O secretário de Estado Adjunto e das Finanças defende que a descida do IRS potencia o crescimento da economia, que o Orçamento não é de mínimos e que a dívida portuguesa é gerível e sustentável.
A grande reforma estrutural, inscrita no Orçamento do Estado para 2018, que potencia o crescimento da economia portuguesa é “a descida do IRS“, defende o secretário de Estado Adjunto e das Finanças, Ricardo Mourinho Félix, em entrevista no programa ECO24.
“A descida do IRS, em níveis de rendimentos relativamente baixos, é um incentivo bastante potente à oferta de trabalho, que é uma das variáveis fundamentais para estimular o crescimento da economia”, defende o responsável, nos estúdios da TVI. Mas há mais: “um conjunto de medidas” ao nível da educação, Segurança Social, da despesa, do sistema financeiro, acrescenta.
E para as empresas? “O mais importante é estabilidade fiscal, que as empresas valorizam“. O facto de as empresas não esperarem “alterações significativas nos níveis de tributação”, “a cinco ou dez anos”, leva a que haja empresas estrangeiras a investir em Portugal, como por exemplo a localização em Lisboa e Porto dos backoffices de muitas empresas, sublinha o responsável.
A estabilidade fiscal é mais importante para as empresas do que as subidas e descidas de impostos sucessivas.
Mourinho Félix considera que a estabilidade fiscal “é compatível” com o aumento da derrama estadual para as empresas que têm lucros superiores a 35 milhões de euros — “uma dimensão significativa”, na avaliação do secretário de Estado — que está a ser discutido no Parlamento, em sede de especialidade, em virtude das propostas de alteração do PCP, Bloco e Verdes.
E justifica. Porque “não há aumentos generalizados de nenhuma espécie de imposto”. “Há o compromisso de manutenção do atual nível de IRC, havendo essa discussão da derrama e a tributação indireta que afeta o poder de compra das famílias, e aquilo que é a procura dirigida às empresas”. Além disso, “há perspetivas de investimento público mais significativas, que geram procura para empresas que têm visto a sua procura diminuída”.
Recorde-se que a proposta do Orçamento do Estado para 2018 tem uma previsão de subida de 40,4% do investimento público. Ou seja, mais 1.281 milhões de euros.
Este não é um Orçamento de mínimos
Questionado se este é um orçamento de mínimos para Bruxelas, como sublinha o Conselho de Finanças Públicas, Mourinho Félix repete as palavras de Mário Centeno, no dia anterior, de que “este é um avanço face a anos anteriores, em que não havia um cumprimento das regras, coisas que depois é desmentida pelas autoridades europeias e depois pela realidade”. “Não é um Orçamento de mínimos, é um orçamento realista que faz seguramente uma consolidação orçamental de 0,5%”. “Uma consolidação grande, em termos estruturais”, nas palavras de Mourinho Félix, sobretudo “para uma economia que teve o abrandamento que teve e está a iniciar um processo de recuperação”.
O secretário de Estado recusa que este ajustamento estrutural esteja a ser feito apenas à custa da poupança de juros, conseguida com o plano de amortização de dívida antecipada ao FMI, por exemplo, ou com o pagamento de dividendos por parte do Banco de Portugal. Deve-se antes, segundo o responsável, “a um conjunto alargado de medidas que permite um crescimento mais moderado do consumo intermédio do que existiria sem essas medidas”, nomeadamente o que o Estado gasta para poder viver e um gasto moderado com as despesas com pessoal, ainda que haja uma reposição das progressões na carreira da Função Pública e um aumento de salários.
A política de devolução de rendimentos está, no entender de Mourinho Félix, em linha com o crescimento previsto da economia. “Este ano temos medidas que aumentam a despesa na rubrica despesas com pessoal, mas são compensadas com a contenção e de aumento da eficiência da Administração Pública que permitem que esse aumento não se traduza, integralmente, num aumento da despesa pública”. Para o secretário de Estado, num momento de recuperação do setor privado é fundamental adotar medidas de “estímulo e incentivo” dos funcionários públicos, sob pena de se perder “muito talento da Administração Pública.
“Não podemos achar que todos os problemas são responsabilidade de uma política rigorosa”
Apesar de a economia estar a crescer quase 3%, este ano, Mourinho Félix rejeita que se pudesse ir mais longe na redução do défice e de dívida. A “estratégia” do Executivo tem sido de “compromisso com objetivos orçamentais realistas e cumprir“.
