Rui Patrício, sócio da Morais Leitão, analisou o estado do sistema prisional português e garante que se prende demais. O advogado revelou ainda o que se pode esperar da 3ª edição do Prison Insights.
O sócio da Morais Leitão, Rui Patrício, analisou o estado do sistema prisional em Portugal. Para o advogado, prende-se demasiado no país e reconhece que gerir um sistema já com tantos problemas numa situação de crise como esta não é nada fácil.
Sobre a 3ª edição do Prison Insights, que se inicia no próximo dia 29 de abril, assegurou que será centrada numa solução inovadora que já foi implementada com “sucesso” noutros países: casas em vez de prisões.
O Prison Insights é organizado em parceria entre a APAC Portugal e o Instituto Miguel Galvão Teles (IMGT) da Morais Leitão. Reunindo oradores nacionais e internacionais, o evento pretende ser um momento de networking para a partilha de conhecimento, experiências e soluções inovadoras sobre temas relacionados com as prisões e com as pessoas que, em algum momento, contactaram com o sistema prisional, em Portugal e no mundo.
Quais são as expectativas para a 3.ª edição do Prison Insights?
As mesmas das edições anteriores, mas digamos que “revistas em alta” – como deve ser quando persistimos e insistimos. Conseguir a mais ampla participação, suscitar interesse, proporcionar discussão e reflexão e, sobretudo, manter na agenda e dar mais visibilidade a um tema essencial numa sociedade moderna e civilizada: o sistema penológico (digamos e ousemos assim, porque prisional não tem de ser para sempre “uma fatalidade”) e a ressocialização.
Reconheço que gerir um sistema já com tantos problemas numa situação de crise como esta não é nada fácil, para dizer o mínimo.
Existe alguma diferença em termos de target por ser uma edição 100% digital?
Não, o target (tal como os objetivos) é o mesmo. Simplesmente os meios são outros, o que tem limitações, mas também levanta desafios e oferece oportunidades, sendo que uma delas é a possibilidade de chegar mais longe e a mais destinatários – o que, nos tempos que correm e sobretudo para um tema como este, não é de somenos importância.
De que forma é que um escritório como a Morais Leitão tem ajudado esta preocupação que é a de reintegração social dos condenados?
De várias formas, desde logo apoiando e acolhendo esta iniciativa anual, com todas as implicações que isso tem. E também procurando, institucional ou individualmente, contribuir para a reflexão e para o estudo das questões relevantes e para associações e movimentos (com destaque, naturalmente, para a APAC) com atividade nestas áreas e nestas matérias. E, ainda, construindo uma cultura interna e uma atuação e uma interação que, em matérias como a diversidade, o recrutamento ou a responsabilidade social, quer contribuir para uma sociedade onde a condenação penal e, sendo o caso, a passagem pelo sistema prisional não sejam forçosamente ou apenas “cadastro”.
“Building Houses, Breaking Walls” é o tema central da edição deste ano. O que vai ser discutido, em concreto?
Esta edição será centrada numa solução inovadora, já implementada com sucesso noutros países: casas em vez de prisões. Com o contributo de vários oradores com conhecimento e/ou experiência na matéria, procuraremos refletir sobre esta “provocação”: substituir o conceito de prisão – enquanto espaço de larga escala, sobrelotado, isolado e institucionalizante – pelo de casas que, tendo uma dimensão tendencialmente pequena e estando integradas em comunidades locais, permitam um acompanhamento individualizado de cada pessoa e uma reinserção gradual na sociedade, envolvendo nesse processo a sociedade civil.
As casas de detenção seriam uma boa aposta para o sistema de reinserção? Se sim, porquê?
