Alexandra Nascimento Correia, sócia da Abreu, é a escolha da Advocatus na rubrica "Como é fazer contencioso em tempos de pandemia?".
Alexandra Nascimento Correia integrou a Abreu Advogados em 2008, sendo sócia desde 2016, trabalhando essencialmente na área de resolução de conflitos, com particular foco no contencioso civil e comercial e com uma especial dedicação à arbitragem, tanto internacional como doméstica. Tem vindo a assessorar clientes nacionais e estrangeiros em inúmeros litígios relativos a incumprimentos contratuais, apuramento de responsabilidade civil e recuperação de créditos.
As férias judiciais são um tema que é politicamente recorrente. Perante este contexto da pandemia, concorda que deveriam ser reduzidas, de forma a recuperar o tempo perdido? (Parece-me uma solução simples mas que terá alguns anti-corpos)
Sem dúvida. Bem sei que há razões válidas para defender o contrário, mas creio que, atendendo a que temos já, pelo menos, dois meses de estagnação dos processos pendentes, podem ser tomadas medidas extraordinárias que permitam, no mínimo, mitigar o impacto e recuperar o atraso que isso causou no seu andamento.
Fala-se, ou falou-se, em situações de pré-ruptura do SNS. E do sistema de Justiça? O que se pode esperar com esta paragem derivada da pandemia?
Creio que as situações não são comparáveis. A situação vivida no SNS foi dramática porque pôs em causa milhares de vidas. No sistema de justiça a “paragem” dos processos motivada pela pandemia ressalvou os processos urgentes, que, em geral, são aqueles em que estão em causa direitos, liberdades e garantias fundamentais dos cidadãos. Podemos certamente esperar um aumento significativo de processos pendentes em Tribunal.
Quem serão as maiores vítimas desta paragem?
Na perspetiva do contencioso civil, diria que são as partes nos processos que já estavam pendentes antes da pandemia e que viram os mesmos estagnados durante estes períodos legais de suspensão.
O discurso dos atrasos na Justiça é recorrente. Já foram adiadas 50 mil diligências devido à Covid-19. Esta passará agora sempre a ‘desculpa’ para esses mesmos atrasos?
Será certamente uma das explicações para o aumento das pendências (volume de processos acumulados), mas que apenas se juntará às anteriores. A verdade é que só agora estávamos a começar a recuperar do impacto da última crise – sobretudo nos tribunais de comércio que têm sob a sua alçada os processos de insolvência – e começamos já a antever o embate que esta nova crise terá nos nossos tribunais.
Não é fácil ser PM ou Ministra da Saúde nesta fase. Mas como avalia a atuação do Governo ao lidar com a pandemia? Estamos reféns das opiniões de demasiados especialistas?
Avalio-a de forma genericamente favorável. O desafio de governar perante uma ameaça de saúde pública desta dimensão e com contornos absolutamente desconhecidos poderia ser superado de forma pontualmente diferente, mas creio que, no seu todo, dificilmente melhor.
Se por especialistas queremos dizer cientistas, não, não estamos reféns. Estamos finalmente a escolher o farol certo para orientar a nossa navegação.
O desafio de governar perante uma ameaça de saúde pública desta dimensão e com contornos absolutamente desconhecidos poderia ser superado de forma pontualmente diferente, mas creio que, no seu todo, dificilmente melhor.
Fazer contencioso em confinamento é possível?
Sem dúvida. O facto de os atos processuais serem praticados em regra eletronicamente (através da plataforma CITIUS) constituiu desde cedo uma grande vantagem, permitindo o prosseguimento dos processos. A novidade surgiu talvez com a necessidade de se recorrer aos meios telemáticos para a realização de atos que anteriormente se fariam sempre de forma presencial.
Na Abreu Advogados, como já estávamos preparados para esta realidade e temos as ferramentas tecnológicas necessárias, não parámos e continuamos a assistir diariamente os nossos clientes em contencioso.
As diligências feitas à distância são uma miragem, um discurso enganoso do poder político? A Justiça ainda não é suficientemente tecnológica?
