“Dificilmente, em muitas situações, o ser humano vai preferir falar com um robô”

É algo que "ainda" distingue os humanos dos robôs: "a inteligência emocional só pode ser gerida por uma pessoa neste momento", defende Pedro Gomes, CEO da Teleperformance.

A Teleperformance Portugal usa inteligência artificial nas soluções que disponibiliza aos clientes, incluindo algumas das maiores multinacionais do mundo, mas também a usa internamente, no recrutamento, formação e apoio aos trabalhadores, revela o CEO, Pedro Gomes.

A empresa, conhecida pelos call centers — mas que hoje é muito mais do que isso, assegura o gestor –, opera em algumas das áreas mais expostas à transformação da nova vaga de inteligência artificial generativa. Mas Pedro Gomes tem a convicção de que, nas situações mais complexas, como as que chegam à Teleperformance, os humanos irão sempre dar preferência por interagir com outros humanos, os únicos seres dotados “inteligência emocional”.

Das 14.500 pessoas que a Teleperformance emprega em Portugal, cerca de 2.500 trabalham na moderação de conteúdos em algumas das redes sociais mais conhecidas do público. Também aqui, os algoritmos já são capazes de despistar o conteúdo mais problemático, em benefício destes trabalhadores. Uma profissão que a Teleperformance reconhece ser de “desgaste rápido”, apesar de não ver “necessidade” de incluir isso na legislação laboral — a empresa já tem políticas internas, até por imposição das próprias multinacionais às quais presta serviços.

Pedro Gomes, CEO da Teleperformance, em entrevista ao ECOHugo Amaral/ECO

O que é que a Teleperformance tem feito com inteligência artificial? O que mudou com esta vaga que surgiu nos últimos anos?

A Teleperformance trabalha com inteligência artificial há muitos anos, apesar do hype [entusiasmo] que existe hoje, porque tem havido um desenvolvimento muito grande naquilo que a própria inteligência artificial é capaz de fazer, nomeadamente a generativa. Fazemo-lo internamente, nos nossos próprios processos, e externamente para os nossos clientes.

Internamente, temos inteligência artificial presente no nosso processo de recrutamento, no nosso processo de formação, no apoio aos nossos colaboradores e na análise analítica do que é o posicionamento do work-life balance dos colaboradores, por exemplo em termos de atribuição de horários que as pessoas valorizam em função das suas necessidades. Nós já utilizamos inteligência artificial em todas essas medidas.

De certa forma, são os bastidores do negócio…

Sim, é o core de funcionamento da empresa na gestão dos seus recursos humanos e dos seus recursos não humanos. Também fazemos muito para clientes em todas estas indústrias que eu referi [saúde, redes sociais, tecnologia, serviços públicos e viagens e turismo]. Não só ajudando os clientes a criar plataformas de self service que automatizam tarefas de baixo valor, para que possam reduzir os seus custos e ao mesmo tempo dar mais autonomia ao cliente, mas também para depois dotar as nossas equipas de maior competência e de ferramentas para terem um maior impacto positivo na gestão das fricções que existem entre os clientes e as marcas.

E no futuro, onde é que pode ser diferenciadora e ainda não é? Onde é que a inteligência artificial pode vir a ser revolucionária para o vosso negócio?

A aceleração tem sido tão rápida que é muito difícil fazer futurologia. O que nós achamos é que, apesar da existência de IVRs [atendimento telefónico automático] e da inteligência artificial, ainda hoje vemos uma grande preferência do ser humano de, quando tem efetivamente um problema, falar com outro ser humano. Uma questão é quando tem necessidade de uma informação, ou qualquer relação transacional com a empresa, e aí prefere muitas vezes ter autonomia para o fazer no seu próprio tempo, no seu próprio local, sem necessidade de interação com um humano.

