“Com esta fragmentação do eleitorado vamos ter muito poucas maiorias absolutas”

Ricardo Rio defende que os executivos camarário sejam monocolores. Manter a atual situação "é um fator de ameaça à capacidade de execução da própria Câmara", diz no ECO dos Fundos.

Ricardo Rio há muito que defende uma alteração na formação dos executivos camarários, para que possam ser escolhidos a partir das assembleias municipais. “Não esperei pelo leite derramado para ter essa opinião de que os executivos municipais deviam ser executivos monocolores“, disse o autarca de Braga que está em fim de mandato.

No ECO dos Fundos, o podcast quinzenal do ECO sobre fundos europeus, Ricardo Rio sublinha que a questão se tornou mais “pertinente” porque com “esta fragmentação do eleitorado” “vamos ter muito poucas maiorias absolutas, seguramente”. “O que estamos a pôr em causa já não é só a governabilidade da Câmara, é a operacionalidade das Câmaras Municipais“, alertou. Consciente de que teve a vida facilitada já que governou sempre com maioria, Ricardo Rio afirma que ter um executivo camarário partido “é um fator de ameaça à capacidade de execução da própria Câmara”.

Sobre o futuro, Ricardo Rio diz que vai voltar à vida académica e a ser consultor. “Não me sinto hoje motivado para exercer nenhum cargo político”, reconhece. “A política está fortemente desprestigiada, está até, em muitos casos, colocada num patamar indigno e acho que isso não motiva muita gente que tenha outras alternativas para exercer cargos públicos”. O autarca nos últimos dias de mandato diz que vai fazer “um pousio, pelo menos, se não uma interrupção definitiva na minha vida pública e política”, mas frisa: “Nunca digas nunca, diz o James Bond e digo eu também”.

Está nos últimos dias de mandato. Estamos a dias de ir às urnas para as eleições autárquicas. Sai com a sensação de dever cumprido?

Completamente. A ambição que tinha quando fui eleito — já antes de ser eleito, porque fui candidato duas vezes e não venci as eleições — era poder traduzir em Braga um modelo de desenvolvimento que pudesse mudar a realidade da cidade, que pudesse aproveitar o potencial dos recursos que a cidade tinha e acho que, 12 anos volvidos, essa missão está completamente cumprida. Braga hoje é uma cidade que mantém um excelente padrão de qualidade de vida para as pessoas, tem vindo a atrair muitas pessoas à cidade, nacionais e internacionais. Foi uma das cidades, se não a cidade, que mais cresceu em população em termos absolutos nos últimos anos no país. Tem um grande crescimento económico, é um potentado do ponto de vista cultural, tem uma responsabilidade social também muito ativa, com muitos programas que pretendem atingir as franjas da população mais desfavorecidas e, área por área, da governação municipal, acho que houve uma grande qualificação, grandes projetos que mudaram de facto a realidade.

Mas reconhece que continuam a permanecer problemas estruturais, como habitação ou mobilidade. O que é preciso fazer nessas áreas?

Em todas as cidades, mal era se não houvesse problemas para resolver. Os novos presidentes não teriam trabalho para fazer. Mas nestas duas áreas em particular, que aliás são muito transversais daquilo que vamos ouvindo neste período de debate aos principais centros urbanos, e não só — a questão da habitação é uma questão transversal à escala globaltêm de ser criadas condições para reduzir os preços, por um lado, e isso passa muito por uma intervenção do lado da oferta em termos de expansão da quantidade, da qualidade e também da regulação dos incentivos para que os preços possam ser mais baixos.

Mais uma ação central do Estado ou dos municípios? A resposta tem de ser municipal?

Os municípios são parceiros, mas a ação tem de ser central e até transnacional, porque este é um desafio global. A própria União Europeia está a alocar verbas cada vez maiores à área da habitação, porque tem consciência que esta é uma matéria que exige, de facto, uma ação concertada para mitigar este impacto de um crescimento exponencial dos preços que se verificou e que se sofre mais num país como Portugal, em que os salários médios são muito mais baixos. Quando temos preços como aqui em Lisboa, que são superiores aos de Bruxelas e que os salários aqui são, seguramente, bastante mais baixos, isto cria um problema social muito maior e que depois se replica pelos outros concelhos, como Braga, que também sofreu esse agravamento de custos.

Quando temos preços como aqui em Lisboa, que são superiores aos de Bruxelas e que os salários aqui são, seguramente, bastante mais baixos, isto cria um problema social muito maior e que depois se replica pelos outros concelhos.

