Joana de Sá é a advogada do mês da edição de setembro da Advocatus. Para a sócia da PRA será essencial fazer o caminho da inovação, da criatividade e da digitalização na advocacia.
Joana de Sá, sócia do departamento de laboral da PRA – Raposo, Sá Miranda & Associados, esteve à conversa com a Advocatus e sublinhou que acredita que o efeito da pandemia vai perdurar no tempo. Para a advogada, ninguém estava preparado para a dimensão das consequências da pandemia e que as “empresas e os trabalhadores revelaram uma razoável capacidade de adaptação” ao regime de teletrabalho.
Face à pandemia Covid-19, que impôs uma nova forma de trabalhar, considera que o Código de Trabalho estava preparado para esta nova realidade?
Desde a revisão ao Código de Trabalho, que ocorreu em 2009, que se encontra prevista a “figura” do teletrabalho. A minha opinião é que, de um modo geral, a regulação existente serve para acautelar questões básicas desta forma de organização do trabalho, como por exemplo: a propriedade e utilização dos instrumentos de trabalho, a responsabilidade pela sua manutenção e pelo pagamento das inerentes despesas de consumo e de utilização, a indicação do período normal de trabalho ou as questões remuneratórias. No entanto, a generalização deste novo modelo e, principalmente, a tendência a que assistimos para a criação de modelos mistos, que coordenam trabalho presencial com trabalho remoto, virá suscitar questões novas para as quais, me parece que, a atual regulação não oferece resposta cabal. Adicionalmente, questões ligadas ao controlo da assiduidade, gestão da performance do trabalhador e direito ao desligamento deverão, na minha opinião, merecer a atenção do legislador em face desta nova forma de viver e de trabalhar.
Sente que as empresas estavam preparadas para adotar o regime de teletrabalho e providenciar todas as condições para esse fim aos seus trabalhadores?
Penso que ninguém estava, efetivamente, preparado para a dimensão das consequências da pandemia que ainda vivemos. No entanto, alguns setores de atividade, principalmente na área de IT e consultoria e suporte, vinham já há alguns anos desenhando um caminho que radica na digitalização e na conciliação entre a vida pessoal e profissional que se funde, inevitavelmente, com a figura do trabalho remoto. Senti que para estas empresas, o fenómeno foi sim o da aceleração de processos e de implementação de ferramentas de operacionalização. Para as demais, e não obstante a “impreparação” que pudesse existir a verdade é que, ainda que fruto das medidas de confinamento obrigatório e de determinação do teletrabalho como regra, as empresas e os trabalhadores revelaram, na minha opinião, uma razoável capacidade de adaptação esta forma de organização do trabalho. No que toca à condições disponibilizadas aos colaboradores, e considerando o período atípico vivido penso que poderão e deverão nesta nova fase ser revistas obrigações tão relevantes como as ligadas à saúde e segurança no trabalho, mesmo em ambiente remoto. Outra nota particular para, o facto de até ao passado mês de junho, o trabalho remoto ter sido prestado, para a generalidade dos colaboradores com filhos, num ambiente igualmente atípico e que exigiu que a par da prestação das tarefas laborais se desse o imperativo acompanhamento familiar, o que motivou um natural desgaste adicional e em algumas situações quebra da performance do colaborador.
As empresas e os trabalhadores revelaram, na minha opinião, uma razoável capacidade de adaptação esta forma de organização do trabalho.
Quais são as aspetos que o legislador nacional deverá debruçar-se com urgência, no âmbito laboral?
Tal como referi, creio ser essencial o legislador sentir o pulso desta nova realidade de organização das empresas e dos seus recursos humanos, e fazer refletir na lei a criação de novos ou renovados mecanismos de organização da prestação laboral. Adicionalmente, o legislador nacional tem ainda que proceder à transposição, até agosto de 2022, da Diretiva Comunitária do Parlamento e do Conselho relativa à conciliação entre a vida profissional e a vida familiar dos progenitores e cuidadores que, de entre outras disposições, pela qual se determina aos Estados Membros, a adoção de regimes de trabalho flexíveis para trabalhadores com filhos até 8 anos de idade, pelo menos.
Uma das dúvidas frequentemente suscitadas pelos trabalhadores em regime de teletrabalho, é quando é considerado um acidente de trabalho, estando em trabalho remoto. Existe uma resposta a esta pergunta?
