O principal concorrente da empresa alemã é o transporte individual, por estrada ou pelo ar, sinaliza o presidente executivo e um dos fundadores do grupo que detém a FlixBus, André Schwämmlein.
A FlixBus chegou às estradas portuguesas em 2019 com viagens internacionais e só no ano seguinte, em plena pandemia, arrancaram as ligações domésticas. O principal concorrente da empresa alemã é o transporte individual, por estrada ou pelo ar. Por causa disso, a empresa que gere uma rede de autocarros em mais de 40 países também conta com um serviço de comboios (Flixtrain) na Alemanha e na Suécia.
André Schwämmlein é o presidente executivo e um dos fundadores da FlixBus, entretanto designado de grupo Flix para acomodar as operações ferroviárias. Em entrevista ao ECO, o gestor alemão explica como pretende que qualquer pessoa possa ter acesso ao transporte coletivo mesmo com baixo orçamento e fala ainda sobre as operações ferroviárias.
O grupo alemão tem também em marcha um plano para ter meios de transporte com cada vez menos emissões, embora ainda não haja uma data concreta para serviços frequentes de autocarros elétricos ou mesmo a hidrogénio.
Durante a apresentação de resultados, falou várias vezes na necessidade de “democratizar os transportes”, numa altura em que se procura a descarbonização do setor. Pode explicar-nos um pouco melhor qual é a sua visão?
A nossa ambição deve ser não limitar a mobilidade, para que mesmo as pessoas com menos posses possam viajar no futuro. Só porque se torna sustentável não significa que não possam mais viajar. Esta é a nossa visão de longo prazo.
Neste cenário, qual é o vosso principal concorrente? O carro particular, o comboio ou o avião?
A concorrência é boa, mesmo entre diferentes meios de transporte. Claro que nem todos os meios servem o mesmo propósito: se tivermos de viajar rápido por uma distância muito grande, é preferível voar; se houver um pouco mais de tempo, usa-se o autocarro; se houver uma boa rede doméstica, usa-se normalmente o comboio.
O importante é ter várias opções de transporte. Claro que se olharmos para o futuro, a nossa ambição é que o transporte coletivo seja tão atrativo que as pessoas poderão deixar o carro em casa. Ainda assim, é compreensível que o carro vai continuar a ser o meio de transporte.
A qualidade do nosso produto é muito mais do que um bom autocarro ou um bom lugar: é o preço, a frequência, tempo de viagem e as opções online
A democratização passa por o transporte coletivo ser atrativo para todos, mesmo para os mais ricos. O que estão a fazer para tentar conquistar esta camada da população?
Concordo totalmente com isso. Tenho amigos muito próximos que poderiam perfeitamente apanhar um avião mas que preferem andar de autocarro entre Munique e Zurique. Não afastamos ninguém do nosso produto.
Do meu ponto de vista, a qualidade do produto tem diferentes ângulos: em termos de autocarros, dentro da Europa é muito difícil termos veículos de gama superior. Não acredito que haja aí oportunidades porque, aí, não haveria opções acessíveis e perderíamos outras vantagens, como o tempo de viagem e a qualidade da rede. Em Portugal, por exemplo, aumentámos a nossa rede: apostamos nas ligações às grandes cidades e a pontos turísticos.
A qualidade do nosso produto é muito mais do que um bom autocarro ou um bom lugar: é o preço, a frequência, tempo de viagem e as opções online. Sabemos que há pessoas ricas que usam os nossos autocarros simplesmente porque temos a melhor oferta. Mesmo que só usem os autocarros uma vez por ano, para mim está ótimo.
De que forma pretendem captar as pessoas que andam habitualmente de carro?
Normalmente, há um preconceito e uma realidade quando se fala do custo da viagem. O preconceito é que andar de carro é barato porque ninguém pensa no custo do carro, do seguro e dos impostos. As pessoas só olham para o custo do combustível. Ora, esse custo terá de aumentar no futuro, de forma gradual, porque usar combustíveis fósseis é demasiado barato. Na realidade, andar de autocarro é sempre mais barato do que de carro.
Outra vantagem normalmente atribuída ao carro é a sua completa flexibilidade. Ora, com o autocarro conseguimos cobrir imensas cidades e, assim, as pessoas já poderão deixar o carro em casa. Se tivermos uma frequência tão boa quanto possível, a nossa flexibilidade será percecionada.
Se houver uma oferta de comboio, sobretudo na longa distância, notamos que há menos passageiros nos autocarros.
De que forma uma pessoa pode conjugar vários meios de transporte desde a porta de casa até ao último destino?
Sou fã de as pessoas compararem diferentes meios de transporte e as aplicações móveis permitem muito isso. Mas não acredito muito na combinação entre o carro individual e os meios de transporte coletivos porque se a pessoa usa um meio individual não o vai largar facilmente. Por isso é necessária uma boa oferta de transporte público para as pessoas chegarem facilmente aos nossos terminais de autocarro e estações de comboio.
