“Negociações do OE2025 terão muito pouco a ver com o que seria melhor para o país”

Sendo a redução do IRC "uma bandeira da AD e da Iniciativa Liberal", Pedro Brinca vê "com alguma dificuldade que o PS possa fazer algum tipo de cedência nessa dimensão".

O economista da Nova SBE, Pedro Brinca, considera que deveria haver um pacto de regime entre PSD e PS relativamente a três matérias fundamentais: Justiça, habitação e fiscalidade, de modo a introduzir previsibilidade e estabilidade. Mas, tendo em conta o sistema político nacional, Pedro Brinca considera que se o PS tiver uma oportunidade fará cair o Governo de Luís Montenegro.

Se houver uma janela que faça cair o Governo e da qual se possam ter tirado ganhos eleitorais para conquistar mais eleições, creio que o PS irá aproveitar essa oportunidade“, defende, em entrevista ao ECO.

E é essa mesma lógica eleitoralista que irá pautar as negociações do Orçamento do Estado para 2025. “As negociações para o OE2025 terão muito pouco a ver com o que seria melhor para o país“, sublinha Pedro Brinca. “As negociações refletirão muito mais aquilo que é o equilíbrio de forças e os ganhos eleitorais que se podem ter”, acrescentou.

Para o economista “o PS devia, por um lado, reconhecer que o PSD ganhou” as eleições legislativas e, consequentemente, “fazer cedências naquilo que são algumas das suas medidas programáticas em nome da estabilidade”. E a AD, por seu turno, “também tem de ter a perceção de que a vitória” que teve “sobre o PS foi marginal e, como tal, também tem a obrigação de fazer algum tipo de cedências, para que com o PS consigam chegar a um mínimo denominador comum em dossiês importantes”.

A AD propõe uma redução do IRC de 21% para 15%, ao ritmo de dois pontos percentuais por ano. Mas, sendo esta “uma bandeira da AD e da Iniciativa Liberal”, Pedro Brinca vê “com alguma dificuldade que o PS possa fazer algum tipo de cedência nessa dimensão”.

O Orçamento do Estado para 2025 parece ser particularmente desafiante, porque temos assistido à construção de coligações negativas entre o PS e o Chega. Como antecipa que serão as negociações do Orçamento de Estado para 2025?

Infelizmente, acho que terão muito pouco a ver com aquilo que seria melhor para o país e refletirão muito mais aquilo que é o equilíbrio de forças e os ganhos eleitorais que se podem ter. Mas isto é o pão nosso de cada dia e é verdade relativamente a qualquer força política. Isto é mau para o país, porque considero que há três dossiês em que os partidos do arco da governação deviam ter um sentido de Estado e chegarem a um compromisso. À cabeça, a Justiça. Hoje começa a ser um bocadinho mais claro que as circunstâncias em que António Costa se demitiu e aquilo que aconteceu a [Miguel] Albuquerque, na Madeira, do ponto de vista do processo judicial, foram algo, no mínimo, estranho. Para haver uma reforma da Justiça, o desejável é que tenha a maior abrangência possível no Parlamento, para não haver uma politização da mesma. Era a pior coisa que podia acontecer à nossa democracia. Independentemente das reformas que forem necessárias para atingir isso, creio que devia haver esse entendimento. E creio que será, talvez, o mais fácil de conseguir.

Para haver uma reforma da Justiça, o desejável é que tenha a maior abrangência possível no Parlamento, para não haver uma politização da mesma. Era a pior coisa que podia acontecer à nossa democracia. Creio que será talvez o entendimento mais fácil de conseguir.

O segundo é na habitação. Também seria importante introduzir previsibilidade e estabilidade no sistema. Em média, na Europa, 43% das famílias que têm uma segunda habitação colocam-na no mercado de arrendamento. Em Portugal, são 13%. Existem várias razões para isto. Uma delas tem a ver com a estabilidade. As pessoas têm medo de meter a casa no mercado de arrendamento: as regras mudarem todas, de repente, e não conseguirem dispor do seu ativo, de perderem dinheiro, o Estado não cumpre a lei das rendas, congelou o aumento há dois anos… Tudo isto gera incerteza. Por isso, temos um problema de crise de habitação. Era importante que os principais partidos do arco da governação pudessem chegar a um acordo de regime para introduzir alguma previsibilidade e alguma estabilidade ao ambiente económico que gera este setor da habitação. E, por último, a questão da fiscalidade. Fala-se da ambição da AD, do Governo, de baixar o IRC. Mas o IRC podia baixar para zero que o impacto na economia era pouco mais que nenhum, porque os agentes esperariam que passados seis meses aquele Governo caía, vinha um novo e voltava a meter a taxa nos 31,5%. Por isso, era importantíssimo haver o tal acordo de regime que permita introduzir alguma estabilidade no sistema.

O PS venceu as eleições europeias, o que lhe poderia dar força para contestar com mais energia o atual Governo da AD. Mas houve uma erosão da ala esquerda do Parlamento, e consequente reforço da ala direita, o que poderá significar que novas eleições não resultariam em mais estabilidade governativa. Pedro Nuno Santos, desde então, parece mais moderado. Acredita que estamos a caminhar para uma maior estabilidade? Ou há o risco de o Governo cair com o chumbo do OE2025?