A caracterização como acidente de trabalho está diretamente ligada a fenómeno se verifique durante a realização das tarefas do trabalhador, em tempo e no local de trabalho, e produza direta ou indiretamente lesão corporal, perturbação funcional ou doença de que resulte redução da capacidade de trabalho ou de ganho, ou ainda a sua morte. Assim, se o trabalhador se encontra em regime de teletrabalho ou trabalho remoto, e o fenómeno ocorreu em período normal de trabalho e em contexto das tarefas desenvolvidas pelo trabalhador, será considerado como acidente de trabalho. Mas, para esse efeito é mandatório que a entidade empregadora comunique à seguradora, com quem contratou a cobertura obrigatória de acidentes de trabalho, esta circunstância: local do risco passa a ser a residência habitual do trabalhador. Nesta linha, os acidentes que ocorram fora da residência habitual, que é a indicada pelo trabalhador, não serão considerados, a não ser que sejam no âmbito de tarefas determinadas e autorizadas pelas entidades patronais, por exemplo, deslocações às instalações da empresa, a clientes ou a serviços por indicação da entidade empregadora.
Resta referir que, naturalmente, estão excluídos de tal cobertura acidentes que tenha ocorrido no âmbito da prática de atos da vida pessoal, por exemplo, tomar banho ou cozinhar, ainda que naquele local de risco acima indicado.
Que previsão faz para o setor laboral nos próximos meses?
As mais recentes previsões da Organização Internacional do Trabalho, estimam que a crise motivada pela pandemia Covid-19 faça desaparecer 6,7% das horas de trabalho, a nível mundial, no segundo trimestre de 2020 – o equivalente a 195 milhões de pessoas com emprego a tempo completo. Em Portugal, e da experiência direta com o setor laboral e as empresas, estou convencida que em algumas áreas particulares como hotelaria, restauração, serviços de suporte administrativo e em alguns segmentos da indústria assistiremos, nos próximos meses, despedimentos de forma massificada, não só pela perda de capacidade produtiva ou mesmo pelo encerramento definitivo de algumas empresas ou estabelecimentos destas, mas também pela inevitabilidade de aquelas se reajustaram a um novo modelo de trabalho que será necessariamente mais digital. No entanto, posso desde já partilhar que outros setores existem, principalmente na área da indústria com vocação exportadora, que estão a ser positivamente surpreendidos com um aumento das encomendas e a desenhar já planos de reforço dos seus recursos humanos para o segundo semestre de 2020.
Em algumas áreas particulares como hotelaria, restauração, serviços de suporte administrativo e em alguns segmentos da indústria assistiremos, nos próximos meses, despedimentos de forma massificada.
Fundou em 2001 a JDS Advogados, e passado 16 anos integrou a sociedade na PRA. O que motivou esta integração?
Tomei a decisão de integração, por perceber que entre a JDS Advogados e a PRA existiam coordenadas essenciais como partilha de valores, de vontades e de objetivos. Na JDS procurei sempre fazer da diferença uma forma de estar, e encontrei na PRA não só essa mesma visão, como a oportunidade de firmar uma união potenciadora de sinergias e de valências, resultando numa sociedade de advogados mais sólida e dinâmica. Para além disso, procurava garantir aos meus clientes uma presença nacional, mas sem nunca perder a relação direta com os mesmos, sendo que esta última característica era, como ainda é, sem dúvida um dos fatores de diferenciação da PRA.
Na PRA assumiu o cargo de sócia responsável pelo departamento de laboral, como está a correr a experiência?
Os meus sócios entenderam confirmar-me essa responsabilidade e espero, todos os dias, estar à altura da mesma. Na data da minha integração fui recebida, pela equipa que coordeno, de uma forma extraordinária o que desde sempre facilitou todo este percurso.
Atravessar esta pandemia a comandar um departamento que tem sido fortemente afetado pela pandemia foi um desafio inesperado?
