O líder dos advogados de Lisboa critica a falta de assistência da CPAS aos advogados e considera que o Governo tem posto os advogados em segundo plano. Leia a entrevista.
O presidente do Conselho Regional de Lisboa da Ordem dos Advogados — a quatro dias da assembleia geral que definirá que haverá referendo para escolher o sistema de previdência — admite que a falta de apoios assistenciais da CPAS é notória, critica o facto das tabelas das oficiosas não serem atualizadas há 15 anos e defende a direção da CPAS já deveria ter esclarecido a classe no que toca à situação do sistema de previdência.
Nos últimos meses, ‘o assunto’ para os Advogados tem sido a manutenção ou não da CPAS. Pergunto-lhe diretamente: é a favor do poder de escolha de um Advogado face ao seu sistema de previdência?
Sim, sou a favor da liberdade de escolha por parte dos Advogados sobre o seu sistema de previdência, tendo estes por base uma decisão informada. A este propósito, tenho tido a oportunidade de me pronunciar, assim como o Conselho Regional de Lisboa, que emitiu já um comunicado sobre esta temática.
Defendo que todos os beneficiários da CPAS — Advogados, Solicitadores e Agentes de Execução — devem dispor de informação para decidir, em consciência e com ponderação, sobre qual o caminho que pretendem seguir. Como tudo na vida para escolhermos, temos de saber o que vamos escolher e quais as consequências de uma ou de outra escolha, e aqui não é diferente, sendo acima de tudo o nosso futuro que está em causa.
As consequências de uns poderem preferir o atual sistema e outros a Segurança Social, ou ainda, de migrarmos todo o sistema existente para a Segurança Social, que é, aliás, o sistema da esmagadora maioria dos portugueses, não estão estudadas nem foram, por conseguinte, sujeitas a análise, o que impossibilita uma qualquer tomada de decisão consciente e informada.
A questão é que não temos informação, nem sabemos quais as consequências das nossas opções, e é isso que temos de resolver, para podermos decidir em consciência.
Não podemos correr o risco de, por estarmos a atravessar um momento difícil, com circunstâncias tão especiais que não promovem o discernimento e o bom senso necessários, tomar uma decisão precipitada. A situação da CPAS é demasiado importante e não deve ser reduzida a um “achismo”.
Não existem estudos efetivos que nos demonstrem quais os benefícios consoante optemos por um ou por outro caminho. A direção da CPAS já deveria ter feito este trabalho. Com a profundidade exigida e ainda não o fez. Tomemos como exemplo, a questão dos rendimentos efetivos e presumidos a qual assume uma relevância imensa e que merece ser seriamente discutida por forma a dissipar as injustiças entre a classe, isto é, deve ser ponderada a introdução do princípio da capacidade contributiva.
Por último, saliento, ainda, a necessidade de uma análise autónoma da situação dos Advogados de empresa, que estão numa situação atípica de dupla contribuição. Estes Advogados contribuem para a Segurança Social e são obrigados a contribuir para a CPAS, condição essencial para manterem a sua inscrição na Ordem.
Não existem estudos efetivos que nos demonstrem quais os benefícios consoante optemos por um ou por outro caminho.A direção da CPAS já deveria ter feito este trabalho. Com a profundidade exigida e ainda não o fez”
A sustentabilidade da CPAS é um dado adquirido?
Não, tal como a própria direção da CPAS o admite. Contudo, as recentes revisões quanto ao horizonte de sustentabilidade da CPAS, tão diferentes num tão curto espaço de tempo, demonstram-nos que a própria direção tem algumas dúvidas sobre esta questão.
Regresso à sua pergunta anterior: temos à nossa frente uma oportunidade única para poder responder a essa questão com solidez e muito maior rigor. Façam-se os estudos necessários, apresentem-se resultados, conclusões e forneçam a todos os beneficiários deste sistema a informação suficiente para uma decisão esclarecida e consciente.
Se pudesse escolher, como advogado, qual escolheria?
Uma escolha feita neste momento, com a informação que dispomos, dificilmente seria uma escolha sensata e ponderada.
