Empresas entre o aumento de custos e a necessidade de segurar quota de mercado
Com margens de lucro sob pressão, as empresas deverão passar para os clientes o aumento de custos que têm enfrentado. Setores exportadores estão a sacrificar margens para proteger mercado.
Custos mais altos, maior instabilidade e economia a desacelerar. É esta a conjuntura que deverá forçar as empresas a aumentar preços nos próximos meses, para protegerem as suas margens de lucro. Apesar da conjuntura mais difícil que o tecido empresarial enfrenta, nem todos os setores conseguem passar para os clientes o aumento de custos. Setores que dependem de mercados externos estão a ser forçados a sacrificar as suas margens para manter volumes de negócios.
Todos os setores de atividade em Portugal estão a preparar-se para subir novamente os preços de venda ao consumidor nos próximos meses, revela o inquérito de conjuntura de julho, baseado nas respostas de cinco mil empresas, publicado pelo Instituto Nacional de Estatística (INE). Segundo estes indicadores, o saldo das expectativas dos empresários sobre a evolução futura dos preços de venda nos próximos três meses “aumentou significativamente na indústria transformadora, na construção e obras públicas e no comércio e, de forma moderada, nos serviços”.
“Perante a instabilidade global, que deve permanecer nos próximos meses (correndo mesmo o risco de se agravar), é muito provável que venha a ocorrer uma transmissão dos expectáveis aumentos de preços no produtor para o consumidor final”, antecipa o presidente do conselho de administração da AEP. “De outro modo, poderá estar em causa a própria sobrevivência de algumas empresas, aquelas com menor capacidade para absorver uma significativa subida de custos sem perda da sua competitividade”, justifica Luís Miguel Ribeiro.
Perante a instabilidade global, que deve permanecer nos próximos meses (correndo mesmo o risco de se agravar), é muito provável que venha a ocorrer uma transmissão dos expectáveis aumentos de preços no produtor para o consumidor final. De outro modo, poderá estar em causa a própria sobrevivência de algumas empresas, aquelas com menor capacidade para absorver uma significativa subida de custos sem perda da sua competitividade.
A intenção de voltar a agravar preços surge num momento marcado por crescentes riscos geopolíticos e as margens de lucro das empresas não financeiras na Zona Euro atingiram, no 1º trimestre de 2024, valores mínimos dos últimos 15 trimestres, segundo dados do Eurostat. É preciso recuar até ao segundo trimestre de 2020 para encontrar uma margem de lucro mais baixa, realça a Associação Empresarial de Portugal (AEP).
Segundo a associação, “em Portugal, a trajetória descendente ao longo dos últimos trimestres é semelhante, sendo que a agravar a situação está o facto das margens das empresas não financeiras portuguesas serem significativamente mais baixas face às homólogas dos países da Área Euro“, realça Luís Miguel Ribeiro, presidente do conselho de administração da AEP.
“Os custos suportados pelas empresas têm aumentando constantemente, devido aos elevados custos de financiamento, aumentos dos salários bem acima da média dos últimos anos e subida do preço das commodities, destacando-se o preço dos fretes marítimos, que aumentou assinalavelmente em função das tensões geopolíticas no Médio Oriente”, explica o presidente do conselho de administração da AEP.
A crise no Mar Vermelho, que obrigou as empresas de transportes a desviar os navios de mercadorias para o Cabo da Boa Esperança, e triplicou os custos dos fretes e atrasou as entregas em até 15 dias, causou grandes perturbações nos transportes de bens e mercadorias entre a Europa e a Ásia.
Depois da guerra na Ucrânia, a guerra no Médio Oriente – e a escalada das tensões na região entre Israel e o Irão – tem agravado o sentimento nos mercados e conduzido a novas subidas de preços. “Nos últimos dias, a escalada do conflito no Médio Oriente poderá agravar o aumento dos custos de transportes e logística, por via das alterações das rotas e encarecer as matérias-primas e produtos, tal como aconteceu antes”, refere Luís Miguel Ribeiro.
A crise no Mar Vermelho, que obrigou as empresas de transportes a desviar os navios de mercadorias para o Cabo da Boa Esperança, e triplicou os custos dos fretes e atrasou as entregas em até 15 dias, causou grandes perturbações nos transportes de bens e mercadorias entre a Europa e a Ásia e forçou vários setores a procurar alternativas, não só de transporte, mas também de fornecimento.
Além dos problemas nos transportes, as empresas estão a ser confrontadas com um abrandamento do ambiente económico. “A atividade económica em Portugal tem vindo a desacelerar, fruto de uma conjuntura desfavorável, sendo que em determinados setores de atividade está mesmo em queda”, nota Luís Miguel Ribeiro”, dando como exemplo a indústria transformadora, “visto que assinala uma diminuição do Valor Acrescentado Bruto há seis trimestres consecutivos, que não teve paralelo noutro ramo de atividade, e deve ser encarado com séria preocupação, até pela relevância da indústria transformadora na economia portuguesa via emprego, exportações, investimento, entre outros fatores, de que é exemplo o elevado potencial na área de um modelo económico mais sustentável.”
“Por tudo isto, é natural que em determinados setores de atividade algumas empresas não tenham margem suficiente para absorver os diversos aumentos dos custos descritos anteriormente, pelo que será necessário repercutir esses custos nos preços ao consumidor final”, acrescenta o mesmo responsável.
