Estagflação é “certa no imediato”, mas controlo de preços não é a resposta, diz Teodora Cardoso
A ex-presidente do Conselho das Finanças Públicas considera que é inevitável que a economia mundial entre em estagflação. Sobre Portugal, alerta para os desafios e desaconselha o controlo de preços.
Teodora Cardoso acredita que “não é apenas provável, mas certo no imediato” que a economia mundial vá viver um período de estagflação. Num duro artigo de opinião publicado esta segunda-feira no ECO sobre as políticas económicas adotadas em Portugal, em específico nos Governos de António Costa, a ex-presidente do Conselho das Finanças desaconselha o controlo de preços, pede medidas que protejam os mais vulneráveis e critica a retórica de “contas certas”.
“Um período de estagflação da economia mundial, ou seja, de fraco crescimento económico em simultâneo com subida da inflação já não é apenas provável, mas certo no imediato“, afirma a economista, argumentando que “a escassez e o correspondente aumento do custo da energia, dos cereais e de matérias-primas essenciais tornam-no inevitável”. A culpa é da guerra e da pandemia, mas também das políticas “macroeconómicas expansionistas”, acrescenta, sugerindo que entende que a política orçamental e monetária foram além do necessário nas economias avançadas.
A ex-quadro do Banco de Portugal defende que foi dada uma preocupação constante à procura e “insuficiente atenção aos problemas da oferta”, nomeadamente tendo em conta o “impacto das novas tecnologias, ambiente, energia e mesmo da geopolítica”. Agora, para resolver a atual crise, exigem-se “enormes investimentos, tanto na área da defesa, como para responder aos problemas ambientais e para tirar partido da evolução tecnológica, cuidando simultaneamente de atenuar os seus impactos no domínio social, agora agravados pela escassez e carestia de bens essenciais”.
“O ponto de partida dessa mudança consiste em reconhecer que não estamos perante uma crise da procura, mas sim da oferta, e que é desta que depende a capacidade de manter as políticas sociais que todos desejam”, considera Teodora Cardoso, pedindo aos agentes políticos que consigam usar o financiamento europeu — leia-se Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) e Quadro Financeiro Plurianual 2021-2027 — de forma “eficiente”, além de “evitar casos de corrupção”.
Ao mesmo tempo, a economista pede ao Governo que proteja “os mais vulneráveis dos efeitos da inflação, que incide sobre bens essenciais como a alimentação ou a energia”, até porque esta é “uma obrigação do Estado”. Já o controlo de preços é “uma medida a excluir”, aconselha, explicando que “fixar preços para controlar a inflação começa por ter o resultado perverso de não incentivar, nem do lado da procura, nem da oferta, a poupança e o uso mais eficiente de recursos escassos, exatamente o objetivo que é necessário promover”.
Um eventual controlo de preços — o Governo pondera fazê-lo nas margens dos combustíveis e no mercado ibérico da eletricidade em conjunto com Espanha — irá “prolongar a crise, em vez de resolvê-la”, alerta, recordando um episódio do passado em que se gerou dívida por causa da diferença entre o custo de produção e o preço de venda. “A solução que Portugal adotou em 2006 para o preço da eletricidade, com a designação ambígua de ‘défice tarifário’, correspondeu a atribuir essa dívida aos consumidores, daí derivando várias consequências perversas”, relembra.
Fora também das recomendações de Teodora Cardoso está a hipótese de as regras europeias continuaram a estar suspensas em 2023. “O apelo ao prolongamento da suspensão das regras orçamentais e à mutualização da dívida, no contexto de um vazio programático em todas essas áreas, apenas prenuncia o aprofundamento da estagnação, agora acompanhada de inflação, um termo que não merece qualquer referência no Programa do XXIII Governo Constitucional“, termina, não sem antes recordar que as receitas do Estado vão beneficiar “significativamente” da inflação.
Teodora Cardoso arrasa retórica das “contas certas”
É sem meias palavras que a ex-presidente do Conselho das Finanças Públicas critica os Governos PS de António Costa, a começar por um dos trunfos eleitorais dos socialistas: as “contas certas”. A economista escreve que a falta de políticas para estimular a oferta cativou a capacidade de manter políticas sociais que, “em áreas como a saúde e a educação, evidenciam já os efeitos perversos de ignorar essa premissa, em função de uma opção de ‘contas certas’ que só não deve designar-se de contabilística porque tal seria ofensivo para o papel da contabilidade“.
“Baseada num aumento de receitas cada vez menos preocupado com a sua transparência e impacto económico, e em cortes discricionários de despesa, geridos em função do (não) impacto mediático e da miopia dos mercados financeiros, as ‘contas certas’ cumpriram o objetivo de assegurar o acesso a fundos europeus”, começa por dizer, referindo-se ao cumprimento das regras europeias, o que deu boa fama a Portugal em termos internacionais. Porém, o modo como os fundos foram usados “tornou insignificante o seu contributo para a prosperidade da economia e para a sustentabilidade do Estado social”. A prova, acrescenta, é a ultrapassagem económica de países que também recebem apoios comunitários.
“Esta evolução não pode explicar-se pelas habituais desculpas das crises internacionais ou das regras orçamentais europeias“, diz, argumentando que a explicação é o “facto de, à perda da taxa de câmbio como instrumento de regulação da competitividade, não terem correspondido, com a necessária pertinência e persistência, as medidas de política económica necessárias para a promover num ambiente internacional tornado muito mais exigente pela abertura ao comércio das economias da Ásia e do Leste Europeu”.
Após as críticas, Teodora Cardoso aponta o caminho do que considera serem as soluções: “Em Portugal, do que se trata é de desenhar e pôr em prática um conjunto coerente de reformas, devidamente programadas e sujeitas a prestação de contas (não só contabilística), que tenha em vista a competitividade e o crescimento da economia no novo enquadramento internacional, tecnológico e demográfico que o país enfrenta e a que não pode escapar“. O processo orçamental, a política fiscal e o papel atribuído à administração pública, mas também à justiça, à regulamentação do trabalho (incluindo o dos emigrantes e refugiados), à educação e à saúde são as áreas que devem ser reformadas.
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