Para quem trabalha em direito laboral e, diariamente, acompanha os seus clientes na gestão dos recursos humanos este foi, e continua a ser, a ser um momento especial e de constante desafio. Efetivamente, obrigou a que também as nossas rotinas se alterassem e desde o dia zero, a quase totalidade dos elementos da equipa de laboral esteve a fazer trabalho remoto, não só para potenciar o cumprimento do nosso plano de contingência, mas também para garantir que numa fase como esta, todos se mantêm no pleno das suas capacidades ao nível do apoio permanente aos nossos clientes. Este foi, e continua a ser, um momento em que a nossa capacidade técnica é levada à sua máxima exponenciação. A verdade é que, quando começamos a receber os primeiros sinais de que esta pandemia poderia atingir também a Europa, e porque na nossa área de prática essa é uma possibilidade, com alguma antecipação, dotamo-nos diversas ferramentas digitais e dimensionamos o nosso dia de trabalho a esta nova realidade. Toda a equipa está preparada para efetuar videoconferências com os clientes que habitualmente assistem, para que nada mude ao nível do acompanhamento e proximidade.
Qual o principal desafio que advocacia enfrenta atualmente?
Num momento em que se aposta na retoma e na recuperação, na minha opinião para o setor da advocacia resiliência não basta. Sem nunca perder da mira os valores, preocupações e regras deontológicas que norteiam a nossa profissão, estou plenamente convencida que, como para as demais áreas, também para a advocacia será essencial fazer o caminho da inovação, da criatividade e da digitalização. A par disso, penso que ao nível das competências existe também um caminho que pode, e deve, ser feito pelo setor. Quem trabalha comigo sabe que estou sempre com os meus olhos no futuro e no âmbito do direito laboral “jogar” por antecipação é essencial. Motivo, diariamente, a minha equipa à aprendizagem contínua, à capacitação de conhecimentos o mais transversal possível, e para a importância de conhecer a realidade particular de qualquer clientes antes de emitir qualquer tipo de parecer ou aconselhamento. Estou convencida que, quer no presente, quer no futuro o principal desafio da advocacia será sempre o de saber acompanhar a evolução técnica e as reais necessidades dos seus clientes.
Sem nunca perder da mira os valores, preocupações e regras deontológicas que norteiam a nossa profissão, estou plenamente convencida que, como para as demais áreas, também para a advocacia será essencial fazer o caminho da inovação, da criatividade e da digitalização.
Acredita que a economia portuguesa irá conseguir-se reerguer rapidamente?
Estou plenamente convencida que o efeito desta pandemia perdurará no tempo, com reflexos inevitáveis nos nossos comportamentos, quer a nível social, quer a nível económico. Numa economia aberta, como a portuguesa, fatores como o confinamento da população e a suspensão, e em alguns casos mesmo o encerramento, das atividade económicas têm inevitáveis consequências ao nível do mercado de trabalho e do consumo.
Por outro lado existem setores, como é o caso do Turismo, para os quais o impacto desta crise e a perspetiva de recuperação será manifestamente mais complexo. Portugal tem aumentado a dependência do setor do turismo, o qual revelou um crescimento acentuado da procura nos últimos anos, e levou mesmo a que num estudo comparativo dos 36 membros da OCDE, fosse “catalogado” como um dos países que maior dependência apresentam deste setor. Todas estas coordenadas terão, sem dúvida, que ser tidas em conta para que se assuma uma posição de realismo e muitíssima cautela em termos de expectativa na retoma dos níveis “singulares” a que o nosso país se encontrava no último semestre de 2019. Existem ainda outras como: a possibilidade do surgimento de uma nova vaga da pandemia após levantadas as medidas de contenção; a perda de capacidade produtiva; e mesmo os efeitos e da retoma a nível do comércio internacional e o restabelecimento da confiança que serão determinantes para a relançamento da economia.
Não obstante, é facto que as empresas portuguesas estão, por outro lado, a saber adaptar-se à nova realidade e muitas converteram a sua atividade para a produção de Equipamentos de Proteção Individual e outros bens ligados à saúde, e perceberam a inevitabilidade e importância das ferramentas digitais de IT na capacidade das organizações para que, diante desta nova forma de viver e de trabalhar, pudessem dar continuidade ao seu negócio. Nesta linha, estou convencida que com a concretização dos apoios à manutenção do emprego, da assistência efetiva aos setores de atividade mais atingidos, e ainda com a tenacidade que nos caracteriza, a economia portuguesa poderá começar a dar sinais de retoma no primeiro trimestre de 2021.
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Joana de Sá: “Estou plenamente convencida que o efeito desta pandemia perdurará no tempo”
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