que estas medidas de natureza mais estratégica, cujo alcance tem a ver com uma melhoria estrutural do SNS, se sobrepõe claramente a opções mais focadas no curto prazo, relacionadas com a compensação do risco acrescido e do esforço extra resultantes da pandemia.

EY

Em primeiro lugar, de que forma é que esse financiamento irá promover uma melhoria na articulação entre cuidados primários e secundários. Em segundo lugar, de que forma é que se pretende promover uma relação direta entre financiamento e os resultados sentidos pelos utentes.

“Resulta das respostas um apelo claro a que as medidas de política se centrem na experiência do utente, associando o financiamento à obtenção de resultados de saúde (Value-Based Healthcare) e promovendo acesso mais fácil e mais célere a cuidados de saúde através de uma melhor articulação com a rede de prestadores sociais e privados”, refere a EY.

Segundo o princípio Value-Based Healthcare, explica a consultora, a alocação do financiamento deve atender menos ao volume produzido (como, por exemplo, ao número de consultas ou de cirurgias) e mais aos resultados sentidos pelos utentes (ou seja, por exemplo, os benefícios reportados pelos utentes), permitindo aos serviços de saúde evoluírem com foco no utente.

No mesmo sentido, a melhoria da jornada do utente é vista como essencial por 79% dos agentes da saúde, enquanto 67% destacam como prioritária a redução de tempos de espera para consultas, cirurgias e exames, nomeadamente através de uma melhor articulação entre o SNS e a rede privada de cuidados de saúde.

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