“É preferível os duodécimos a um mau Orçamento”

O economista Carlos Tavares gostaria de ver um acordo para o OE2025, mas considera que seria preferível governar em duodécimos a ter um Orçamento que comprometa as reformas para o futuro.

Carlos Tavares foi ministro da Economia, depois presidente da CMVM, presidente do Montepio e, neste momento, tem uma atividade regular no desenvolvimento de estudos e propostas, nomeadamente na área fiscal. O economista considera que a economia portuguesa mudou menos do que se quer fazer crer. Não gosta do slogan do plano de apoio à economia — o ‘pacotão’ –, mas apoia os princípios que estão implícitos, como o fim do complexo associado ao crescimento das empresas.

Portugal precisa de reformas e Carlos Tavares considera que a aprovação do Orçamento para 2025 não pode pôr em causa a liberdade do Governo para fazer essas mudanças. “Preferiria não ter Orçamento do que ter um mau Orçamento, ou seja, preferia ter de viver por duodécimos — porque, apesar de tudo, penso que seria possível e não tem a conotação negativa que por vezes se lhe atribui –, do que ter um Orçamento, por exemplo, que comprometesse o futuro“.

A economia portuguesa mudou de forma estrutural nos últimos dez anos?

Mudou menos do que aquilo que muitas vezes se quer fazer crer. Por exemplo, um dos sintomas que é apontado reiteradamente como sendo um sintoma dessa mudança estrutural é o facto de as exportações terem passado de, salvo erro, 30% do Produto [Interno Bruto] em 2010 para quase 50% em 2022, em 2023 já recuaram um bocadinho. Ora, analisando essa evolução, concluímos várias coisas. Em primeiro lugar, a evolução do valor acrescentado implícito nas exportações não teve um comportamento igual, ou seja, há também um aumento do peso do valor acrescentado, mas o aumento do valor acrescentado é praticamente metade do aumento do valor bruto das exportações. Em segundo lugar, há, sobretudo naquela fase recente de inflação, um contributo dos preços que não foi irrelevante para o aumento do peso das exportações no Produto. E se virmos, por exemplo, a evolução das vantagens comparativas reveladas nos setores principais de exportação com as exportações desses mesmos setores nos outros países, há em geral uma deterioração das vantagens comparativas reveladas. Ou seja, crescemos bastante, mas os outros cresceram mais. Além disso, se vir o Atlas da complexidade Económica de Harvard, que mede a complexidade das exportações, continuamos com uma posição muito modesta, muito desfavorável e, portanto, ao valor acrescentado das exportações.

Temos ainda o problema de escala das empresas.

E esse é um dos grandes problemas que se manifesta, primeiro, na capacidade de concorrência das empresas, quer na exportação, quer com as empresas internacionais que atuam no mercado interno. As empresas portuguesas perderam quota no próprio mercado interno. Infelizmente, toda a nossa política económica tem estado há muitos anos orientada para manter as empresas pequenas, desde os fundos estruturais que privilegiam as empresas mais pequenas até aos regimes fiscais…

Como o IRC progressivo.

O IRC progressivo não é uma situação comum na maior parte dos países, e a mensagem para as empresas é “se crescerem, passam a pagar uma taxa de IRC mais elevada, que pode atingir os 31,5%, uma das mais altas do mundo. Portanto, há uma série de elementos que incentivam as empresas a manterem-se pequenas. E a falta de dimensão tem reflexos na produtividade e na competitividade.

Não gosto da expressão [‘pacotão’], nem mesmo sem o aumentativo. Há muitas medidas que ainda precisam de ser concretizadas, mas o mais positivo é o pensamento que está refletido neste conjunto de medidas e orientações. Desde logo este que acabamos de falar, ou seja, a quebra do complexo relativamente à dimensão das empresas, dizendo que o objetivo é termos empresa maiores. Ou frisando que é preciso reindustrializar, ou uma coisa tão simples como é pôr o Estado a pagar a tempo e horas às empresas.

O Governo já passou os 100 dias, e apresentou o chamado ‘pacotão’ para a economia. Que avaliação faz deste plano… também lhe chama ‘pacotão’?