A posição que ocupo no Conselho Regional de Lisboa da Ordem dos Advogados obriga-me a ser fiel às responsabilidades inerentes ao cargo que assumi. Isso é, também, ter consciência de que, neste tema, uma tomada de posição rápida e fácil, pouco esclarecida ou com informações insuficientes, seria um mau exemplo para muitos dos Advogados que terão em mãos uma decisão muito importante para a Classe.
A pandemia evidenciou a falta de um sistema capaz de apoiar os Advogados quando estes se encontraram — como muitos se encontram agora — em situação crítica. Uma rede de apoio assistencial tem de constituir um direito básico para todos e temos de encontrar uma solução para este grave problema. Isto entronca diretamente no que queremos e esperamos da CPAS ou de outro sistema: que tenha, também, uma dimensão assistencialista. A CPAS tem um profundo défice assistencialista e há alterações que podem ser sugeridas, medidas que podem ser alteradas, pois a gestão de um sistema destes não pode ser pautada pela inércia e tem de se adaptar à evolução da realidade subjacente.
Vejamos, por exemplo, a questão do apoio à maternidade: a CPAS tem um subsídio, é verdade, mas falta-lhe toda uma rede de apoio que existe, por exemplo, na Segurança Social. É uma diferença do dia para a noite!
Mais um exemplo de como a CPAS está desajustada da realidade: ao contrário do que sucede na Segurança Social, as contribuições são por escalões. Ou seja, não estão indexadas aos rendimentos declarados. Assim, alguém com atividade muito reduzida ou sem atividade (com rendimentos muito baixos ou nulos, até) terá de pagar sempre, pelo menos, o estipulado no escalão mínimo — 251,38€, atualmente —, mesmo que não tenha rendimentos.
O relatório do grupo de trabalho constituído por elementos indicados pela Ordem dos Advogados, Ordem dos Solicitadores e Agentes de Execução e pela própria CPAS, concluiu aquilo que todos nós já tínhamos como praticamente certo: a CPAS é insustentável e os incumprimentos decorrentes da pandemia, bem como os já existentes anteriormente, agravaram ainda mais toda esta situação. Temos Colegas, Solicitadores e Agentes de Execução que deixaram de ter condições para assumir o pagamento das suas contribuições e não existem soluções para quem deixou de conseguir pagar.
O mesmo grupo de trabalho concluiu que a CPAS não entrará em rutura nos próximos 15 anos. Mas, e depois? Estamos a falar da pensão de reforma de milhares de beneficiários, a maioria dos quais só irá reformar-se muito para lá deste horizonte.
Acrescento que o relatório feito pelo grupo de trabalho devia ser obviamente disponibilizado, por forma a integrar esta discussão que está a ser feita sem informação.
O mesmo grupo de trabalho concluiu que a CPAS não entrará em rutura nos próximos 15 anos. Mas, e depois? Estamos a falar da pensão de reforma de milhares de beneficiários, a maioria dos quais só irá reformar-se muito para lá deste horizonte”
Os líderes da OA não têm tomado posições claras sobre esta matéria. Porquê?
No que respeita concretamente à direção do Conselho Regional de Lisboa, e é apenas no que respeita a este órgão da Ordem que me vou pronunciar, as razões prendem-se precisamente com as questões que referi acima: a inexistência de bases sustentáveis para que a escolha se possa fazer de forma consciente e ponderada. Como podemos decidir sem informação? Isso não será decidir, será adivinhar.
O que pode fazer — enquanto dirigente da OA — face ao atual regime de transparência fiscal dos advogados?
Como presidente do Conselho Regional de Lisboa, aquilo que posso fazer e tenho feito no cumprimento do meu dever, é enunciar as debilidades da atual legislação e diligenciar no sentido de sensibilizar — especialmente o decisor político — para a necessidade de serem efetuadas alterações.
O atual quadro, tal como se encontra, não só promove a injustiça, como prejudica certas atividades específicas e algumas formas de organização relativamente a outras, sem qualquer razão substantiva para que isso suceda.
