Vice do Medef passou por Portugal em busca de novas oportunidades para as empresas francesas, mas preocupado com a perda de competitividade na Europa face aos EUA e a China.
De visita a Portugal, destino que diz ser um dos “parceiros mais importantes” para o tecido empresarial Francês, o vice presidente do Movimento das Empresas de França (Medef) faz duras críticas à falta de articulação entre a execução das políticas de transição energética e o crescimento económico no bloco europeu, isto numa altura em que a Europa perdeu competitividade face a outros mercados internacionais. “Os Estados Unidos e a China estão a ir mais depressa do que a Europa. Por isso, a pergunta é: queremos estar na segunda liga ou continuar na Liga dos Campeões?”, questiona Fabrice Le Saché, em entrevista ao ECO.
Para o gestor, a avaliação dos últimos cinco anos das principais instituições em Bruxelas ficou aquém das necessidades das empresas e os processos tornaram-se demasiado morosos. A poucos dias das eleições europeias, a 9 de junho, Le Sanché deixa uma recomendação: “temos de encontrar rapidez na tomada de decisões para continuarmos competitivos, porque os ciclos de inovação são muito rápidos”.
Estamos em plena campanha para as eleições europeias e neste momento o partido da direita conservadora e reformista está no centro das negociações para a formação do próximo hemiciclo. Alguma vez pensou que estaríamos nesta posição?
Não fazemos juízos políticos, apenas económicos. O que sabemos é que o populismo não é a resposta correta. Mas devemos perguntar-nos porque é que este crescimento [da extrema-direita] está a acontecer. E, uma das razões, penso eu, é porque se está a fazer toda esta transição verde sem uma visão económica.
Em França, tivemos o movimento dos coletes amarelos a criar tensões sociais muito profundas, e extremadas, devido ao preço dos combustíveis e ao imposto sobre o carbono. Não podemos fazer uma transição verde sem uma estratégia económica porque falamos de pessoas de classe média baixa, que precisam de trabalhar, e numa altura em que grande parte do salário é ‘comido’ pela inflação, habitação, preços da energia e transportes, é importante que esse apoio seja dado. As pessoas querem ter qualidade de vida e saber que os filhos vão ter uma vida ainda melhor.
Mas não falamos apenas dos salários. Os Estados Unidos e a China estão a ir mais depressa do que a Europa. Por isso, a pergunta é: queremos estar na segunda liga ou continuar na Liga dos Campeões? Se quisermos ficar na Liga dos Campeões, temos de ter cuidado porque nos últimos 15 anos os Estados Unidos conseguiram duplicar o PIB e a Europa estagnou. Já a China registou um crescimento tecnológico muito impressionante nos últimos 20 anos, investiu fortemente na investigação, sobretudo na área das renováveis e mobilidade elétrica.
Não podemos ignorar que a Europa está a tornar-se um museu, apesar de haver boas iniciativas em curso, como o Next Generation EU que permite a muitos países, como Portugal, receber fundos europeus mas o problema é que, no último ano, temo-nos concentrado numa ambição “verde” que, embora seja muito importante, deixa a economia, a indústria e a criação de empregos qualificados, para trás.
Então na próxima legislatura, a transição verde deve ficar para segundo plano e deve ser dada prioridade no crescimento económico?
Não acho que sejamos menos verdes se tivermos uma estratégia económica. Se não tivermos um motor económico forte e níveis fortes de investimento como vamos conseguir dar esse passo? Esta manhã visitamos a antiga fábrica da Solvay que criou 180 postos de trabalho, tem um volume de negócios de 40 milhões de euros e tem apostado no hidrogénio como solução energética. Esta revolução está a acontecer porque foi feito o investimento.
A questão não é colocar a transição verde em segundo plano, é conjugá-la com uma estratégia económica. A pergunta que se coloca agora é como é que podemos ser mais eficientes para chegar ao net zero. Será mais eficiente termos uma ideologia política na Europa que nos leve nessa direção, ou deixar que as empresas inovem, assumam os riscos e estimulem a inovação? Precisamos de completar a ambição verde com uma verdadeira visão económica.
A questão não é colocar a transição verde em segundo plano, é conjuga-lo com uma estratégia económica. Precisamos de completar a ambição verde com uma verdadeira visão económica.
Esse tem sido o feedback das empresas francesas?
Em todos os países da UE que visito, as empresas queixam-se sempre do mesmo: os processos burocráticos são um pesadelo. São precisos três anos para chegar a um acordo sobre produtos alimentares, demora-se quatro anos, em média, para abrir uma unidade industrial na Europa. Falamos de processos demasiado lentos em comparação com os principais mercados com quem a Europa compete.
Para emitir licenças para fábricas, para subsídios estatais, temos de encontrar rapidez na tomada de decisões para continuarmos competitivos, porque os ciclos de inovação são muito rápidos. Por isso é que vemos muitas poupanças a voar para fora da Europa porque o mercado de capitais é muito mais aliciante, por exemplo, nos Estados Unidos e não nos podemos dar ao luxo de deixar que isso aconteça.