Quando estamos a falar de resolver uma fricção, há ainda uma preferência para falar com um humano. À medida que estas soluções de automação e de inteligência artificial estão disponíveis, há também um aumento das expectativas do cliente do tipo de serviço que vêm a ter. O que nós esperamos, e estamos a continuar a desenvolver, é dar cada vez mais ferramentas aos nossos colaboradores para melhorar a qualidade da sua resposta para o cliente – garantir que cada vez que damos uma resposta a um cliente, a resposta está absolutamente correta em função da ajuda tecnológica que esse colaborador conseguiu obter.

Criar maior valor com o cliente, nomeadamente identificar padrões de preferências do cliente e dar ofertas ao cliente, dentro daquela marca que nós representamos, irá suprir outro tipo de necessidades. Portanto, tudo isto é inteligência que hoje se está a aplicar na indústria e que irá ter muito mais impacto nos próximos anos.

Vamos chegar a um ponto em que o cliente, nas situações mais complexas, preferirá falar com um robô em vez de com outro ser humano? Ou pela natureza humana, sempre que o tema for mais complexo, será sempre dada preferência a ter uma pessoa do outro lado da linha?

Eu acho que dificilmente…

Dificilmente vamos preferir interagir com inteligência artificial?

Dificilmente, em muitas situações, o ser humano vai preferir falar com um robô. Acho que em muitas situações vai ficar satisfeito por falar com um robô, em muitas outras vai preferir falar com um humano. Porque há algo que ainda distingue os humanos dos robôs, que tem a ver com a inteligência emocional. E a inteligência emocional só pode ser gerida por uma pessoa neste momento.

Não estou a dizer que isto nunca vai acontecer no futuro. Hoje não é uma realidade. E portanto, algo em que a Teleperformance tem investido muito e irá continuar a ser o nosso foco no futuro, é esta junção e esta simbiose entre inteligência artificial e inteligência emocional, para garantir que ambas estão disponíveis em determinado momento, nalguns casos só uma, e noutros só outra.

Dificilmente, em muitas situações, o ser humano vai preferir falar com um robô. Acho que em muitas situações vai ficar satisfeito por falar com um robô, em muitas outras vai preferir falar com um humano.

Segundo o relatório e contas de 2023 do grupo Teleperformance, houve uma desaceleração em Portugal no quarto trimestre na área de social media. O que é que aconteceu no quarto trimestre para haver este abrandamento do crescimento em Portugal? Esta tendência mantém-se?

Em 2023, nós vimos aqui vários fatores que influenciaram bastante o contexto de negócio da Teleperformance. Uma grande parte do negócio que prestamos em Portugal é a empresas de social media, incluindo no que diz respeito a apoio da atividade de digital marketing. Nós temos equipas enormes que dão suporte a pequenas e médias empresas que fazem investimento em marketing digital junto dos nossos parceiros, dando consultoria sobre como maximizar o investimento que fazem em marketing digital para fazer crescer o seu próprio negócio. Outra parte tem a ver com a moderação de conteúdos, garantir que o conteúdo que está presente nas redes sociais é seguro.

O que aconteceu durante 2023 foi que essas empresas tinham feito um crescimento acima do que seria, se calhar, o razoável, porque tínhamos vindo de um período em que as pessoas estavam confinadas, a utilização de redes sociais era muito maior, mesmo o investimento em marketing digital era muito maior, e houve um crescimento muito grande que em 2023 teve que ser ajustado àquilo que é a necessidade normal. Inclusivamente, Mark Zuckerberg, da Meta, chamou-lhe o ano da eficiência…

Num contexto muito específico da empresa dele…

Sim, mas a verdade é que este conceito depois foi seguido por muitas outras empresas. Nós vimos empresas de new tech, nomeadamente nos EUA, com enormes vagas de despedimentos. E quando essas empresas fazem esse esforço de reestruturação, nós, enquanto parceiro, também sentimos. O que nós estamos a ver já este ano é um regresso ao crescimento orgânico dessas atividades. Felizmente, este ano, já estamos novamente em rota de crescimento.

As perspetivas para o segundo semestre são boas, então?

