“Banco de Portugal está a criar muito valor no sistema de pagamentos”

Banco de Portugal prepara novidades na área dos pagamentos e já recebeu críticas dos bancos. Administrador Hélder Rosalino defende que o regulador está a "criar muito valor" para o mercado nacional.

O início do próximo ano traz novidades na forma como transferimos dinheiro. O Banco de Portugal prepara duas funcionalidades que vão trazer maior segurança e conveniência nos pagamentos eletrónicos que fazemos diariamente: a confirmação do beneficiário e as transferências através do número de telemóvel.

As novidades não foram bem recebidas pelos bancos, que criticaram o facto de terem um regulador a criar soluções que deveriam partir da iniciativa privada. Em entrevista ao ECO, o administrador do Banco de Portugal Hélder Rosalino defende atuação da instituição supervisora: “Estamos a criar muito valor para o nosso sistema de pagamentos”.

Rosalino referiu ainda que a medida de obrigar as lojas a disponibilizarem um meio de pagamento eletrónico, em conjunto com o número, não vai ser “fundamentalista”. “Um pequeno estabelecimento no interior do país pode não ter dimensão que justifique ter um instrumento de pagamento eletrónico”, apontou.

Sobre as medidas de correção impostas à SIBS, o principal operador do mercado de pagamentos nacional, o Banco de Portugal diz-se tranquilo com a sua atuação que está a ser acatada pela empresa e acredita que, depois de corrigidas as irregularidades, Portugal terá um mercado “aberto e competitivo à escala global, dentro das regras europeias”.

Estamos perante uma revolução na forma como nos relacionamos com o dinheiro ou se se trata de apenas mais um capítulo nesta transformação financeira que temos assistido?

Diria que se trata mais de uma evolução. Nós não estamos a fazer uma revolução. Temos vindo a verificar uma alteração dos comportamentos e uma introdução da digitalização muito acelerada. Há novas necessidades e novas aspirações dos utilizadores de serviços financeiros que querem cada vez mais soluções práticas, convenientes, com disponibilidade 24 horas sobre sete dias por semana.

Com as novas oportunidades vêm também alguns riscos e, portanto, há que combinar oportunidades com riscos num contexto de grande evolução. Não estamos num contexto de revolução propriamente dita, porque ninguém espera que se altere extraordinariamente ou substancialmente as condições de utilização dos instrumentos de pagamento que hoje conhecemos.

O Banco de Portugal acabou de aprovar a nova estratégia para os pagamentos de retalho. Há várias mudanças em perspetiva. Por exemplo, que funcionalidade é esta da confirmação do beneficiário?

Esta funcionalidade da confirmação do beneficiário é extremamente importante, pois insere-se em vários objetivos que nós prosseguimos com a estratégia dos pagamentos. O tema da segurança é central. As questões relacionadas com a fraude com a engenharia social têm vindo a crescer e o Banco de Portugal está muito empenhado, em parceria com todos os outros intervenientes, em reforçar a segurança nos pagamentos.

Reforçar a segurança passa por introduzir funcionalidades que concorrem exatamente para esse objetivo. A confirmação do beneficiário é fundamental, pois passamos a saber o nome do destinatário antes realizarmos uma transferência imediata ou a crédito ou um débito direto. Isso vai dar uma segurança muito grande na realização de pagamentos e prevenir situações de fraude.

Depois temos esta solução chamada “Proxy Lookup”, que basicamente permitirá realizar transferências através do uso do número de telemóvel em vez do tradicional IBAN. Como é que vai funcionar?

O Banco de Portugal vai criar uma base de dados em que vai associar os números de telemóvel a todos os IBAN. Qualquer um de nós, num qualquer instrumento de pagamento ou na realização de uma transferência num qualquer canal, vai poder, através da utilização da lista de contactos, aceder ao IBAN e fazer essa transferência.

Isso vai criar uma usabilidade e uma conveniência muito maior à realização de pagamentos e também permitirá reforçar a segurança.

Quando é que estas duas funcionalidades vão estar disponíveis?

A nossa expectativa é que estejam disponíveis a partir de abril do próximo ano. Já estamos em fase de testes com as instituições de crédito. A arquitetura desta solução já está montada. O Banco de Portugal vai ter esta base de dados, mas não se vai relacionar diretamente com os utilizadores. O Banco de Portugal vai prestar o serviço aos bancos e os bancos vão prestar o serviço aos utilizadores.