Por exemplo, não é aceitável que contribuintes sejam tributados por resultados que nunca receberam e que, eventualmente, nunca venham a receber, apenas pela forma como organizam a sua atividade. Isto é mais premente ainda no caso das obrigações a que estão sujeitos os Advogados.
O actual regime de transparência fiscal promove a desigualdade no tratamento fiscal. Há falta de vontade política para mudar esta questão?
Terá de questionar o decisor político sobre o porquê de se manter esta situação. Sabemos que não é por falta de alerta, de desconhecimento ou por falta de propostas.
Certo é que se trata de uma situação confortável para a estrutura fiscal, ou já teria sido alterada, e que existe, notoriamente, inércia por parte do decisor político, o que só quem do mesmo faz parte pode explicar.
Falando agora da Procuradoria Ilícita. Qual a média de processos instaurados pelo atual CRL face ao anterior no mesmo período?
O combate à Procuradoria Ilícita é uma das grandes frentes de batalha — entre outras — da atual direção do Conselho Regional de Lisboa.
Em 2020, foram recebidas 285 participações que deram origem a 117 processos. No período já decorrido de 2021, chegaram ao CRLisboa 57 participações que originaram 20 processos. Estão, ainda, em fase de instrução 14 processos na secção de Procuradoria Ilícita do CRLisboa para instauração de providências cautelares.
Importa perceber o que é, concretamente, a Procuradoria Ilícita. Trata-se da realização de atos próprios dos Advogados e Solicitadores por quem não o é. Tal significa que, em última análise, o cidadão que contrata tais serviços está a receber, em troca, algo que não foi devidamente estudado, ponderado, preparado e estruturado por quem está devidamente habilitado para o fazer. Deixo-lhe alguns exemplos: um contrato-promessa de compra e venda realizado por uma agência imobiliária. A agência quer vender o imóvel e arrecadar a respetiva comissão. Que interesses irá verdadeiramente salvaguardar na redação do contrato? Os seus? Os do vendedor? Os do comprador? Por vezes, são “pequenos detalhes” que podem deitar tudo a perder. Acresce que esta é uma conduta criminalmente punível, pois estão em causa Atos Próprios dos Advogados e dos Solicitadores consagrados por força da lei, ou seja, reservados a quem estudou para tal, conhece a lei e está legalmente habilitado a realizá-los.
Os advogados atravessam dificuldades com a paragem dos Tribunais derivada da pandemia. Se fosse Bastonário, teria reduzido o valor das quotas?
Não sou Bastonário, mas fiz essa sugestão ao Senhor Bastonário. Recordo, a esse propósito, a iniciativa do Conselho Geral da Ordem, que sugeriu uma suspensão da inscrição como Advogado (uma intenção à partida, quero crer, bem-intencionada), mas esqueceu-se que para um Advogado deixar de pagar as quotas, tal implicará forçosamente suspender a sua inscrição na Ordem e que, ao fazê-lo, deixa de poder exercer a profissão.
Se ser Advogado for a sua única fonte de rendimentos, irá de mal a pior. Ou seja, não morre da doença, morre da cura. A solução para a redução drástica de rendimentos de vários Colegas não pode ser “deixem de trabalhar”.
Além do mais, por um lado, se o advogado continuar a praticar atos próprios da profissão, após a suspensão da sua inscrição, estará a incorrer na prática de procuradoria ilícita.
Por outro lado, podemos antever os problemas que essa medida causaria nos processos judiciais em que o Advogado suspenso (por iniciativa própria) fosse mandatário, quer no âmbito do Apoio Judiciário, quer nas demais demandas onde tenha intervenção.
Agora, como já referi antes, temos de ter uma linha de defesa para quem exerce a profissão, para que possamos conseguir ultrapassar situações como esta, especialmente, tendo em conta quem se encontra em situação de maior fragilidade. Não podemos ter um sistema que deixa as pessoas abandonadas, como se nada se passasse. E o sistema, claramente, abandonou-nos. Isso não acontece com mais ninguém e não pode acontecer com os Advogados.
Outra questão que sublinha este abandono, este esquecimento, é o facto de não ter sido dita sequer uma palavra sobre os tribunais no programa de desconfinamento anunciado pelo Governo. Estas situações são ilustrativas da desvalorização da Justiça pelo poder político. Resta saber a quem interessa este desabono e o dificultar no exercício consciente dos direitos por parte dos cidadãos.