O primeiro semestre já tem corrido bastante bem [a entrevista foi realizada no dia 12 de junho] e as perspetivas para o segundo semestre continuam boas, até por um efeito de comparação mais favorável.

Pedro Gomes, CEO da Teleperformance, em entrevista ao ECO Hugo Amaral/ECO

Um tema que passou um pouco ao lado de Portugal, mas foi bastante falado nos EUA, é o impacto que a moderação de conteúdos tem em quem a faz. Quando estas pessoas estão à procura de conteúdos que violam as políticas do Facebook, por exemplo, sabemos hoje que isso tem um impacto negativo na saúde mental. Implementaram alguma medida para ajudar os vossos trabalhadores nesse aspeto?

Nós temos essas medidas implementadas desde o início. Acho que há aqui alguns fatores que é importante ter em conta quando falamos deste tipo de atividade. Primeiro, hoje em dia, o algoritmo que essas marcas têm já é bastante eficaz em despistar automaticamente esse tipo de conteúdo. Diria que a percentagem de conteúdo que chamamos egregious content [conteúdo chocante] e que chega às pessoas é pequena, é bastante baixa.

Aí estamos a falar do pior que o ser humano coloca nas redes sociais?

Infelizmente, sim. Mas quando esse tipo de conteúdo é tão óbvio, o algoritmo filtra por ele próprio através de inteligência artificial. Quando chega às pessoas, estamos a falar de conteúdo que ninguém queria que estivesse disponível nas plataformas sociais. E de facto, nós temos que agradecer aos nossos colaboradores e a todas as pessoas que trabalham neste tipo de moderação de conteúdos, porque é um espírito de missão com um contributo enorme para a sociedade. Mas a componente desse tipo de conteúdo sobre o conteúdo total é bastante pequena. Grande parte da moderação de conteúdo que nós fazemos tem a ver com garantir que conteúdo criado especificamente para publicidade respeita as regras das empresas — portanto, não tem nada de egregious.

Nas situações em que as pessoas de facto gerem esse tipo de conteúdo, trabalham menos horas por dia do que as restantes e incluímos uma parte significativa do seu tempo para o que chamamos de wellness. Significa as pessoas poderem abstrair-se do trabalho, irem para salas que criamos para o efeito, e relaxarem, para se abstraírem. Temos apoio psicológico com psicólogos formados no escritório a quem as pessoas podem recorrer a todo o tempo. E não permitimos que as pessoas estejam a trabalhar nesse tipo de atividade durante muito tempo: fazemos alguma rotação para garantir que não há uma exposição prolongada àquele tipo de conteúdos.

Se calhar mais importante ainda é que, quando estamos a recrutar pessoas para este tipo de atividade, nós queremos garantir que sabem, têm a noção exata, de qual é o trabalho que vão fazer e que o vão fazer por um espírito de missão. Portanto, procuramos pessoas que efetivamente querem exercer aquele papel de missão de manter as redes sociais seguras para todos.

Quantas pessoas têm aqui em Portugal a tratar de moderação de conteúdos?

Em moderação de conteúdos devemos ter cerca de 2.500.

Já é uma quantia significativa.

Mas como disse, uma parte muito pequena do volume é conteúdo mais sensível.

Esta profissão deveria ser considerada em Portugal uma profissão de desgaste rápido?

Nós tratamo-la como uma profissão de desgaste rápido na medida em que não permitimos que as pessoas fiquem naquele tipo de atividade muito mais tempo.

Falo do ponto de vista da legislação laboral.

A legislação laboral deve, eventualmente, assegurar a proteção de colaboradores quando isso já não acontece. As empresas hoje têm essa consideração, e até os nossos clientes: mesmo quando nós estamos a falar de oportunidades para crescer o nosso negócio com potenciais marcas, são critérios essenciais de seleção que o empregador dê este tipo de condições às pessoas. Portanto, tudo isso está assegurado. Não vejo necessidade de a legislação ter isso em conta.

  • Diogo Simões
  • Multimédia

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