Do ponto de vista da mobilidade, há aqui uma questão que é incontornável e que é cultural. A resolução dos problemas de mobilidade faz-se com uma mudança do paradigma de mobilidade. Não é criando novas vias, não é resolvendo o problema do trânsito, é fazendo migrar os utilizadores para outras formas de transporte, para outras formas de deslocação dentro das próprias cidades, por razões ambientais, por razões de eficiência económica, por razões de conforto e segurança também, em muitas ocasiões. Esse é um esforço geracional que tem de ser feito. Por exemplo, em Braga temos investido muito na aculturação dos mais jovens, com projetos como o School Bus, com projetos como o Pedibus, o Bike Train que fazemos para mobilizar os mais jovens para usarem as deslocações pedonais, em bicicleta ou em transportes públicos. Mas há aí muito investimento também a fazer.

Uma mudança de apoios da renda acessível para uma renda moderada de 2.300 euros, parece-lhe ser o caminho para resolver os problemas? 2.300 euros é um valor com o qual Braga se identifica?

Não se identifica, mas como o próprio ministro fez questão de frisar, e acho que qualquer pessoa, de uma forma isenta, tem de reconhecer, não estamos a nivelar os preços por cima, estamos a alargar o universo de beneficiários elegíveis para efeitos deste tipo de apoio.

Não acha que isto vai implicar automaticamente uma subida das rendas?

Não acho. Não acho de todo.

Ricardo Rio considera que o problema da habitação tem de ser resolvido de “forma transversal”. O presidente da Câmara Municipal de Braga, em entrevista ao podcast “ECO dos Fundos” acredita que alargar as medidas de apoio às rendas para os 2.300 euros não vai inflacionar os preços das rendas.Hugo Amaral/ECO

É o mesmo que estamos a assistir com a questão da garantia pública. A partir do momento em que o Estado apoia através da garantia pública, os preços não param de subir.

Os preços não têm parado de subir por vários fatores, não será seguramente por força da existência da garantia pública. Aqui também se coloca exatamente a mesma questão. Estamos a alargar o leque de beneficiários porque, efetivamente, há territórios em que este valor é um valor realista, é um valor que impacta na classe média. Não estamos a falar de pessoas com grandes posses económicas que estejam a pagar rendas de 2.300 euros. A classe média hoje está — em Lisboa e noutras cidades por todo o país (ainda não em Braga, felizmente) — a pagar valores dessa natureza e, portanto, obviamente, face aos rendimentos que têm, carece desse tipo de apoio, mas todos os outros, com níveis de rendas mais baixos e com níveis de aquisição mais baixos, no caso da supressão do IVA, vão beneficiar e isso é uma medida positiva. E a do IVA [descida do IVA de 23% para 6% para casas vendidas por menos de 645 mil euros ou alugadas por menos de 2300 euros] então nem se fala. É algo que vínhamos reivindicando há muitos anos a esta parte esta redução dos 6%. Mas aí também poderá dizer: vai baixar para 6% e os construtores vão aproveitar esse diferencial, essa margem para poder agravar os custos. Obviamente, que depois terá de existir uma regulação do mercado, mas acho que não vai haver uma propensão para nivelamento por cima dos preços.

Uma das questões que está a marcar a campanha em Braga é a ideia de se criar uma área metropolitana. Já o defendeu. Chegou a dar alguns passos para tentar criar esta área metropolitana que agregue as várias autarquias do Minho?

Sim, e no sentido que julgo ser mais importante neste momento, que é de robustecer a cooperação entre o território e entre os agentes desse mesmo território. Se olharmos aquilo que se passou ao longo dos últimos meses, tenho de destacar duas iniciativas particularmente importantes nesse sentido. Uma primeira é a colaboração que foi estabelecida na presença até do ministro Castro Almeida entre a comunidade intermunicipal do Ave e do Cávado para partilharem políticas futuras em diversas áreas de intervenção. Se calhar uma das mais impactantes para os cidadãos, a área da mobilidade, das soluções de transporte através de uma concessão única do sistema de transporte, robustecendo e dando escala à concessão que ali vai ser realizada, em substituição das que hoje existem, que são fracionadas, mas também em outras áreas, de captação de fundos, da proteção civil, da gestão urbanística, estreitando laços entre as duas comunidades, que depois se pretende estender também para a Comunidade Intermunicipal do Alto Minho.

E, mais recentemente, a formalização do Pentágono Urbano. Tínhamos uma associação de adesão voluntária que juntava os quatro principais conselhos, em termos de dimensão, nesta região — Braga, Barcelos, Vila Nova de Famalicão e Guimarães — agora estendemos também para Viana do Castelo. Temos hoje neste pentágono urbano, como assim foi designado, mais de 800 mil habitantes, temos um leque muito substancial dos concelhos mais exportadores do país, temos infraestruturas portuárias de diversa natureza, que seguramente vão criar uma massa crítica, que depois, em efeito mancha de óleo, vão contaminar positivamente os territórios adjacentes e, de certa forma, criar condições para que este território do Minho, de Viana do Castelo e Braga, possam ter, no futuro, o reconhecimento como área metropolitana.