“Desde que este Governo está em funções não houve Orçamentos retificativos ou derrapagens”, disse Mourinho Félix. Mas houve cativações e operações extraordinárias. Uma prática que o responsável encara com naturalidade já que “existem cativações no Orçamento há pelo menos 30 anos”. No Orçamento do Estado para 2018 o valor das cativações é de 1.156 milhões de euros.
“As cativações são um instrumento de gestão orçamental que não é usado apenas no Orçamento. Qualquer empresa, qualquer família faz as suas cativações também, porque é prudente”, sublinha.
Confronto com a dimensão do recursos às cativações em 2016 e 2017 (1,74 mil milhões e 1,88 mil milhões, respetivamente), Mourinho Félix reiterou que se trata de “instrumentos de gestão, que permitem que haja um controlo da despesa e se chegue ao final do ano e não seja preciso, sistematicamente, Orçamentos retificativos“. O secretário de Estado elogia a “gestão rigorosa” e “poupança significativa de despesa”, graças ao programa de revisão de despesa, que tem permitido “essas cativações não se traduzam numa redução da operacionalidade dos serviços de forma generalizada”.
Situações como o surto de legionella no Hospital de São Francisco Xavier — que infetou 38 pessoas e fez já duas vítimas mortais — e o problema crónico de suborçamentação da saúde, que coloca a dívida a fornecedores acima dos mil milhões de euros não podem ser explicadas, segundo Mourinho Félix, pela consolidação orçamental.
Não podemos achar que todos os problemas que aconteceram agora na vida de Portugal são responsabilidade de uma política rigorosa e depois achar que se podia ir mais longe na redução do défice.
“Não podemos achar que todos os problemas que aconteceram agora na vida de Portugal são responsabilidade de uma política rigorosa e depois achar que se podia ir mais longe na redução do défice”, disse. “O Governo não tem nenhum obsessão em ir além dos compromissos. Temos a obsessão de cumprir esses compromisso”, explicou, lembrando que, no próximo ano, se espera um abrandamento do crescimento económico para 2,2%.
“O cenário do Orçamento é prudente“, garante, já que o crescimento do investimento não será tão grande e o ganho de quota das exportações poderá não se repetir. E admite que que “existem riscos ascendentes” e se houver notícias positivas serão canalizadas para a redução mais rápida da dívida.
A dívida? É gerível e sustentável
O Ministro das Finanças disse que vai concretizar-se “muito brevemente” mais um pagamento antecipado ao FMI, de um valor próximo dos três mil milhões de euros, o que permite reduzir o custo médio do endividamento. Questionado sobre até que ponto essa antecipação altera os planos contidos no âmbito do Orçamento do Estado para 2018, o governante afirmou que nada muda, que o objetivo mantém-se que a dívida se situe nos 126,2%, considerando que “este nível de dívida é gerível no sentido em que é sustentável”.
“Sustentável significa que temos de manter saldos primários de montante razoável como temos mantido, para que ele vá paulatinamente descendo, mas o objetivo é que tão rapidamente quanto possível vá descendo para valores inferiores a 100%“, afirmou o secretário de Estado, antevendo que essa meta necessita de entre seis a sete anos para poder ser alcançada.
Mínimos dos juros? Resulta do esforço de estabilização
A entrevista a Mourinho Félix acontece no mesmo dia em que Portugal regressou aos mercados para emitir dívida a dez anos, sendo que nunca tinha pago tão pouco num leilão desta maturidade. Os investidores aceitaram comprar as Obrigações do Tesouro português com um juro de 1,939%, o mais baixo de sempre, numa altura em que as taxas no mercado secundário estão em mínimos de 2015 abaixo dos 2%.
Questionado sobre o resultado deste leilão e da descida dos juros e a que se deve essa realidade, Mourinho Félix diz que “o mérito é conjunto“, salientando o esforço de consolidação conseguido. “O mérito é de Portugal, dos portugueses e do esforço muito significativo que tem sido feito, a qual um conjunto de políticas quer ao nível europeu quer ao nível nacional deu possibilidade e espaço para que este esforço se pudesse materializar num crescimento económico sustentável”, baseado no investimento, nas exportações, com crescimento da procura interna sustentado e por “um quadro de estabilização progressiva do sistema financeiro e de estabilidade política“.
