“Administração tributária deverá ser multada e responsabilizada por litigância de má-fé”

O Estado deve ser penalizado "sempre que atue contra informações vinculativas previamente emitidas", defende Rogério Fernandes Ferreira. Esta é uma das propostas que apresentou ao Governo.

“A Administração tributária deverá ser multada e responsabilizada por litigância de má-fé”, defende, em entrevista ao ECO/Advocatus, Rogério Fernandes Ferreira, presidente da Comissão para a Revisão do Processo e Procedimento Tributário e das Garantias dos Contribuintes, que, em maio, entregou ao Executivo um relatório com propostas para melhorar a relação do contribuinte com o Fisco.

A Comissão clarificou que tanto os contribuintes como a Administração tributária – que não é só a Autoridade Tributária – “podem ser sancionados com multa e indemnização em situações de litigância de má-fé, equiparando as partes e promovendo maior responsabilização em comportamentos abusivos”, “sempre que atue contra informações vinculativas previamente emitidas ou contra orientações genéricas que ela própria tenha emitido”, explica o advogado.

Entre as 90 propostas que o grupo de trabalho apresentou ao Governo constam ainda a determinação de um prazo máximo de 90 dias ou três meses para executar sentenças, a promoção de arbitragem mais rápida, redução das custas judiciais e a fixação de um prazo de prescrição de 20 anos para dívidas fiscais.

A Comissão propõe ainda que “a Administração tenha de contactar o contribuinte também por email ou telefone em caso de notificações oficiais, citações ou penhoras, reforçando a transparência e prevenindo situações de desconhecimento”, sublinha Rogério Fernandes Ferreira, que também é sócio fundador e managing partner da RFF Lawyers.

Quais as principais propostas da Comissão para a Revisão do Processo e Procedimento Tributário e das Garantias dos Contribuintes? Indique as cinco principais.

As principais propostas da Comissão concentram-se em cinco grandes eixos: o reforço das garantias dos contribuintes, clarificando e alargando os direitos de impugnação e eliminando formalidades excessivas; a revisão do regime dos juros, alargando o conceito de juros indemnizatórios, reduzindo taxas agravadas e fixando limites temporais para os juros de mora; a harmonização procedimental, com uniformização de prazos, de reclamação, impugnação e pedido de pronúncia arbitral e uma maior conformidade entre regimes; a revisão da prescrição, estabelecendo um prazo absoluto e eliminando o efeito duradouro das interrupções; e a simplificação e alguma desmaterialização processual, promovendo a tramitação eletrónica e eliminando redundâncias normativas.

O Governo tenciona alargar a arbitragem a litígios com o Fisco acima de 10 milhões de euros. Quais as vantagens para empresas e contribuintes singulares?

Um maior número de processos com acesso à arbitragem tributária e, portanto, maior celeridade nas decisões e menos possibilidades de recurso, num foro especializado que já demonstrou alguma eficiência, reduzindo o tempo da decisão e libertando os tribunais tributários para as outras decisões que não são arbitráveis.

Garante também maior especialização dos árbitros e noutras áreas mais económicas e contabilísticas, com custos potencialmente inferiores em face de uma litigância judicial prolongada, podendo reforçar, nesta medida, a confiança dos investidores na resolução tempestiva dos conflitos fiscais.

Para as empresas e também para os contribuintes singulares, a arbitragem traz gestão de risco mais transparente e menor custo de oportunidade do capital imobilizado em decisões tecnicamente densas, agora com competências clarificadas e uma tramitação mais agilizada. Mas também me parece que, apesar deste caminho ser irreversível, a arbitragem não tem [de], nem deve, substituir os tribunais tributários.

Rogério Fernandes Ferreira, sócio fundador e managing partner da RFF Lawyers, em entrevista ao ECO/AdvocatusHugo Amaral/ECO

Em que situações o Fisco deve ser multado por litigância por má-fé?

A Administração tributária deverá ser multada e responsabilizada por litigância de má-fé nos mesmos termos que o contribuinte e, em concreto, sempre que atue contra informações vinculativas previamente emitidas ou contra orientações genéricas que ela própria tenha emitido. A Comissão clarificou que tanto os contribuintes como a Administração tributária – que não é só a AT – podem ser sancionados com multa e indemnização em situações de litigância de má-fé, equiparando as partes e promovendo maior responsabilização em comportamentos abusivos.

O ministro da Reforma do Estado referiu ainda que o Governo quer reforçar a obrigatoriedade de resolução alternativa de litígios via acordos extrajudiciais. Qual o alcance desta medida e como poderia ser posta em prática?