Os bancos foram muito críticos em relação ao facto de termos um supervisor a avançar com funcionalidades que deviam ser promovidas pela iniciativa privada. Como é que se defende desta crítica?

O que o Banco de Portugal está a disponibilizar são funcionalidades que vão estar ligadas ao nosso sistema de pagamentos de retalho em Portugal e que vão aumentar a segurança e a conveniência na utilização de pagamentos, independentemente do prestador de serviços, do instrumento de pagamento e dos canais. Estas funcionalidades vão estar ao alcance de todos os operadores em Portugal. Em cima da segurança e da conveniência vai se permitir criar valor e inovar e que o mercado se desenvolva.

O Banco de Portugal está a dar um contributo muito importante a todo o sistema financeiro, a todos os operadores, ao mercado em geral, e há uma grande expectativa por parte dos utilizadores de serviços de pagamento, grandes retalhistas, grandes operadores nas áreas das utilities.

Estamos bastante confortáveis com aquilo que estamos a fazer. Estamos a criar muito valor para que o nosso sistema de pagamentos dê um salto significativo em frente. Portugal sempre se caracterizou por ter sistemas de pagamentos inovadores e nós, Banco de Portugal, achamos que estamos a dar um contributo muito significativo.

Estamos bastante confortáveis com aquilo que estamos a fazer. Estamos a criar muito valor para que o nosso sistema de pagamentos dê um salto significativo em frente. Portugal sempre se caracterizou por ter sistemas de pagamentos inovadores e nós, Banco de Portugal, achamos que estamos a dar um contributo muito significativo.

Hélder Rosalino

Administrador do Banco de Portugal

Os problemas detetados no passado em relação a SIBS estão a ser resolvidos?

Detetámos que havia a necessidade de corrigir alguns posicionamentos de mercado do grupo SIBS e, em particular, de duas entidades, a SIBS MB e a SIBS FPS, e emitimos, num diálogo construtivo com a SIBS, determinações específicas no sentido de alterar algumas abordagens à lógica de mercado e à relação com outros operadores que se querem instalar em Portugal. Essas duas determinações específicas foram acolhidas.

Ainda recentemente, a CEO da SIBS veio dizer publicamente que está a trabalhar ativamente, em estreita articulação com o Banco Portugal, para que, no final de 2024, que é o período que foi determinado para que esse caminho fosse percorrido, essas determinações específicas fossem implementadas.

Estamos bastante tranquilos e julgo que o mercado em geral também e tem verbalizado publicamente que considera que o Banco de Portugal está a cumprir com a sua obrigação de criar as condições para que o mercado nacional de pagamentos seja mais competitivo.

Uma das críticas da concorrência teve justamente a ver com o facto de Portugal ter demorado a agir…

Eu não concordo nada com isso. O Banco de Portugal tem sido reconhecido, por todos os players, pela abertura que têm tido e pela visibilidade que têm dado à sua atuação neste domínio e pela forma como tem mostrado que está empenhado em cumprir com a sua obrigação e com a sua missão.

Depois, o Banco de Portugal tem esta competência desde 2019. É um trabalho intenso, porque é preciso fazer um conjunto de verificações técnicas e há várias dimensões que são demoradas de verificar. Temos ainda um conjunto de interações e de tramitações administrativas que têm de ser asseguradas. Em 2022, tínhamos as determinações específicas já fechadas e comunicadas à SIBS.

A segunda determinação específica foi já em 2023. Ou seja, demorámos dois anos, no máximo três anos, a chegar a uma situação que vai permitir concluir que o nosso mercado é aberto e competitivo à escala global, dentro das regras europeias. E, efetivamente, nenhum desses operadores me disse isso diretamente a mim até agora.

Hélder Rosalino, administrador do Banco de Portugal, em entrevista ao ECO - 24OUT23
Hélder Rosalino, administrador do Banco de Portugal, em entrevista ao ECOHugo Amaral/ECO

Voltando à Estratégia Nacional para os Pagamentos de Retalho, há mais algumas novidades. Por exemplo, os pagamentos ao Estado vão ser facilitados. O que podemos esperar de diferente?