A campanha eleitoral da Ordem dos Advogados parece que se mantém, mas nas redes sociais. Nunca os ânimos estiveram tão inflamados na OA?
É pública a demissão em bloco de um conjunto de elementos do Conselho Geral da Ordem, o que constitui um sinal de divisão na classe, num momento que não é o melhor — nunca é, aliás — para que tal aconteça.
Defendo que a existência de diferentes opiniões é salutar e que é pela oposição de ideias que também construímos o nosso caminho. Mas a verdade é que, este é um período difícil — muito difícil mesmo —, com uma diminuição muito acentuada do nosso trabalho e, consequentemente, com uma redução dos rendimentos. É um período em que temos diversas frentes de batalha que importa combater, como a procuradoria ilícita ou a ameaça colocada pelas sociedades multidisciplinares, que, caso venham a ser admitidas, irão mudar radicalmente o panorama da Advocacia em Portugal. Diga-se, à semelhança do que sucedeu, por exemplo, em Espanha com o desaparecimento, quase total da Advocacia em prática individual, das sociedades de Advogados e dos escritórios de Advogados como os conhecemos hoje. Os advogados têm uma imagem injustamente negativa junto da opinião pública e este é um estigma que precisa de ser combatido.
Temos lutas importantes pela frente e para conseguirmos enfrentá-las devidamente temos de estar unidos. Esta tem sido a mensagem do Conselho Regional de Lisboa. Temos de fortalecer a Classe e lutar em conjunto por objetivos comuns (e temos tantos), independentemente das ideias e das várias visões que existam para a Classe.
O Bastonário atual tem um registo completamente oposto ao do anterior. Como avalia, até agora, o mandato do Prof. Luis Menezes Leitão?
Enquanto Presidente do Conselho Regional de Lisboa da Ordem os Advogados, desempenho uma função na estrutura da representação da Classe, sendo que, temos defendido, publicamente e nos órgãos próprios, as ideias e ações que consideramos as mais adequadas em cada momento, procurando não contribuir, na medida do possível, para fomentar divisões, mas procurando responder a quem de nós depende.
Vivemos um período muito difícil, por causa da pandemia, que faz tábua rasa de tudo o que estava previsto e obrigou a alterar prioridades e respostas a dar, pois os principais problemas evoluíram ou, até, agudizaram-se. Ninguém estava preparado para isto e ninguém conseguiu — ou consegue, ainda agora — antever como vai ser a evolução da realidade em que exercemos a nossa profissão e vivemos a nossa vida. Sabemos, sim, que é necessária ação, agora e nos tempos que se anteveem, muitas vezes mais rápida do que aquela que os nossos representantes anteriores foram capazes de oferecer. A avaliação, essa, será feita pelos Advogados, no final do mandato, em que julgarão as opções tomadas e os caminhos escolhidos.
Mudou de um escritório onde estava há anos – a Sociedade de Advogados ATMJ – para a prática individual. Porquê?
A nossa vida é feita de ciclos e senti que era o momento de mudar, de encerrar um capítulo da minha vida e optar pelo exercício da Advocacia em prática individual. Entre outros fatores, fazia todo o sentido nesta fase da minha carreira.
Desde que comecei a exercer sempre o fiz em sociedades — tenho, aliás, muito orgulho no meu passado e em tudo o que construí nas mesmas —, mas, por razões várias, considerei que era chegado o momento de avançar para a prática individual, que considero ser a essência da Advocacia, o que era algo que faltava no meu percurso e ao qual me decidi propor.
Há um grande fosso entre os advogados de prática individual e os de pequenas sociedades face aos grandes escritórios do mercado?
São realidades distintas, cada uma com as suas valências e com a sua própria relevância. Traduzem diferentes formas de organização, de abordagem às necessidades colocadas pelos clientes e de interação com múltiplos agentes na realidade em que exercemos a nossa profissão. Considero que deve existir um equilíbrio entre estas diferentes formas de exercício da Advocacia, e que não devemos ter enquadramentos que privilegiem objetivamente uma delas em detrimento de outras, nem que coloquem em risco a integridade da profissão.