Creio que já temos uma justiça tecnológica, que nos distingue inclusivamente de outras jurisdições próximas, mas que ainda pode evoluir muito mais. Ainda somos principiantes na utilização desses recursos. Por exemplo, em relação às audiências realizadas por via telemática, limitamo-nos a utilizar a câmara e o microfone, quando sabemos, pela experiência própria que o confinamento nos proporcionou, que estas plataformas têm diversas ferramentas que podem ser utilizadas de forma segura (como a partilha de documentos, a fim de serem exibidos às testemunhas durante o seu depoimento), além de outras que a necessidade e o engenho certamente nos poderiam revelar, se houver investimento nesse sentido.
Dá-se ao “luxo” de poder recusar casos?
Quer por razões deontológicas, quer de compliance, sim, já aconteceu ter de dar cumprimento ao dever de recusa de patrocínio. Temos um procedimento interno prévio que nos permite fazer essa triagem e somos muito rigorosos em temas de compliance e de gestão de riscos.
Creio que já temos uma justiça tecnológica, que nos distingue inclusivamente de outras jurisdições próximas, mas que ainda pode evoluir muito mais. Ainda somos principiantes na utilização desses recursos”.
O facto de estar integrada num escritório de grande dimensão, corta-lhe as vazas para aceitar alguns clientes?
De forma alguma. A Abreu Advogados é um escritório full service e, apesar de se enquadrar na chamada advocacia de negócios, acolhe e trabalha com clientes muito distintos entre si. Orgulhamo-nos de ser um escritório de clientes e não de transações. Somos verdadeiros parceiros dos nossos clientes e acompanhamo-los em todas as questões e em todas as vicissitudes das suas vidas e dos seus negócios.
Sente que o escritório onde está, pela estrutura que tem, dá menos valor ao contencioso e mais a uma advocacia de negócios?
Não, de todo. O contencioso a que nos dedicamos na Abreu Advogados é, em grande medida, um contencioso civil e comercial, em que assessoramos empresas em temas estratégicos. Temos uma grande área de contencioso, que inclui equipas dedicadas a subáreas, como o penal e compliance, a arbitragem e o contencioso civil e comercial, pelo que a nossa aposta em contencioso é estratégica. Isto para além do contencioso de áreas especializadas como fiscal, laboral e administrativo, em que também nos destacamos. Um escritório que queira ser verdadeiramente full service, num país como Portugal, não pode encarar o contencioso como uma área de menor valor.
O contencioso já foi mais valorizado do que é?
Creio que não. Os nossos clientes têm cada vez mais a clara noção de que é importante antever e prevenir eventuais conflitos e desde cedo avaliar riscos e formas de os mitigar. E para isso as empresas sabem que devem ser acompanhadas por uma equipa de advogados especializados nesta área.
E as boutiques nesta área fazem sentido?
Julgo que não, pelo menos para já e em face da realidade que temos. O contencioso ganha muitíssimo na interação com as diferentes áreas de Direito e com as outras equipas do escritório que se dedicam a áreas distintas.
Já foi ameaçada ou insultada em tribunal?
Não, nunca.
Qual foi o caso em que saiu do tribunal e pensou “saí-me mesmo bem!”? Sem falsas modéstias.
O tipo de contencioso a que me dedico, pela sua complexidade, é cada vez mais um trabalho de equipa, pelo que as vitórias são sempre celebradas em conjunto, sem protagonismos, quer no seio da equipa, quer com o Cliente, que é sempre parte fundamental de todo o processo e com quem partilhamos sempre esses êxitos. Temos, felizmente, no histórico da Abreu Advogados vários sucessos de que nos orgulhamos muito, quer no contencioso civil e comercial, quer no contencioso penal e compliance, quer mesmo na recuperação de créditos.
A Justiça faz-se condenando. Esta é a tese que domina na opinião pública. Como explicar ao cidadão comum que não é esse o caminho?
Muitas vezes a justiça passa mesmo pela condenação, desde que a sentença seja fundamentada e justa.
Como é a sua relação com a magistratura. É do tipo de advogada conflituosa, diplomata, respeitadora ou mais provocadora?
Procuro gerir essa relação com objetividade, ciente do meu papel como advogada e desempenhando-o da melhor forma que sei.
Se fosse Ministra da Justiça, quais seriam as suas três prioridades?
