“Trabalho remoto vai acontecer nas tech. Temos de garantir que Portugal não perde este comboio”, diz cofundador da CTO Portugal

As alterações às regras do teletrabalho estão a deixar Pedro Gustavo Torres preocupado, sobretudo tendo em conta que quase 70% dos líderes tech pretendem trabalhar remotamente.

Cerca de 70% dos líderes portugueses em tecnologia tencionam trabalhar remotamente em 2022, e capacidade de as empresas e do país abraçarem o modelo full remote poderá ser determinante para atrair e reter pessoas num setor que enfrenta um grave problema de escassez de talento, revela um survey da CTO Portugal a que a Pessoas teve acesso. Algumas regras impostas pela nova lei do teletrabalho podem ser um entrave. “São bem intencionadas, mas receio que sejam um não incentivo para as empresas abraçarem estas novas formas de trabalhar. (…) Acabamos por pôr barreiras às empresas para abraçarem o full remote“, alerta Pedro Gustavo Torres, cofundador da CTO Portugal.

O Governo português “tem de fazer parte da solução, e não do problema”, defende o responsável da CTO Portugal, uma comunidade que reúne 500 líderes tecnológicos no país, mostrando-se preocupado com algumas das alterações às regras do teletrabalho aprovadas em novembro — nomeadamente a obrigatoriedade de as empresas pagarem aos colaboradores as despesas adicionais com teletrabalho e o impedimento de os contactarem fora do horário laboral. Poderão funcionar como um entrave para essa enorme fatia de profissionais que admite o desejo de trabalhar remotamente, defende.

“Agrada-me imenso perceber como é que em Portugal estamos a abraçar o full remote, apesar de algumas questões mais políticas que me deixam um bocadinho preocupado”, admite o cofundador da CTO Portugal, juntamente com Pedro Oliveira, CEO e cofundador da Talent Protocol.

Pedro Gustavo Torres, cofundador da CTO Portugal.

Destacando a obrigatoriedade de pagar aos colaboradores em teletrabalho as despesas adicionais como uma dessas questões que têm gerado alguma preocupação entre os empregadores, nomeadamente nos Estados Unidos, Pedro Gustavo Torres interroga-se: “Como é que se vai fazer isso na prática? Como é que se vai perceber o que corresponde na fatura da eletricidade às oito horas que o colaborador está a trabalhar a partir de casa?”.

A outra medida que diz ter levantado dúvidas foi a que impede os empregadores de contactar os seus trabalhadores durante o período de descanso. “Nós, especialmente em tech, temos de ter pessoas de prevenção. No caso de haver um problema são chamadas para atuar. Nos Estados Unidos estava tudo muito preocupado em perceber como é que isto iria funcionar para os trabalhadores portugueses”, comenta o cofundador da CTO Portugal e também director of engineering da Salsify, empresa sediada em Boston.

Em termos políticos, ou vamos abraçando isto de forma muito positiva e vamos sendo flexíveis e facilitadores da mudança ou, se vamos criando estes obstáculos, acabamos por pôr barreiras às empresas para abraçarem o full remote.

Pedro Gustavo Torres

Cofundador da CTO Portugal

“Parece-me que são medidas bem intencionadas, mas receio que sejam um não incentivo para as empresas abraçarem estas novas formas de trabalhar. Em termos políticos, ou vamos abraçando isto de forma muito positiva e vamos sendo flexíveis e facilitadores da mudança ou, se vamos criando estes obstáculos, acabamos por pôr barreiras às empresas para abraçarem o full remote“, defende.

Apenas 1% dos líderes tech querem trabalhar exclusivamente no escritório

Olhando para 2022 e o futuro do trabalho, não há dúvidas que os líderes de tecnologia preferem os modelos remotos (68,4%). Mas há diferenças: 44,6% desejam um modelo full remote e 23,8% um modelo geo concentrated.

“O full remote é trabalhar a partir da Madeira em janeiro, em fevereiro vou visitar Açores, em março talvez passe para Lisboa e depois em abril já vou estar em Madrid. Ou seja, não quero ter um escritório, é totalmente remote“, explica o cofundador do CTO Portugal.

Já o geo concentrated, embora também seja um modelo remoto, obriga a estar relativamente próximo do local de trabalho. “Assumimos que há um escritório e que todos temos de conseguir chegar lá no espaço, digamos, de uma hora. Posso estar longe, mas não tão longe, porque tenho de conseguir chegar com alguma facilidade ao escritório para eventos in person.”

Segue-se ainda uma outra hipótese: o modelo híbrido. Este foi o segundo eleito pelos líderes (27,7%), mas com uma particularidade, a maioria dos dias seriam de teletrabalho e os restantes presenciais no escritório.

Com preferências contrárias estão apenas 3% dos profissionais, que, embora também mostrem o desejo de um modelo híbrido, preferem ir na maior parte dos dias ao escritório. No extremo, apenas 1% quer trabalhar sempre a partir do escritório, revelam os dados do survey anual da CTO Portugal, a comunidade tecnológica que junta líderes em tecnologia (sobretudo CTO, mas também head of, diretores, managers e responsáveis de equipa) para partilharem as suas dores de crescimento e aprendizagens, bem como para debaterem abertamente temos do setor.

“Isto [o trabalho remoto] vai acontecer, temos é de garantir que acontece também em Portugal e que não perdemos este comboio.” Pois perder a carruagem poderá passar uma fatura muito alta e agravar ainda mais o problema da escassez de talento no setor tecnológico, defende. “Às tantas perdemos estes profissionais belíssimos que vão viver para Espanha.”

85% dos líderes antecipam dificuldades na contratação

O inquérito realizado pela CTO dá ainda algumas pistas sobre as perspetivas de contratação dos líderes tecnológicos em 2022. A grande maioria mostra-se “pessimista”. Mais de metade (51,1%) dos inquiridos diz que vai ser “difícil” recrutar este ano e 34% antecipa que será mesmo uma tarefa “extremamente difícil”.

Na ponta oposta, não há um único líder que considere a atração de talento tech tarefa “extremamente fácil”, e apenas 2,1% diz que será “fácil”.

As empresas nacionais antigamente competiam em termos de cidades, daí passámos para competir em termos nacionais e agora é à escala global.

Pedro Gustavo Torres

Cofundador da CTO Portugal

“As universidades têm feito um excelente trabalho, mas claramente não chega. Temos a questão do Web Summit, de quando uma empresa internacional chega a Portugal oferecer, tipicamente, salários acima da média, e agora também esta nova maneira de estar do full remote. As empresas nacionais antigamente competiam em termos de cidades, daí passámos para competir em termos nacionais e agora é à escala global.”

A capacidade de atrair talento estrangeiro será, para Pedro Gustavo Torres, fundamental. “Apesar de termos excelentes universidades a formar excelentes profissionais, a procura claramente excede a oferta, o que quer dizer que temos de ter a capacidade de atrair talento de países com alta afinidade com Portugal, como é o caso do Brasil, mas também de atrair talento europeu, tal como fizeram, com alto grau de sucesso, Dublin, Berlim e Barcelona”, considera.

Para isso, o director of engineering da Salsify considera decisiva a simplificação da entrada desses profissionais, começando desde logo pela burocracia em torno das Finanças e Segurança Social. “Não pode ser complicado um talento altamente especializado e tão escasso ter dificuldade de se estabelecer em Portugal”, finaliza.

O inquérito anual “Community Survey” da CTO Portugal foi feito em dezembro, junto à comunidade de 500 líderes de tecnologia em Portugal, e obteve um total de 101 respostas.

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