No âmbito do Fórum para o Sistema de Pagamentos estamos a tentar perceber onde é que temos estrangulamentos no nosso sistema de pagamentos e o que é que pode ser melhorado para tornar os pagamentos quase invisíveis na atividade económica. Detetámos a existência de alguns instrumentos legislativos que obrigam a que, por exemplo, se pague ao Estado com cheque, ou que valores acima de X montante tenha de ser pago com determinado instrumento de pagamento.

Não faz sentido nenhum que eu tenha de fazer certos pagamentos ao Estado com cheques. E não faz sentido nenhum que eu, a partir de determinados montantes, já não consiga fazer uma transferência porque o número de dígitos para transferência são só cinco ou seis dígitos e para fazer pagamentos ao Estado superiores a 100.000 euros tenha de usar o cheque. Essas situações estão a ser identificadas e queremos modernizá-las.

Depois também temos aqui o Projeto PAY, uma grande base de dados para os pagamentos. Para que servirá esta base de dados?

O Projeto PAY é dos projetos que posso considerar revolucionário. É um projeto que vai criar uma megabase de dados com todos os pagamentos que são feitos numa base diária em Portugal, devidamente anonimizados. Esta base de dados vai permitir que o Banco de Portugal possa produzir conhecimento para ser utilizado nas nossas áreas de estudos, nas nossas áreas de estatística, na formulação de políticas mais ajustadas à necessidade do país na área de pagamentos e vai permitir o acompanhamento da economia.

Vamos ter um barómetro que vai acompanhar o dia-a-dia da nossa economia de forma imediata e real.

Na altura da pandemia, porque havia uma preocupação muito grande no sentido de perceber quais eram os setores estavam a ser mais afetados, os dados de pagamento ganharam uma importância que até aqui não tinham no Banco Portugal. E aí sentimos que nos faltava essa informação. Tivemos de recolhê-la de fontes secundárias, pedir informação a outras entidades. O Banco de Portugal percebeu a lacuna que tinha do ponto de vista de informação para acompanhar a economia a partir dos dados de pagamentos.

Essa base de dados vai ser disponibilizada ao cidadão através do BPstat e vamos trabalhar a informação também para o sistema bancário.

Quando é que isso poderá acontecer?

Estamos a introduzir os dados do instrumento de pagamento. É um processo complexo. A ideia é que durante os primeiros meses de 2024 encerremos o projeto e passemos a ter já dados reportados de todos os instrumentos de pagamento. Depois seguir-se-á toda a fase de disponibilização das ferramentas para acesso a essa informação. A partir daí é um mundo novo.

Está previsto uma alteração na legislação no sentido de impor aos comerciantes a obrigação de, em conjunto com o numerário, disponibilizarem também um meio de pagamento eletrónico. Porque é que se vai avançar com esta medida?

O Banco de Portugal deseja que efetivamente qualquer um de nós, qualquer cidadão, possa ter liberdade de escolha quando faz um pagamento. É também o objetivo dos participantes no Fórum para o Sistema de Pagamentos. Em Portugal, a aceitação de numerário é obrigatória, mas a aceitação de instrumentos de pagamento eletrónicos não. Há aqui um obstáculo à nossa liberdade de escolha: porque é que eu não posso utilizar um meio de pagamento eletrónico? Queremos que essa liberdade de escolha possa ser concedida.

"Uma pequena padaria ou um pequeno estabelecimento no interior do país pode não ter dimensão, escala, volume de negócios que justifique ter um instrumento de pagamento eletrónico.”

Hélder Rosalino

Administrador do Banco de Portugal

E os comerciantes poderão ter essa liberdade de escolha?

Sabemos é que existem alguns constrangimentos que resultam de pequenos operadores no comércio poderem ver agravados os seus custos de contexto. Uma pequena padaria ou um pequeno estabelecimento no interior do país pode não ter dimensão, escala, volume de negócios que justifique ter um instrumento de pagamento eletrónico.

Queremos dar a liberdade de escolha, mas temos a consciência de que há restrições e situações que devem ser protegidas e avaliadas de forma diferenciada. Queremos que se evolua para a obrigatoriedade de poder utilizar, em qualquer circunstância, um instrumento de pagamento eletrónico, a par da utilização de numerário, protegendo situações em que temos de atender às circunstâncias ou à realidade específica de determinadas atividades económicas.

Não queremos que essa situação seja levada numa lógica de fundamentalismo, queremos que seja equilibrada.

  • Diogo Simões
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