Quanto ao reforço da resolução alternativa de litígios por via extrajudicial, o objetivo será, segundo o ministro indicou na conferência de apresentação do relatório desta Comissão a que presidi, tornar obrigatória a tentativa de acordo antes do recurso aos tribunais, fomentando negociações diretas ou mediações arbitrais. O alcance será criar um “caminho preferencial” para soluções consensuais e mais céleres, antes ou a par do processo, quando as partes estejam em condições de compor o litígio sem sacrificar a legalidade. A medida implementar-se-á através do enquadramento legal do que estará concretamente em causa, pois há que não esquecer que os créditos fiscais são indisponíveis, necessitando de lei expressa. Essas medidas, se implementadas, poderão descongestionar mais os tribunais tributários, aqui incluindo os do Estado e os arbitrais, encurtar prazos de decisão e reduzir custos e litígios, assegurando soluções mais rápidas.

Quais as vantagens para a tesouraria e liquidez das empresas destas propostas?

Para as empresas, todas estas propostas trazem vantagens significativas, incluindo para a tesouraria. Maior previsibilidade de prazos, decisões executadas em 90 dias, ou mais fácil acesso a planos prestacionais, significam menos capital parado, libertando liquidez antes imobilizada em processos ou garantias bancárias, melhor planeamento de caixa e custos financeiros menos onerosos. Ao mesmo tempo, notificações claras e no Portal evitam surpresas que obrigam a preocupações e provisões elevadas.

Outras das propostas passa por fixar em 20 anos a prescrição das dívidas fiscais. Por que razão sugerem este prazo?

A fixação de um prazo de prescrição justifica-se pela necessidade de certeza e de segurança jurídicas. O modelo atual permite sucessivas interrupções que, na prática, tornam a dívida imprescritível. Precisamos, assim, de um limite absoluto que impeça dívidas de se arrastarem indefinidamente com interrupções sucessivas. O limite absoluto de 20 anos – que é o geral – garante que o contribuinte não fica indefinidamente exposto a execuções fiscais e que o Estado deve atuar em prazo razoável. O efeito passa a ser instantâneo, e não duradouro, reforçando essa segurança jurídica e encerrando litígios num horizonte temporal conhecido, porventura de imediato, mas isto será opção do legislador e do Governo.

Para as empresas, todas estas propostas trazem vantagens significativas, incluindo para a tesouraria. Maior previsibilidade de prazos, decisões executadas em 90 dias, ou mais fácil acesso a planos prestacionais, significam menos capital parado, libertando liquidez antes imobilizada em processos ou garantias bancárias, melhor planeamento de caixa e custos financeiros menos onerosos”

Propõem ainda que o Fisco seja obrigado a comunicar aos contribuintes, por email ou por telefone, sempre que fizer notificações oficiais ou citações de dívidas tributárias. E ainda que a comunicação das penhoras passe a ser obrigatória. Neste momento, como funciona o sistema de notificações? Que alterações propõem?

No que respeita às notificações, hoje o sistema depende sobretudo da caixa postal eletrónica e de notificações postais, sem obrigatoriedade de avisos complementares. Na verdade, coexistem regras e prazos distintos, com presunções e devoluções postais que geram incerteza e muita litigância. A Comissão propõe que a Administração tenha de contactar o contribuinte também por email ou telefone em caso de notificações oficiais, citações ou penhoras, reforçando a transparência e prevenindo situações de desconhecimento.

No IRS e IRC que mudanças propõem?

Relativamente aos Código de IRS e de IRC, a Comissão propôs uniformizar e clarificar os prazos da reclamação graciosa sobre retenções na fonte (2 anos a contar de 20 de janeiro do ano seguinte) e alinhar, no IRC, o prazo para declarações de substituição com o da reclamação. O prazo de 2 anos por erro em declaração passa a contar da data de entrega da própria declaração. É um pacote simples, mas que elimina ambiguidades e tratamentos díspares.

De entre as propostas apresentadas, quais aquelas que poderão ser acolhidas pelo Governo?

Quanto às propostas mais prováveis de serem acolhidas pelo Governo destaco todas as de simplificação procedimental e processual, a harmonização de prazos, a revisão das normas das execuções fiscais e o reforço da arbitragem, que têm impacto prático imediato e encontram consenso político e técnico. São iniciativas com impacto na confiança, na eficiência e também na celeridade das decisões.

Quais os ganhos para as empresas e para o crescimento económico do país?

No conjunto, os ganhos somados para as empresas, para os particulares e para a economia em geral serão relevantes: mais liquidez, maior previsibilidade, e prazos claros, redução de custos de litigância e relação mais equilibrada e transparente com a Administração tributária, encurtando o período de litígio fiscal. Estes aspetos reforçam a confiança dos agentes económicos, estimulam investimento e contribuem para um ambiente fiscal mais justo e competitivo e, só por isso, para o crescimento económico.

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