Não esperei pelo leite derramado para ter essa opinião de que os executivos municipais deviam ser executivos monocolores.

Será a área metropolitana do Minho?

Sim, é essa, a designação que defendemos.

Aposto que gostaria mais que fosse a área metropolitana de Braga.

Não, ao contrário, não temos essa dimensão centralista.

Nestas eleições autárquicas estamos a perceber que estão a surgir três grandes partidos autárquicos, o que é uma novidade. Isso implica obrigatoriamente uma alteração na formação dos executivos camarários, para que possam ser escolhidos a partir das assembleias?

Defendo há muitos anos a esta parte. Não esperei pelo leite derramado para ter essa opinião de que os executivos municipais deviam ser executivos monocolores, formados pelo presidente de acordo com aquilo que fossem as suas opções de governação do território e muito escrutinados e muito acompanhados pelas assembleias municipais. Ou seja, ao invés de termos, como hoje acontece num concelho como o de Braga, sete, oito assembleias municipais por ano, teríamos uma reunião mais frequente, um acompanhamento mais próximo dos assuntos municipais e o Executivo, do ponto de vista daquilo que é autónomo e da sua gestão, faria a sua gestão com base numa equipa que fosse selecionada pelo presidente da câmara. Hoje isso vai-se tornar bastante mais pertinente porque com esta fragmentação do eleitorado vamos ter muito poucas maiorias absolutas, seguramente. Isto não é apenas uma questão de estímulo à democracia, porque há quem diga: ‘mas isso é muito positivo, porque vamos pôr as pessoas a terem de dialogar, a terem de chegar a consensos’. Os consensos, quando são necessários, são sempre atingidos, existam ou não maiorias absolutas. O que estamos a pôr em causa já não é só a governabilidade da câmara, é a operacionalidade das câmaras municipais.

“hoje a política está fortemente desprestigiada, está até em muitos casos colocada num patamar indigno”, diz Ricardo Rio, presidente da Câmara Municipal de Braga, em entrevista ao podcast “ECO dos Fundos”Hugo Amaral/ECO

Numa câmara como a de Braga, uma força maioritária, ter em vez de seis ou sete vereadores, como tive durante os meus mandatos, quatro ou três ou cinco, ou o que seja, que venha a resultar deste ato eleitoral, limita a capacidade de execução do Executivo, limita a capacidade de distribuição de pelouros pelos membros da própria equipa. Isso, do ponto de vista operacional, é um fator de ameaça à capacidade de execução da própria câmara. O que poderá acontecer em Braga, vai acontecer seguramente a muitos outros conselhos, porque não são só as três forças partidárias. Há candidaturas independentes, que também vemos, muitas vezes, por força dos processos de sucessão, uma fragmentação também dos próprios partidos do arco do poder. Temos outras forças políticas, a IL, o Livre, o PCP, que seguramente vão eleger em muitos locais, e isso vai determinar executivos muito fracionados, com dificuldades acrescidas, e se calhar não apenas nos executivos, mas também nas assembleias municipais, Mas nas assembleias municipais, aí sim, depois a democracia cuidará de promover esses tais consensos.

Ao fim de 12 anos está em limite de mandatos, o que é que vai fazer a seguir?

Vou voltar para a minha vida profissional, quer académica, quer como consultor, hoje seguramente bebendo muito da experiência que tive durante estes anos e do conhecimento profundo que tenho da realidade dos territórios, da vivência da administração das cidades, a nível nacional e internacional. Mas durante uns tempos, como também já tive a oportunidade de tornar público diversas vezes, fazendo um pousio, pelo menos, se não uma interrupção definitiva na minha vida pública e política.

Esse pousio pode ser de quanto tempo?

Nunca digas nunca, diz o James Bond e digo eu também. Mas não me sinto hoje motivado para exercer nenhum cargo político, como me senti no passado, para ser presidente de Câmara de Braga. Ser presidente de câmara é um dos espaços mais nobres, e mais entusiasmantes até, que alguém pode ter do ponto de vista do exercício de algo no âmbito do serviço público. Não sinto essa mesma motivação em relação a nenhum outro cargo. Acho que hoje a política está fortemente desprestigiada, está até em muitos casos colocada num patamar indigno e acho que isso não motiva muita gente que tenha outras alternativas para exercer cargos públicos.

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