O nível de investimento na Europa quando se compara com os Estados Unidos ou a China tem ficado muito aquém. Nos Estados Unidos, o Industrial Reduction Act (IRA, na sigla em inglês) foi um grande impulsionador para a indústria e na China existe uma política muito forte de subsidiação. A resposta aqui é simples. A transição verde só funciona se tiver uma visão económica a acompanhá-la.
Dois dos temas que vão marcar a próxima legislatura prendem-se com a imigração a defesa. Poderão estes temas sobrepor-se à necessidade da Comissão melhorar a sua estratégia de crescimento económico, como defende?
Não me parece. A Comissão Europeia e o Parlamento Europeu podem ter várias prioridades. Enquanto confederação empresarial, não nos compete pronunciarmo-nos sobre as políticas de imigração. A nível de políticas económicas ligadas à imigração, sabemos que há um golpe demográfico na Europa que está a acontecer mais rápido do que noutros países, e temos muitos parceiros a sentir dificuldades em encontrar mão-de-obra.
Precisamos de trabalhadores e mão-de-obra qualificada. Isto é um facto. A automação, a inteligência artificial, o ganho de produtividade podem não ser suficientes e, por isso, a imigração económica será, a longo prazo, necessária. Mas tem de se abordar esta questão com muita calma, com dados.
E em relação à defesa?
O tema da defesa é parecido ao da transição verde. Não conseguimos ter uma indústria da defesa forte sem um boost na economia. Com que dinheiro é que conseguiremos reforçar este setor se não houver uma dinâmica saudável na economia? Por exemplo, nos Estados Unidos investem-se entre sete a oito mil milhões de dólares por ano no setor da defesa. A Europa ainda está muito, muito longe.
A defesa, neste momento, é um setor muito interessante porque temos às portas da Europa uma guerra muito bárbara e violenta, o que nos leva a ter de reforçar a proteção dos nossos valores europeus, em primeiro lugar e em segundo lugar, a apostar na indústria da defesa. Por exemplo, a Airbus tem uma divisão de defesa e aeroespacial, e que fornece peças a nível internacional. Existe espaço para irmos mais longe como no setor da náutica ou no combate ao terrorismo.
Mas essa aposta tem de acontecer noutros países mais pequenos da Europa para haver um equilíbrio. A Europa não pode ser só a Alemanha e a França e por isso é que a CIP é parceiro estratégico para o Medef.
Que outros temas são importantes para o Medef para a próxima legislatura?
Há um excesso de regulação e controlo, achamos que são demasiado rigorosos e devia ser mais relaxado tendo em conta a perda de competitividade para os mercados internacionais. O mercado de capitais tem de ser mais dinâmico. A mobilidade para estágios, por via do programa Erasmus+, tem de ser reforçada porque precisamos de mão-de-obra mais qualificada na Europa e ainda aumentar o ritmo de investimento e inovação.
A que se deve esta visita a Portugal?
Temos muitas empresas francesas instaladas em Portugal, no setor da indústria química, energético, eletrónico, tecnológico, etc. Esta presença é muito importante mas obviamente precisamos – e podemos – fazer muito mais, e foi isso que nos trouxe aqui.
Obviamente, que o setor energético, sobretudo na área do hidrogénio, é-nos muito interessante especialmente agora que vai avançar a construção do corredor de energia “verde”, entre Portugal, Espanha e França. Os estudos já começaram, embora a um ritmo muito lento. Estamos sempre a queixar-nos disso dada a urgência desta infraestrutura.
Mas houve muita resistência da parte de França para que este projeto avançasse. Tanto que, a solução que acabou por vingar foi a ligação por mar por Marselha e não pelos Pirinéus.
Sim, mas não por falta de vontade. Penso que os principais motivos que atrasaram esta decisão prendiam-se com motivos técnico-financeiros. A infraestrutura pelos Pirinéus deu origem a muitas críticas e contestações, sobretudo das ONG. Tornou-se numa discussão muito morosa, que consome muita energia das partes envolvidas e não temos esse tempo. E além disso, falamos de um trabalho muito técnico e muito caro.
É um projeto demasiado caro para o interesse de França, que é um exportador de eletricidade, e por isso, ao invés, de deixarmos o projeto parado no tempo, avançamos com esta alternativa por Marselha que acaba por trazer mais valor acrescentado para França, Espanha e Portugal.
Agora a nossa queixa é que o processo está a avançar demasiado devagar, mas isso é transversal entre várias agendas e por isso é que discutimos com a CIP que devemos impulsionar a cooperação entre os dois países. Queremos que haja um encontro anual entre os empresários franceses e portugueses.
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Com crescimento dos EUA e China, “a Europa tornou-se num museu”
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