Xoán Mao, secretário-geral do Eixo Atlântico, deixa duras críticas à postura de Espanha no relacionamento com Portugal e considera que as últimas cimeiras entre os dois países "foram uma trapalhada".
Nascido em 1992, o Eixo Atlântico começou por querer fazer ouvir as cidades do Norte de Portugal e da região espanhola da Galiza junto da Comissão Europeia. No entanto, ao fim de 31 anos, as relações ibéricas são o ponto forte da entidade, que reúne 41 municípios. Em entrevista ao ECO, o secretário-geral do Eixo Atlântico deixa duras críticas ao papel de Espanha na cooperação ibérica e compara as relações com Portugal às ligações entre irmãos.
Classificando as duas últimas cimeiras ibéricas como uma “trapalhada”, Xoán Mao deixa elogios ao primeiro-ministro português e entende que António Costa pode ter futuro na Comissão Europeia. Sobre as relações com o presidente da Câmara do Porto, o secretário-geral do Eixo Atlântico afasta qualquer desentendimento com Rui Moreira.
Qual é o papel do Eixo Atlântico na definição das políticas de Portugal e de Espanha? Sentem-se ouvidos a nível político?
O Eixo Atlântico nasceu em 1992 e já teve diferentes fases, adequando-se a cada período da História. Começou quando Jacques Delors era o presidente da Comissão Europeia – a melhor época da Europa – e nasceu como um lóbi das cidades para se fazerem ouvir em Bruxelas, mas também ter influência junto dos governos de Madrid e de Lisboa. Foi isso que permitiu desbloquear o investimento da autoestrada entre Paredes de Coura e Valença, que tinha sido bloqueado pelo Governo de Cavaco Silva e que tinha levado [o investimento] para o Algarve.
Juntos, podemos chegar a lugares que a nível individual nunca iríamos conseguir. As Câmaras do Porto ou de Santiago de Compostela podem ter algum peso, a nível individual, mas muitas das nossas cidades, na altura em que nascemos, não conseguiriam chegar a Bruxelas em termos individuais. Com o Eixo Atlântico, em conjunto, conseguimos chegar.
Os fundos europeus, no entanto, só chegam a cada sete anos. Apercebemo-nos, por isso, que tínhamos um enorme potencial e podíamos conseguir ir além dos fundos europeus. Transformámos o Eixo Atlântico numa espécie de agência de desenvolvimento conjunta, que começou a fazer ações de cidadania a nível europeu. Habitação, transportes, cultura e desporto foram algumas das áreas em que apostámos.
O Eixo Atlântico começou por participar muito na União Europeia. Hoje em dia, sentem-se mais ouvidos pelos Governos de Portugal e de Espanha ou por Bruxelas?
Hoje em dia, Bruxelas não tem muito perfil político, ao contrário do que acontecia nos tempos de Jacques Delors. A atual presidente da Comissão Europeia não foi primeira-ministra, em oposição ao que aconteceu com Durão Barroso, por exemplo. Os países recuperaram muitas das competências que Bruxelas tinha. Atualmente, os únicos objetivos da União Europeia são a guerra na Ucrânia e a energia. Por isso, o papel das cidades e das redes é distinto na definição das políticas urbanas e da sustentabilidade.
Este é um dos melhores momentos que temos com o Governo português. Já falei com Mário Soares, António Guterres, Pedro Passos Coelho — pessoa muito honesta, apesar das nossas discordâncias — e com José Sócrates, mesmo não tendo sido uma época fácil. Com António Costa, está a ser uma época muito boa. Temos uma grande identificação no que tem a ver com o desenvolvimento económico, com as infraestruturas e com o relacionamento entre Espanha e Portugal. Talvez seja o momento em que menos vou a Lisboa. Não preciso de lá ir porque as coisas estão a correr muito bem.
Que balanço fazem da mais recente cimeira ibérica, de Lanzarote?
As duas últimas cimeiras ibéricas foram uma trapalhada.
Ainda há pouco elogiou muito o primeiro-ministro português.
Não falei do Governo espanhol. Temos de os pressionar muito. Desde os tempos de Franco que Espanha olha muito para o Mediterrâneo, levando para lá os investimentos. Isso levou a que mais pessoas se instalassem lá, o que depois leva a que a região tenha mais deputados. O atual Governo espanhol depende de muitos votos. Não é a melhor época com eles.
Talvez seja o momento em que menos vou a Lisboa. Não preciso de lá ir porque as coisas estão a correr muito bem
Disse que as duas últimas cimeiras ibéricas foram uma “trapalhada”. O que explica que dois líderes de Governo da mesma área política não consigam fazer avançar os respetivos países?