O presidente da AEP nota que, “caso as empresas optem por absorver a totalidade dos aumentos dos custos, isso agravará a tendência de queda das margens, o que poderá gerar repercussões no mercado de trabalho, um dos pilares da melhoria da prestação da economia portuguesa nos últimos anos.”
As previsões de crescimento para a economia portuguesa apontam para uma subida do produto interno bruto entre 1,5% e cerca de 2%. A estimativa inscrita no Orçamento do Estado para 2024, e no Programa de Estabilidade, aponta para um crescimento de 1,5%, ficando no entanto abaixo das projeções do Banco de Portugal de 2%. Já a Comissão Europeia vê Portugal a crescer 1,7% este ano, enquanto o FMI projeta um crescimento próximo de 2%.
Estas taxas de crescimento ficam aquém da registada no ano passado. Portugal foi das economias que mais cresceu em 2023 entre 27 países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE), ficando em quinto lugar com uma variação do PIB de 2,3%.
Enquanto a economia dá sinais de enfraquecimento, os preços continuam a descer, mas mantêm-se em níveis próximos de 3% – a taxa de inflação homóloga em junho foi de 2,8% – com os produtos energéticos a continuarem a aumentar.
O setor agrícola – europeu e, particularmente, o português – soube sempre adaptar-se e encontrar caminhos para garantir que nenhum alimento faltasse à mesa dos Estados-membros e que a produção fosse escoada.
“Estando o setor agrícola, como qualquer outro, exposto à conjuntura inflacionista, muitas das vezes o efeito só é sentido bastantes meses após o agravamento da inflação. Por outro lado, e como foi possível confirmar durante os anos de pandemia e o primeiro ano da invasão da Ucrânia pela Rússia, o setor agrícola – europeu e, particularmente, o português – soube sempre adaptar-se e encontrar caminhos para garantir que nenhum alimento faltasse à mesa dos Estados-membros e que a produção fosse escoada. Não será diferente desta vez”, explica Luís Mira, Secretário Geral da CAP (Confederação dos Agricultores de Portugal).
Para o representante dos agricultores, “o importante é que se garanta que os apoios aos agricultores portugueses são pagos a tempo e a horas e que a Política Agrícola Comum é ajustada às necessidades e circunstâncias do setor agrícola nacional.
Quanto às oscilações nos custos de produção, Luís Mira refere que “não só levam mais tempo a repercutir-se nos preços de venda do produtor, como também são influenciados por outros fenómenos mais ou menos imprevisíveis e que impactam a produtividade de determinadas colheitas: é exemplo disso o aumento elevado dos preços do azeite, após a campanha passada, muito impactado pela elevada procura espanhola que se fez sentir na sequência da grande quebra de produção no país vizinho”. “Há ainda que ter em conta que, em muitos casos, estamos a falar de commodities, cujos preços não dependem do produto”, conclui.
Apesar das especificidades que influenciam os preços dos produtos agrícolas, certo é que alterações na base da cadeia de abastecimento irão refletir-se nos preços a que chegam os produtos às prateleiras do supermercado.
Questionada pelo ECO, a Associação Portuguesa de Empresas de Distribuição preferiu não fazer comentários sobre possíveis subidas de preços no setor da distribuição, argumentando que as suas respostas “poderiam confundir-se com uma intromissão na política comercial dos seus associados, sobre a qual a APED não pode, nem deve, pronunciar-se ou sugerir qualquer tipo ou forma de orientação. Fazê-lo seria extravasar os limites da sua atuação e dos seus próprios fins enquanto associação representativa de mais de 200 empresas de distribuição.”
Mais custos, preços mais baixos
Apesar do aumento de custos para as empresas ser uma realidade, nem todos os setores veem na subida de preços uma solução. Para setores com maior exposição aos mercados externos, agravar preços para os clientes significa perder competitividade e, provavelmente, volume de negócios.
“As empresas [da indústria de mobiliário] gostariam muito (de aumentar preços), mas não têm grande margem. Não é fácil fazer aumentos de preços. No mercado francês há alguma restrição e no mercado alemão”, explica Gualter Morgado, diretor-executivo da APIMA (Associação Portuguesa de Indústrias de Mobiliário e Afins).
De acordo com o responsável, o setor tem “vivido com dificuldades no mercado. Há um esforço na diversificação grande na promoção da internacionalização. Criar alternativas aos mercados em dificuldades.”
Com o grosso das suas receitas no exterior, o setor do têxtil e vestuário é outro que não tem margem para subir preços. “A competição internacional está extremamente agressiva”, explica Mário Jorge Machado, presidente da ATP – Associação Têxtil e Vestuário de Portugal, acrescentando que “os preços médios até estão a baixar para competir” com outros players nos mercados.
Segundo Mário Jorge Machado, “a agressividade de preços no mercado internacional é enorme“. Ainda assim, reconhece que as empresas têm enfrentado alguns aumentos de custos, nomeadamente associados a aumentos salariais e energia.
“As empresas estão a sacrificar margens para manter volumes de negócios”, refere o presidente da ATP, notando o momento difícil que o setor atravessar e alertando que poderá haver empresas têxteis e do vestuário “que poderão não aguentar” este “esforço extra para manter quota de mercado”, caso a recuperação económica tarde em chegar.
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