O líder parlamentar do PCP diz em entrevista que o Governo tem de acelerar a execução do OE em vigor para que se possa negociar o OE 2022. E avisa que a data das autárquicas complica o calendário.
Já arrancam as negociações para o Orçamento do Estado 2022 (OE 2022), num ano que será marcado pelas eleições autárquicas, que podem mudar o xadrez político. Ao longo deste verão quente o ECO vai ouvir Governo, partidos, parceiros sociais e empresários sobre um Orçamento que ainda não tem aprovação garantida e que está a ser desenhado no meio de uma pandemia. Leia aqui todos os textos e as entrevistas, Rumo ao OE.
João Oliveira, líder parlamentar do PCP, queixa-se da data fixada pelo Governo para as eleições autárquicas: não por recear que o resultado contamine as negociações, mas porque deixa pouco tempo para uma discussão “séria e ponderada” entre 27 de setembro e 11 de outubro. Em entrevista ao ECO, o deputado diz que ainda não há caderno de encargos nem linhas vermelhas para o PCP neste Orçamento do Estado para 2022 (OE 2022), nem mesmo reivindica medidas bandeiras como o aumento extraordinário das pensões mais baixas no próximo ano. Os comunistas preferem deixar tudo em aberto até arrancarem as negociações com o Governo, mas avisam que a execução das medidas do Orçamento em vigor tem de acelerar.
O Governo marcou as autárquicas para 26 de setembro e o Orçamento deverá ser apresentado a 11 de outubro. Prevê que o resultado do PCP vá ter alguma influência nas negociações do OE?
Não. A discussão do OE é feita com critérios próprios que não se misturam com outras coisas, nem sequer com resultados eleitorais. Já que me coloca a questão, apesar de não querer dar grande relevância, mas de qualquer forma ela tem alguma relevância: a única ligação que há entre as eleições autárquicas e o Orçamento é uma ligação de calendário. A opção que o Governo tomou de fixar a data das eleições para 26 de setembro só cria dificuldades ao processo de discussão da própria proposta de OE que o Governo irá apresentar. Como deve calcular, com as eleições marcadas para 26 de setembro, há de ser muito difícil que antes disso haja condições para que se possa fazer uma discussão séria e ponderada como o Orçamento exige. Isso deixa apenas um período entre 27 de setembro e 11 de outubro para se fazer uma discussão que devia ter mais tempo para se fazer. O único elemento que há de relevante a propósito das eleições autárquicas é esse de o Governo ter criado uma dificuldade adicional com o calendário que escolheu.
Está a referir-se à negociação entre o PCP e o Governo?
Sim. A campanha vai consumir praticamente as atenções e energias todas até 27 de setembro. Essa dificuldade adicional que o Governo entendeu criar com a fixação deste calendário é a única ligação que pode haver entre autárquicas e Orçamento porque tudo o resto será especulação.
O PCP continua descontente com a execução das medidas inscritas no OE 2021?
O panorama atual não é muito diferente daquele que verificámos que existia em final de maio quando fizemos essa apreciação. Não há alterações muito significativas. Aliás, pelo contrário: há outros elementos que entretanto vieram acentuar essa apreciação crítica que fazemos da execução do Orçamento por parte do Governo.
Passado um mês, não viu sinais de maior execução e ainda identifica duas medidas que fugiram no calendário previsto. As negociações do OE 2022 começam com o pé esquerdo?
A execução do OE 2021 é um elemento de grande relevância. Quando se começar a discutir o OE 2022, tem que se discutir a partir da realidade nacional e dos problemas que há para resolver para saber qual a resposta que pode ser dada via Orçamento. Se o Orçamento de 2021 for executado na sua globalidade em relação ao que lá ficou inscrito, essa realidade nacional é de uma determinada natureza. Se o OE 2021 ficar por executar ou for executado pela metade ou for limitado no conjunto de questões que ficaram inscritas, naturalmente os problemas são de muito maior dimensão.
O PCP nunca baralhou as discussões que têm de ser feitas em planos distintos. O PS e o Governo têm esse elemento bem presente em função da experiência que já têm.
Aprovar a proposta da precariedade do PCP foi um gesto de boa vontade do PS para as negociações do OE?
Não. Espero que não haja confusões desse tipo na cabeça de ninguém, muito menos dos membros do Governo e da direção do PS. Não misturámos umas coisas com as outras. O PCP nunca baralhou as discussões que têm de ser feitas em planos distintos. O PS e o Governo têm esse elemento bem presente em função da experiência que já têm. Nós batemo-nos pela solução dos problemas dos trabalhadores. Quando tratamentos de legislação laboral, estamos a tratar de mudanças na lei laboral que têm de ser feitas para dar resposta a um determinado tipo de problemas. Quando tratamos do OE, estamos a tratar de soluções que têm de ser consideradas no âmbito do Orçamento para resolver outro tipo de problemas.
Mas a verdade é que a discussão será simultânea, não é?
É simultânea, mas não fazemos confusão sobre isso. Aliás, o meu camarada Jerónimo de Sousa utilizou uma síntese que é muito instrutiva: mesmo que o PS tivesse aprovado todos os quatro projetos que levamos à discussão — e só aprovou um, sendo verdade que é um projeto sobre a precariedade que tem questões muito significativas e de grande relevo –, isso em nada limitaria ou condicionaria a apreciação que nós teremos de fazer de um assunto que já de si ainda nem sequer existe.
Um tema que está a inquietar os portugueses é a subida do preço dos combustíveis. O PCP pretende propor uma descida dos impostos sobre a energia?
Nós temos insistido muito nisso e no último Orçamento voltamos a apresentar uma proposta sobre o IVA da eletricidade para a redução para os 6% que, desta vez, aparentemente ninguém quis saber dessa proposta e da sua relevância. Nós, no quadro do OE, consideraremos as propostas que são necessárias do ponto de vista fiscal.