Dito isto, quando outros preferem sublinhar as diferenças entre as diferentes formas de organização, fomentando a divisão na Classe, eu prefiro sublinhar o que tem de estar sempre subjacente: a Lei e a defesa dos interesses do cliente, independentemente da forma pela qual a relação se concretiza. Em suma, mais importante que a forma é o conteúdo que interessa, a essência, ou seja, a defesa dos interesses dos clientes.
Os Advogados ganham com o ‘estrelato’ alcançado com os processos mediáticos?
Indiscutivelmente, é uma forma de aceder ao espaço público. A defesa de um caso mediático conduz a um maior reconhecimento e isso é indesmentível. No entanto, tal é válido para os Advogados e para qualquer outra entidade com capacidade de intervenção no espaço público — através da comunicação social — pelo interesse que suscitam os casos em que intervêm.
Estas ocasiões são, também, oportunidades para sermos didáticos, para podermos explicar como funciona a Justiça e como os Advogados intervêm no sistema. Mesmo que sejam episódios que traçam uma imagem inexata do que é a profissão, do que enfrentamos, ou do que fazemos todos os dias, tem igualmente aspetos positivos para a classe. Mas sempre — isto é muito importante — sem descurar o cumprimento dos deveres deontológicos a que o Advogado se encontra adstrito.
Muitos dos dirigentes da OA no passado queixaram-se do autismo do Governo face aos Advogados. Concorda? Falando do atual Governo.
Não lhe chamo autismo, chamo-lhe um alheamento intencional. O que se tem passado e constatado no quadro desta terrível pandemia é exemplo disso.
No início, há mais de um ano, o Conselho Regional de Lisboa apelou diversas vezes e de todas as formas possíveis — inclusive publicamente, através da comunicação social —, para a criação de apoios específicos para os Advogados, que não estavam (nem foram) a ser considerados em nenhum dos planos de ajuda estratégica do Governo.
Como mencionei, a nossa Caixa de Previdência tem imensas lacunas na sua faceta assistencialista. Diria que é praticamente inexistente e a nossa classe é, claramente, uma “classe sem rede”, como já referi.
Na altura, não obtivemos resposta. Nesta nova fase da pandemia, voltámos a apelar ao Governo, por todas as formas ao nosso alcance, para a necessidade de apoios específicos para os Advogados, tal como sucede com outras classes profissionais. O Governo voltou a não responder ao chamado dos Advogados e além de continuar a não se lembrar de nós, largou-nos, uma vez mais, ao abandono.
Os Advogados, como tantos outros portugueses, também são contribuintes para o Orçamento do Estado mas, por alguma razão, somos bem menos considerados. Não podemos ser deixados de lado num pacote de medidas criado para fazer face à profunda crise económico-sanitária que se abateu sobre as nossas vidas. É uma profunda desigualdade e injustiça desde logo, social, que tem de ser corrigida. Existe a ideia, errada, de que os Advogados são todos ricos, a que já chamei, anteriormente, o “Síndrome do Senhor Doutor”. Isso é falso. Existem, no seio da nossa Classe, histórias tão ou mais dramáticas como as que são retratadas nas reportagens dos jornais, televisões e rádios relativamente a outras profissões. O Governo optou por nos deixar de lado.Por ironia do destino, são os Advogados que ficam à margem do que diz a Constituição.
As defesas oficiosas continuam a ser o parente pobre da advocacia, já que os valores pagos são baixos?
Essa tem sido outra frente de batalha do Conselho Regional de Lisboa. A tabela de pagamentos não é atualizada há mais de 15 anos! Não se compreende. É uma profunda injustiça para com estes profissionais que desempenham uma função imprescindível ao sistema de Justiça, uma função essencial ao próprio Estado. Repare, sem estas defesas, inúmeros portugueses ficariam sem possibilidade de ter a seu lado um Advogado, de ter apoio jurídico no quadro judicial e estadual. O Acesso ao Direito e aos Tribunais é um direito fundamental de todo o cidadão que se encontra constitucionalmente consagrado.