Portugal continua a não ser uma prioridade para Espanha. A cimeira de Lanzarote foi uma coisa inacreditável. Ninguém sabia da cimeira, mesmo pessoas que estão na comissão dos Negócios Estrangeiros, que organiza as cimeiras. Nem havia uma ordem de trabalhos estabelecida. Por exemplo, é inacreditável que a prioridade numa conferência de imprensa da ministra da Coesão Territorial seja para falar das aldeias na fronteira.
Uns meses antes, houve uma cimeira ibérica em Viana do Castelo. A reunião oficial durou hora e meia e depois houve um almoço de duas horas. As cimeiras de Espanha com França e Alemanha duram mais tempo. Espanha continua sem levar a sério a Portugal. Se algo está agora a mudar, é porque Espanha precisa de Portugal.
Em que sentido?
António Costa tem muito mais peso político em Bruxelas e tem muito mais chances de ir para lá no futuro do que Pedro Sánchez, pois este teve os comunistas [partido Unidas Podemos] no Governo. Sánchez precisa do apoio de António Costa. Espanha não tem uma visão estratégia da Península Ibérica.
Portugal tem essa visão?
Portugal tem duas visões estratégicas muito importantes: a Península Ibérica e a maritimidade. Espanha não tem o Ministério do Mar, ao contrário do Governo português [Ministério da Economia e do Mar]. Espanha não tem política marítima, apesar de ter uma costa muito maior e de ter uma política para as pescas.
António Costa tem muito mais peso político em Bruxelas e tem muito mais chances de ir para lá no futuro do que Pedro Sánchez, pois este teve os comunistas [Unidas Podemos] no Governo.
A culpa da “trapalhada” nas últimas cimeiras ibéricas é exclusivamente de Espanha?
Não toda, mas maioritariamente. O relacionamento entre Portugal e Espanha é como o de um irmão mais novo com o mais velho. O irmão mais novo quer e gosta do irmão mais velho, mas está farto dele. Há um relacionamento extraordinário e há carinho, como dois irmãos. O irmão mais velho, no entanto, está sempre preocupado com a banca e as finanças. Só que o irmão mais novo tem muito mais peso político. A situação política em Portugal, mesmo não sendo maravilhosa, é muito melhor do que em Espanha, onde a extrema-direita pode chegar ao poder em dezembro.
Recentemente, o presidente da câmara do Porto defendeu a “necessidade de um alinhamento estratégico de Portugal e Espanha, nomeadamente em questões europeias” e sugeriu mesmo a criação de um Iberolux, uma espécie de Benelux. Qual é o seu comentário?
O Benelux surgiu antes da criação da União Europeia. Isso fazia sentido, pois havia um elemento comum para resolver a questão das fronteiras e promover a mobilidade dos cidadãos. Hoje, estando os dois países na União Europeia, não vejo a necessidade de criar esta entidade, exceto para fins políticos. Não vejo caminho para o Iberismo porque Portugal e Espanha são países diferentes. Mesmo nós, galegos, temos relações mais próximas com os portugueses do que com os andaluzes. Antes da entrada na UE, o que poderia ter feito mais sentido era criar uma confederação ibérica, o que nada tem a ver com o Iberolux. Isso parece o nome de uma marca de aspirador.
A situação política em Portugal, mesmo não sendo maravilhosa, é muito melhor do que em Espanha, onde a extrema-direita pode chegar ao poder em dezembro.
Em que estado estão as relações com o presidente da câmara do Porto?
Por princípio, tenho boas relações institucionais com os municípios do Eixo Atlântico. Nunca tive problema com Rui Moreira. Se tem algum problema comigo, têm de lhe perguntar. Há uns anos fizemos um relatório com os alertas do turismo em massa. O presidente Rui Moreira chateou-se comigo porque viu ali um ataque à política turística do Porto como destino mundial. Nós não estávamos a atacar a política. Estávamos apenas a fazer alguns alertas, como acontece com Santiago de Compostela, Barcelona, Veneza. O presidente da Câmara de Santiago de Compostela leu o relatório e introduziu algumas medidas no imediato. A Câmara do Porto também acabou por fazer isso. Estão a fazer o que lhes propusemos. Depois do que se passou, não falámos sobre o assunto.
A Câmara do Porto continua no Eixo Atlântico?
Sim. Não tenho nada de mal a dizer do presidente Rui Moreira.
Quantos municípios estão neste momento no Eixo Atlântico?
Neste momento, são 41. Estamos a contar com mais adesões de autarquias da Galiza, o que deverá acontecer após as eleições regionais.
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“Costa tem muito mais peso político e chances de ir para Bruxelas do que Sánchez”
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