Quando já estão oito mil milhões de euros de dinheiros públicos no lado de lá [do Novo Banco], saber se são mais 100 ou menos 100 já não é propriamente uma discussão relevante.
Está disponível para viabilizar um Orçamento em que mais uma vez há uma injeção no Novo Banco?
Isso é mais areia para os olhos do que propriamente uma abordagem adequada à discussão do Novo Banco [NB]. O problema do NB agora não é sobre se transfere mais 100 [milhões de euros] depois de ter transferido 8.000 [milhões de euros]. Quando já estão oito mil milhões de euros de dinheiros públicos no lado de lá, saber se são mais 100 ou menos 100 já não é propriamente uma discussão relevante. A questão que se coloca é saber o que é o Estado português vai fazer não só para recuperar esse dinheiro, mas já agora para utilizar um instrumento bancário que deve estar à disposição do Estado. Daí que temos insistido duas linhas de intervenção que nos parecem absolutamente essenciais relativamente ao NB: é preciso assegurar o controlo público do NB e portanto o Estado tem de o integrar na esfera pública, revertendo a privatização que foi feita; em segundo lugar, o Estado tem de ir atrás do dinheiro e não pode deixar as contas por saldar com quem durante anos utilizou o NB, nomeadamente os gestores do BES e do GES, como instrumento de financiamento das suas aventuras e dos seus negócios e de acumulação de lucros, e agora parece que não têm nada a ver com isso. Tem que se ir atrás do património dessa gente, tem que se ir atrás do rasto do dinheiro. O dinheiro não desapareceu.
Relativamente à TAP, o PCP pretende exigir algo condicionado à injeção, nomeadamente maior proteção dos direitos dos trabalhadores?
O Estado português tem todo o direito de ter uma companhia aérea de bandeira e de ter uma companhia aérea que corresponda ao desenvolvimento estratégico do país, como uma alavanca e um instrumento de desenvolvimento. Em segundo lugar, o Estado português tem a obrigação de criar todas as condições para que essa empresa possa cumprir esse papel e isso significa a contratação de pessoal, a sua formação, a sua qualificação, o investimento nas infraestruturas e no equipamento necessário para que a companhia de aviação possa corresponder ao objetivo de desenvolvimento. Em terceiro lugar, a União Europeia não tem o direito de nos impedir de concretizar essas decisões e muito menos tratar de forma desigual em relação à forma que trata a Alemanha, a França, a Itália, a Espanha e outros grandes países, aos quais permite que os respetivos Estados possam tomar as decisões que têm de tomar.
A TAP é um instrumento indispensável para a concretização de todos esses objetivos e é dessa forma que o Estado português deve encarar os investimentos que nela se justifiquem.
Está portanto disponível para que o Estado continue a ajudar a TAP?
É essencial que o Estado assuma as suas responsabilidades, quer na recuperação financeira da empresa, quer na manutenção dos postos de trabalho, quer na capacitação da empresa para que possa rapidamente retomar o desenvolvimento da sua atividade. Não podemos estar a falar consecutivamente da necessidade de internacionalização da nossa economia, de estabelecer negócios mais fortes com os países de língua portuguesa — seja o Brasil, sejam os países africanos, seja Timor-Leste –, não podemos estar permanentemente a falar da necessidade de diversificação da atividade económica e dos mercados das nossas exportações e depois achar que a TAP não serve para nada. A TAP é um instrumento indispensável para a concretização de todos esses objetivos e é dessa forma que o Estado português deve encarar os investimentos que nela se justifiquem.
O PCP tem sempre exigido um aumento extraordinário das pensões. Também o exigirá em 2022?
Nós estamos ainda longe de ter a ponderação fechada em relação ao OE 2022. Mas é um facto objetivo que se pode constatar: o PCP tem-se batido pelo aumento das pensões, inclusivamente em 2016 quando o Governo do PS recusou esse aumento e foi o último ano em que esse aumento não ocorreu. De 2017 para cá que foi possível fazer consecutivamente aumentos extraordinários às pensões. É verdade que limitando-se às pensões mais baixas. O PCP sempre se bateu por um aumento extraordinário para todas as pensões para que ninguém deixe de ver reconhecido o seu esforço contributivo. É um elemento de justiça para com todos os reformados, naturalmente com uma preocupação acrescida para os que têm reformas mais baixas.
Essa luta vai continuar?
Vamos continuar a bater-nos por esse objetivo, mais para lá do OE. Ou seja, é um objetivo pelo qual nos estamos a bater inclusivamente com as propostas que do ponto de vista da Segurança Social possam, por exemplo, assegurar o direito à reforma sem penalizações com 40 anos de descontos e a criação de novos escalões de pensões mínimas para quem tem carreiras contributivas acima de 15 anos. Há um conjunto de propostas que o PCP tem apresentado que vão para lá do OE.
Quanto ao IRS, têm proposto um agravamento para os escalões do topo, mas vão pressionar o Governo para concretizar a redução prevista no programa eleitoral?
No último OE, apresentámos várias propostas relacionadas com o IRS, não apenas de desagravamento fiscal sobre os rendimentos mais baixos mas também tributação mais elevada para os rendimentos de maior valor, nomeadamente por via do englobamento obrigatório de todos os rendimentos acima de 100 mil euros, considerando que esse era um elemento de avanço na justiça fiscal. Quando tivermos condições para isso, faremos a ponderação relativamente ao que é adequado levar a discussão ao nível do OE 2022.
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Autárquicas a 26 de setembro “só cria dificuldades” à discussão do Orçamento, diz João Oliveira
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