Não gosto da expressão, nem mesmo sem o aumentativo. Há muitas medidas que ainda precisam de ser concretizadas, mas o mais positivo é o pensamento que está refletido neste conjunto de medidas e orientações. Desde logo este que acabamos de falar, ou seja, a quebra do complexo relativamente à dimensão das empresas, dizendo que o objetivo é termos empresa maiores. Ou frisando que é preciso reindustrializar, ou uma coisa tão simples como é pôr o Estado a pagar a tempo e horas às empresas. Portanto, em termos de orientações e pensamento subjacente, há uma mudança significativa e espero que na concretização das medidas, e outras que não estão, como a derrama estadual de IRC, este pensamento tenha uma tradução prática. É a única forma que temos hoje de ganhar competitividade e de crescer. E não basta a parte da economia, a administração pública tem que ser eficiente, o processo orçamental tem de ser eficiente, temos que olhar para a Segurança Social, também. Outro aspeto de que também tenho falado bastante é a necessidade de um processo muito abrangente, generalizado, de recapitalização das empresas.

Há um peso enorme de empresas com capitais próprios negativos.

Não podemos viver com situações de descapitalização das empresas. Nos últimos números que vi, da Central de Balanço do Banco de Portugal, 37% das empresas tinham resultados negativos e em 25% tinham capitais próprios negativos. Por exemplo, é preciso eliminar de uma vez por todas a discriminação fiscal entre capital próprio e dívida. Na SEDES, no âmbito da reforma fiscal, sugerimos inclusivamente uma solução e um caminho para essa solução.

Preferiria não ter orçamento do que ter um mau Orçamento, ou seja, preferia ter de viver por duodécimos – porque, apesar de tudo, penso que seria possível e não tem a conotação negativa que por vezes se lhe atribui -, do que ter um Orçamento, por exemplo, que comprometesse o futuro, que criasse encargos e que limitasse até a liberdade do próprio Governo de tomar medidas mais estruturais. Este Governo precisa de tempo também para pensar e para conceber as reformas estruturais, e aplicá-las no futuro.

Para as empresas, para a economia, é importante que haja um Orçamento aprovado ou partilha da opinião do sobre o Orçamento em duodécimos?

Vou dizer uma coisa que tem de ser entendida com alguma prudência. Preferiria não ter Orçamento do que ter um mau Orçamento. Ou seja, preferia ter de viver por duodécimos — porque, apesar de tudo, penso seria possível e não tem a conotação negativa que por vezes se lhe atribui –, do que ter um Orçamento, por exemplo, que comprometesse o futuro, que criasse encargos e que limitasse até a liberdade do próprio Governo de tomar medidas mais estruturais. Este Governo precisa de tempo também para pensar e para conceber as reformas estruturais, e aplicá-las no futuro. Portanto, entre não ter um Orçamento aprovado e ter um Orçamento que comprometa a capacidade de fazer essas reformas, francamente, por estranho que pareça, preferia a primeira opção.

A discussão, neste momento, passa por exemplo pela limitação à redução do IRC para garantir a abstenção do PS e a viabilização do Orçamento.

Claro, se fosse possível um acordo… Esta questão da necessidade de reformas já não é uma luta partidária e, por uma vez, esta discussão tem de se fazer. Temos dois caminhos para o futuro… um é de complacência, continuarmos como estamos, crescermos um bocadinho mais do que a média, e vamos vivendo. Depois, quando as coisas apertam e acontece qualquer coisa que nos ajuda, tem sido um bocadinho a nossa tradição…

E o outro caminho?

Então, o caminho da ambição que tem de ser de facto partilhada ou, pelo menos, tem de haver alguma consciencialização de uma base política alargada, para mudar de vida.

As reformas são difíceis porque têm custos, desde logo eleitorais.

Admitiria que isto não fosse tão difícil de acordar, até porque às vezes há a ideia de que as reformas são negativas, que as pessoas não gostam e que são impopulares. Primeiro, nem todos são necessariamente impopulares. Segundo, se forem bem explicadas e se se encontrar um mecanismo que compense os perdedores… Nas reformas, há quem ganhe e há quem perca. A arte, aí, estará em ter mecanismos de transição que compensem os perdedores de curto prazo em nome dos benefícios de longo prazo, onde, em princípio, todos devem ganhar. Se fosse possível um Orçamento com este horizonte, é se possível, até, a aprovação de um Orçamentos de médio prazo, com base em taxas de juro normais, talvez se evitasse esta discussão ano a ano, em outubro, e depois as decisões sob pressão com o objetivo exclusivo de passar o Orçamento, qualquer que ele seja, podem comprometer um pouco esse futuro.

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