- Reforçar os tribunais com os meios tecnológicos necessários à realização de audiências virtuais, com todas as garantias processuais asseguradas, o que tornaria o acesso à Justiça menos oneroso e, por isso, ao alcance de mais cidadãos;
- Encontrar uma solução para o volume ingerível de processos de insolvência acumulados nos tribunais de comércio, propondo, por exemplo, a criação de juízos de competência especializada de insolvência nas comarcas em que isso se justifique;
- Propor a implementação da figura de coadjutor dos magistrados judiciais, a fim de que cada juiz pudesse contar com apoio na análise e preparação dos processos e no estudo e pesquisa necessários para a elaboração das sentenças.
E Bastonária da Ordem dos Advogados?
Talvez a promoção de uma revisão profunda dos deveres deontológicos previstos no Estatuto da Ordem dos Advogados a fim de os adaptar à realidade atual.
E, finalmente, se fosse PGR?
Procuraria dotar a magistratura do Ministério Público dos meios necessários para fazer face à nova criminalidade.
Qual foi ou é para si o melhor ministro/ministra da Justiça desde o 25 de abril?
Ainda não tomou posse.
Estamos (Portugal) muito obcecados com a corrupção?
O combate à corrupção deve ser um desígnio de todos os Portugueses.
Pretende algum dia pôr em prática a regra de denúncia obrigatória por parte de advogados que se deparem com suspeitas de lavagem de dinheiro?
O sigilo profissional é absolutamente fundamental na relação advogado-cliente, pelo que casuisticamente, sempre que a questão se coloque, terá ser encontrado o equilíbrio certo entre este pilar do Estado de Direito e outro – o do cumprimento da lei.
Se pudesse escolher, em que jurisdição (europeia ou mundial) trabalharia e porquê?
Em Portugal, por ser o meu país e por haver ainda tanto para fazer, sendo que felizmente o meu trabalho me permite manter um contacto constante com outras jurisdições.
Os advogados têm horizontes mais abertos que os magistrados (juízes ou procuradores)?
Os advogados e os magistrados têm funções diferentes no sistema de justiça e, por isso, felizmente, uns e outros podem contribuir para ele com a sua perspetiva própria.
As decisões judiciais – de primeira ou segunda instância – são muito dependentes ou influenciadas pelo mediatismo?
A nossa magistratura prima felizmente pela isenção e imparcialidade, ciente de alguns julgamentos que precipitadamente se fazem na praça pública, não se deixando influenciar por isso.
Mudaria as regras dos advogados poderem falar de casos concretos, de forma a que o vosso trabalho fosse mais compreendido?
Não me parece necessário alterar as regras que temos a esse respeito. O que é necessário, sim, é haver mais literacia jurídica. Há conceitos básicos do acesso à justiça e aos tribunais que os cidadãos comuns não dominam, mas que deviam fazer parte do mais elementar currículo escolar. Para isso muito contribuiria a simplificação da nossa linguagem, que, muitas vezes, por ser hermética, necessita de tradução.
No âmbito do nosso projeto de sustentabilidade temos procurado e continuaremos a apostar muito nessa literacia jurídica, através de projetos como o Justiça para Todos e, mais recentemente, o Dislexia Day by Day, pois entendemos que, para além do Pro Bono, esta é uma das formas que temos de adotar um papel ativo na sociedade e de ter um impacto positivo junto das comunidades em que estamos inseridos.
Gostaria que houvesse uma instância totalmente independente – com maioria de não magistrados – que avaliasse a ética e imparcialidade de um magistrado? Um canal direto entre cidadãos, advogados e magistratura?
É uma das funções do Conselho Superior de Magistratura…
O que é necessário, sim, é haver mais literacia jurídica. Há conceitos básicos do acesso à justiça e aos tribunais que os cidadãos comuns não dominam, mas que deviam fazer parte do mais elementar currículo escolar.
A prestação de contas dos nossos magistrados é necessária?
É um princípio constitucional e um pressuposto do Estado de Direito o de que os juízes não podem ser responsabilizados pelas suas decisões, salvas as exceções previstas na lei.
Arbitragem versus tribunais. Este meio de justiça privada vai engolir os tribunais, mais cedo ou mais tarde?
Não creio. São duas vias alternativas de resolução de litígios que têm o seu próprio espaço e se complementam entre si. Na Abreu Advogados trabalhamos em ambas de forma especializada.
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Alexandra Nascimento Correia: “Começamos já a antever o embate que esta nova crise terá nos nossos tribunais”
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