São muito conhecidos pela vossa rede de autocarros mas também têm serviço de comboios na Alemanha e na Suécia. Que efeitos têm o comboio sobre o autocarro nestes países?
Temos uma base de clientes que usa os dois meios de transporte. Quem estiver em Berlim, por exemplo, pode usar o comboio para chegar a mais de 50 destinos ou o autocarro para chegar a centenas. Claro que as redes ajudam-se mutuamente.
Se houver uma oferta de comboio, sobretudo na longa distância, notamos que há menos passageiros nos autocarros. Isso acontece na Suécia, entre Estocolmo e Gotemburgo (quatro horas), e na Alemanha, entre Berlim-Estugarda (seis horas). Por isso, o benefício de combinar o comboio e o autocarro é muito maior do que qualquer perceção de canibalização entre os meios de transporte. Gostamos dos dois meios e há benefícios mútuos.
Há duas semanas, receberam apoio político da Comissão Europeia para lançarem um comboio entre Munique e Zurique. Que tipo de material circulante podem usar nesta ligação?
Ainda não está decidido, pois o apoio da Comissão Europeia é muito recente. Temos vários anos para pôr estes comboios em marcha. Independentemente do material que usarmos, uma coisa é certa: queremos diferenciar-nos da oferta da transportadora do Estado. Vamos apresentar um serviço alternativo, para que mais pessoas possam usar o comboio.
Na Suécia e na Alemanha deixamos de fora algumas opções que existem nas companhias convencionais e das quais nem toda a gente precisa, como os lugares em primeira classe e o restaurante a bordo. Acima de tudo, queremos que o comboio seja acessível para todos e tão rápido quanto possível como o comboio do Estado. Esta é a nossa filosofia para serviços nacionais e internacionais.
A grande questão do futuro, para mim, está entre o transporte coletivo e o transporte individual. Mesmo que todos os meios sejam elétricos, haverá energia para todos?
Poderemos ver o vosso grupo a operar comboios de alta velocidade, a 250 km/h, por exemplo?
Pondo de parte a ligação Milão-Roma e a rede francesa, a velocidade máxima de 250 km/h ou de 300 km/h não faz muito sentido na rede ferroviária europeia. Na Alemanha, os comboios circulam a 200 km/h e têm tempos de viagem muito semelhantes aos comboios de ICE [os mais rápidos].
Nós consideramos a nossa oferta como sendo de alta qualidade em termos de tempo de viagem, tão próximo quanto possível da companhia do Estado. As pessoas compram um bilhete de comboio porque é uma viagem suficientemente rápida e confortável, não por causa da velocidade máxima.
De que forma estão a diminuir as emissões dos autocarros, que continuam a funcionar a gasóleo?
A FlixBus é uma das formas mais sustentáveis de se viajar, na medida do possível, porque grande parte da nossa energia ainda é produzida a partir do carvão, do gás ou outros combustíveis fósseis. Mesmo o comboio não é um meio neutro em carbono por causa da fonte da energia.
A nossa ambição, como grupo, é atingir a neutralidade carbónica. A Comissão Europeia já definiu claramente que é preciso largarmos os combustíveis fósseis. Apreciamos e apoiamos esse compromisso. Vamos ver o que resulta do diálogo entre a Comissão Europeia, o Parlamento Europeu e o Conselho Europeu. Claro que os autocarros vão ser neutros em carbono no futuro. A questão não é se isso vai acontecer mas sim quando e com que tecnologia.
Estamos a desenvolver projetos-piloto para viagens de longa distância em autocarros elétricos em vários países e também temos uma parceria com a Daimler. Também estamos a desenvolver projetos com autocarros a hidrogénio em parceria com fabricantes. Entretanto, temos projetos para autocarros a biogás e a biodiesel, com emissões significativamente reduzidas.
A grande questão do futuro, para mim, está entre o transporte coletivo e o transporte individual. Mesmo que todos os meios sejam elétricos, haverá energia para todos?
O que acha de a Comissão Europeia estar a impulsionar bastante a construção de novas linhas de comboio?
O investimento em infraestruturas é bom e deve ser esse o papel do Estado. Não sinto qualquer ameaça, sobretudo nas ligações transfronteiriças, onde há muito a fazer. Em Portugal, o autocarro continuará a ser uma boa opção para os próximos 10 a 20 anos. Acreditamos que a FlixTrain pode uma grande parte da solução para a mudança de transportes na Europa. Ter várias empresas a concorrer vai proporcionar uma melhor oferta junto dos consumidores.
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“A nossa ambição é que o transporte coletivo seja tão atrativo que as pessoas poderão deixar o carro em casa”
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