“Isto permitiu que tenhamos feito esta emissão a uma taxa baixa e significativamente inferior ao último leilão”, justificou o governante, salientando o facto de o diferencial da taxa de juro face aos outros países como a Alemanha, a Espanha estar a “comprimir”. “Isto dá-nos uma medida daquilo que é a perceção por parte dos investidores o risco da República portuguesa”, afirmou Mourinho Félix, acrescentando que esta quebra “tem a ver com o esforço de estabilização”.
Remuneração dos produtos do Estado tem de ser alinhada e equilibrada
Questionado pela diminuição da remuneração oferecida pelos produtos de poupança do Estado vocacionados para o retalho Mourinho Félix diz que estes continuam a ser “atrativos” e que esta redução dos juros não era possível de evitar. De salientar que no final de outubro, o Governo deixou de comercializar Certificados do Tesouro Poupança Mais, aquele que era o produto com o retorno mais atrativo para os aforradores, para o substituir por um novo produto de poupança que oferece uma remuneração bastante mais baixa: em causa os Certificados do Tesouro Poupança Crescimento.
“Não posso ter uma descida das taxas de juro da dívida da República portuguesa de valores que andavam nos 3% e 4% para níveis inferiores a 2% e ao mesmo tempo não ajustar as condições de remuneração dos produtos de retalho, porque senão o que estou a fazer é tributar todos os portugueses para pagar depois uma remuneração aos portugueses que subscrevem produtos de retalho”, disse o governante para justificar a redução da remuneração oferecida.
Mas confrontado relativamente à opção política de aumentar os funcionários públicos em vez de manter a atratividade da remuneração dos produtos para o retalho, sob pena de isto poder ter um impacto negativo sobre as poupanças dos portugueses, Mourinho Félix afirmou “só se poupa o rendimento que se tem“, referindo a crise profunda, os cortes de salários e pensões, que retiraram rendimento às famílias, e acrescentando que “estamos numa fase em que as famílias estão a recuperar rendimento” e que “a poupança aumentará gradualmente assim as famílias tenham disponibilidade para poupar”.
Voltando ao tema da quebra da remuneração dos produtos de poupança do Estado, Mourinho Félix chamou ainda a atenção para o efeito distorcedor que a sua manutenção poderia provocar sob o sistema financeiro. “Têm de ser alinhados e equilibrados [os retornos] sob pena de se estar até a distorcer o mercado e a canalizar poupança para o Estado e estar a dificultar a vida a outras instituições. Nomeadamente, os bancos que também precisam de fundos”, disse a esse propósito.
Centeno no Eurogrupo? Tem todas as condições
Outro dos temas abordados na entrevista foi a tão falada possibilidade de Mário Centeno poder vir a ser eleito para liderar o Eurogrupo. Mourinho Félix, disse a esse propósito que “o senhor ministro das finanças tem todas as condições para poder ser o líder do Eurogrupo“, caso ele assim o entender e “se se criarem condições para que possa haver uma materialização dessa possibilidade”, salientando que neste momento há uma discussão alargada entre 19 países sobre este tema.
Relativamente a potenciais mais-valias que uma nomeação desta natureza poderia ter para Portugal, disse que “Portugal ganha sempre que um português assume uma posição de prestígio“, acrescentando que se trataria de um ganho reputacional. “É o reconhecimento daquele que é o trabalho que temos feito – todos os portugueses – é o reconhecimento da capacidade reformista de Portugal e daquilo que tem sido o trabalho. Portugal ganha reputacionalmente“, afirmou.
Se tivermos um português à frente de instituições europeias que possa contribuir para que tenhamos uma base mais alargada, que crie consensos no Eurogrupo e que permita promover a reforma da Zona Euro, e todas as reformas que estão em discussão, isso é algo que é útil para a Europa e que acho que pode ser muito bom para Portugal.
Mas acrescentou que também a Europa teria a ganhar, tendo em conta o papel que poderia ter para criar consensos. “Se tivermos um português à frente de instituições europeias que possa contribuir para que tenhamos uma base mais alargada, que crie consensos no Eurogrupo e que permita promover a reforma da zona euro, e todas as reformas que estão em discussão, isso é algo que é útil para a Europa e que acho que pode ser muito bom para Portugal”.
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