Essa é uma linha fundamental do (novo) paradigma que a APAC defende. E tem várias virtualidades e várias possibilidades de dar bons frutos, sobretudo porque em vez de segregar completamente o condenado da sociedade (mais a mais em espaços com problemas de dimensão, de lotação e outros), privilegia aspetos positivos da vida em comunidade e da ligação e aproximação à mesma. É uma reinserção pela experiência, sendo certo que “uma casa” se aproxima, nessa medida, daquela que é a “normal” vida em sociedade. As casas permitem uma maior autonomia de cada pessoa em tomadas de decisão diárias e em rotinas comunitárias, bem como um acompanhamento individualizado das necessidades e expectativas de cada um. As casas são também, por inerência, espaços inseridos numa comunidade local, viabilizando uma interação mais estreita e segura com a sociedade civil, por exemplo, através de negócios sociais e serviços prestados pelas pessoas reclusas à comunidade. E assim vai sendo criada uma rede de suporte para o regresso à liberdade, o que é um aspeto fundamental, porque a reinserção não se baseia apenas no que se passa durante a pena, mas também, e muito, no que se passa depois.
Quais são os principais problemas do sistema prisional português?
Resumindo num dito popular, é o problema dos ovos e da omelete. Ou, pegando noutro, o dos olhos e da barriga. Além disso, e com muita importância, um enorme desinteresse da sociedade em geral relativamente à questão prisional, que é uma espécie de tema invisível ou pelo menos muito marginal. E não é apenas invisibilidade, é também falta de empatia e de envolvimento por parte da sociedade. E ainda: carência de meios e de investimento. Sobrelotação. Burocracia. Falta de pontes entre o sistema e a comunidade em especial quando da saída do condenado do encarceramento.
As casas permitem uma maior autonomia de cada pessoa em tomadas de decisão diárias e em rotinas comunitárias, bem como um acompanhamento individualizado das necessidades e expectativas de cada um.
O Governo tem dedicado tempo e meios suficientes para as nossas prisões?
Não tenho dados nem elementos suficientes para dizer e não sou entusiasta de me meter por juízos superficiais e de palpite. Por outro lado, este não é um tema apenas de um Governo, é um tema muito mais diacrónico; e também não é apenas um tema de governo, é um tema de várias instâncias e, também, da sociedade em geral. Olhando pelo lado dos resultados, e apenas com base em experiências e conhecimento direto, por um lado, e, por outro, com base em impressões, atrever-me-ia a dizer que a sociedade e o Estado portugueses ainda têm bastante caminho a percorrer nesta área. Se quiserem, claro.
Como analisa a postura adotada pelo Governo para com o sistema prisional português durante a pandemia?
Baseio-me apenas no que fui lendo ou ouvindo, e em detalhes de conhecimento direto, para dizer: “menos mal”. Reconheço que gerir um sistema já com tantos problemas numa situação de crise como esta não é nada fácil, para dizer o mínimo. Há aspetos que me causaram perplexidade, mas em geral, e dadas as circunstâncias de partida e dado o enquadramento, a minha impressão (e disso só se trata) é “menos mal”.
Prende-se demasiado em Portugal?
Sim, embora não seja uma resposta baseada em análise científica, apenas em experiência profissional e de vida, e também é de ter em conta que a questão de prender mais ou menos depende de várias e de complexas questões que influenciam “o mais” ou “o menos”. Ainda assim, tenderia a dizer, que apesar da evolução positiva a que assisti nos mais de 25 anos que já levo de advogado, (i) ainda se carrega um pouco em demasia na prisão preventiva, (ii) o legislador e a jurisprudência ainda não deram total acolhimento às ideias de alternativa à prisão e à sua execução efetiva, (iii) o sistema e a sociedade ainda não vivem bem com finalidades das penas sem traço de retribuição e, last but not least, (iv) alguns ventos correm contra a ideia civilizadora de que a prisão não é um fim em si mesma, mas apenas um meio. Embora só possa ser realmente um meio se a ressocialização for para levar a sério. Se não for, e arrepiando caminho, voltando uns séculos atrás, então a resposta será que se prende sempre pouco, ou então, no extremo, que nem vale a pena prender, é passar logo a métodos mais radicais e menos custosos e exigentes…
Como se poderia evitar a sobrelotação das prisões em Portugal?
A resposta é fácil, “é fazer as contas”: prendendo menos ou construindo mais. A execução é que é difícil e treinarmos de bancada é sempre mais cómodo.
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“A sociedade e o Estado portugueses ainda têm bastante caminho a percorrer na área das prisões”, diz Rui Patrício
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