Respondendo diretamente à sua questão, sim, é infelizmente verdade o que diz e é uma situação — mais uma —, que urge mudar rapidamente, que tarda em ser alterada e em que o decisor político, espantosamente, se comporta como se não existisse. Lá está, é aqui que se reflete o alheamento intencional a que aludi há pouco, como se ignorando a realidade esta desaparecesse. O que não acontece e o Governo já deveria ter percebido isso. Os Advogados inscritos no Sistema de Acesso ao Direito e aos Tribunais são tão Advogados quanto todos os outros. Esta é, também, mais uma daquelas questões estruturantes que deve unir toda a Classe, o que nem sempre acontece.
O Governo voltou a não responder ao chamado dos Advogados e além de continuar a não se lembrar de nós, largou-nos, uma vez mais, ao abandono”
Se fosse Ministro da Justiça, que medida urgente tomaria?
Não sou Ministro da Justiça, mas posso dizer que, enquanto representante da classe dos Advogados, continuo à espera de ação para a resolução de situações que todos reconhecem ser desiguais e profundamente injustas, como a da tabela de custas judiciais, por exemplo, mas também de um diálogo construtivo entre todos os agentes da Justiça enquanto elementos pertencentes a um mesmo sistema.
Não podemos ter um sistema que, por vezes, mais parece de castas. A este propósito veja-se o que sucede, não raras vezes, entre os Magistrados Judiciais e o Ministério Público. Não é difícil vê-los a entrar juntos pela mesma porta, a conversar inclusive. O que sucede relativamente à própria disposição das salas de audiência e discussão de julgamento em que ambos estão sentados à mesma altura, trocam documentos entre si enquanto decorrem os actos… E, no fundo, é importante que se diga, que o Ministério Público, acima de quaisquer orientações internas, está nos termos da lei, vinculado ao Princípio da Legalidade, tal como os Advogados.
Vou concluir esta temática que faz parte de uma das lutas do Conselho Regional de Lisboa, e nos tomaria horas, dizendo que, se por algum acaso, fosse um Advogado a entrar e a sair da sala junto com um Juiz ou um Procurador, o que não se diria da Justiça e dos Advogados…
Mas recentrando a sua questão, posso dizer-lhe o que considero mais importante agora, nesta situação de crise pandémica em que nos encontramos: é fundamental garantir que os Advogados têm os apoios mínimos para conseguirem subsistir e ultrapassar este período. Isso é fundamental.
Os Advogados, como tantos outros portugueses, também são contribuintes para o Orçamento do Estado mas, por alguma razão, somos bem menos considerados. Não podemos ser deixados de lado num pacote de medidas criado para fazer face à profunda crise económico-sanitária que se abateu sobre as nossas vidas”
E Bastonário?
Também não sou Bastonário, e as medidas que o Conselho Regional de Lisboa tem defendido, têm sido propostas em sede própria, ou seja, junto dos órgãos próprios da Ordem e, em muitos casos, sempre que a situação o exige, até publicamente.
O que importa é trabalharmos no sentido de encontrarmos soluções por forma a conseguirmos garantir as condições mínimas de subsistência para os Advogados, para que, juntos, consigamos todos ultrapassar esta fase, tal como já referi.
Pretende candidatar-se a Bastonário nas próximas eleições?
Sou Presidente do Conselho Regional de Lisboa, eleito com um programa que foi profundamente afetado pela crise pandémica. Mais do que ajustar, foi necessário reinventar! O importante não são os cargos, mas os Advogados. Ainda não estou, sequer, a meio do meu mandato e o meu foco só pode ser este, em exclusivo: trabalhar para resolver os problemas da Classe; lutar pela dignificação da Advocacia; e encontrar formas para melhorar exercício da Profissão.
O meu compromisso é com os Advogados e com a luta pela defesa, dignificação e valorização da Advocacia. Para a concretização desse compromisso lutarei intransigentemente! É para isso que eu aqui estou.
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João Massano, líder da Regional de Lisboa: “A advocacia é uma classe sem rede”
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