Se houver uma janela que faça cair o Governo e da qual se possam ter tirado ganhos eleitorais para conquistar mais eleições, creio que o PS irá aproveitar essa oportunidade. Não é por ser o PS. É o sistema político que temos, faz parte da democracia. O que mais me custa neste tipo de análises foi a posição do Pedro Nuno Santos a dizer que não faz pactos de regime por achar que isso é contra a democracia. Sou precisamente da opinião contrária. Se os dois principais partidos políticos, PS e PSD, juntos representam a maioria dos portugueses, não percebo porque é que não se hão-se entender em assuntos-chave e estruturantes para o país poder progredir e avançar. Fala-se muito na Irlanda e da questão fiscal. Esqueçam o nível da taxa. Obviamente que é importante para aquilo que é o caso irlandês, mas nem quero falar do nível da taxa. Nos anos 90, os partidos do arco da governação tiveram o sentido de Estado suficiente para definir e chegarem a acordo sobre uma estrutura fiscal que desse estabilidade ao país. E esse colapso da incerteza teve um efeito acelerador da economia. O cidadão Pedro Brinca, é nessa qualidade que falo aqui, em termos políticos, acha que o PS devia, por um lado, reconhecer que o PSD ganhou e fazer cedências naquilo que são algumas das suas medidas programáticas em nome da estabilidade. A AD, a coligação do Governo, também tem de ter a perceção da realidade, que a vitória que teve sobre o PS foi marginal e, como tal, também tem a obrigação de fazer algum tipo de cedências, para que com o PS consiga chegar a um mínimo denominador comum de dossiês importantes, pelo menos nestas três áreas, para introduzir alguma estabilidade e fazer mudanças estruturantes para o país. Sem isso é impossível.

Se houver uma janela que faça cair o Governo e da qual se possam ter tirado ganhos eleitorais para conquistar mais eleições, creio que o PS irá aproveitar essa oportunidade.

Veria com bons olhos a ideia de introdução de um travão, no OE2025, para travar o impacto das medidas que foram aprovadas no Parlamento por via da junção do PS com o Chega?

Não sei como é que esse travão pode ser criado. PS e Chega têm a maioria dos votos no Parlamento [128]. Não estou a ver como é que isso pode ser travado.

O OE2015 tem de ser negociado e satisfazer todas as fações para passar?

Foi o povo português que assim decidiu. Não creio que tenha de passar por todos. O que gostaria é que PS e PSD se entendessem.

É exequível conseguir convencer o PS a baixar o IRC?

Apenas Pedro Nuno Santos poderá responder. A baixa de IRC é uma das bandeiras da AD. Lembro-me de uma entrevista que Pedro Santos Guerreiro e Ana Sofia Cardoso fizeram a Fernando Medina, António Costa e Silva e Ana Mendes Godinho, na qual a visão que o Governo tinha na altura para o IRC era de deduções específicas e de pôr o Estado um pouco a gerir as empresas ao dizer: gere a empresa desta maneira e se o fizeres dou-te mais um conjunto de deduções. Não é a minha visão. Não acredito que o Estado perceba melhor sobre o que é melhor para aquela empresa do que o próprio gestor. O gestor deve perder mais tempo a gerir a própria empresa, o seu produto, melhorar o seu plano de negócio do que a condicionar as suas ações de acordo com aquilo que o Estado quer que ele faça. A visão da AD é diferente do que ficou plasmado nessa entrevista. Pedro Nuno Santos, obviamente, terá as suas ideias próprias, que são diferentes do Governo anterior, mas não me parece que este seja um dossiê em que isso seja manifestamente diferente. Sendo uma bandeira AD e da Iniciativa Liberal, vejo com alguma dificuldade que o PS possa fazer algum tipo de cedência nessa dimensão. Mas, mais uma vez, isto é uma análise política.

Sendo uma negociação, pode haver algum bombom que possa ser dado em troca e garantisse o acordo?

Isso é que seria saudável. O que seria saudável é reconhecer o óbvio: o PS foi a segunda força política mais votada do país, por uma margem que quase seria a primeira.

Os deputados da Madeira fizeram a diferença.

Exatamente. A AD ganhou as eleições. Não é só uma questão conceptual, é uma questão mesmo prática. Seria possível PS e AD entenderem-se num conjunto de questões estruturantes, mantendo na mesma o debate político sobre outras questões fundamentais e mantendo na mesma a luta pelos votos e a estratégia eleitoral. Mas haver um conjunto mínimo de decisões ao nível do mercado habitação, da fiscalidade e também na Justiça que permitissem ao país evoluir. Se não, será muito mau para nós.

“A adoção das novas regras é mais um caso óbvio de como PS e PSD, em algumas questões estruturantes para o país, têm de se entender”, diz Pedro Brinca, em entrevista ao ECO.Hugo Amaral/ECO

Há ainda uma nova condicionante na elaboração do OE 2025: as novas regras orçamentais ditadas por Bruxelas, que impõem algum ajustamento orçamental a Portugal. Tendo em conta a despesa líquida primária que Portugal tem neste neste momento, que margem tem o Governo para negociar o OE 2025?

As novas regras trazem, por um lado, alguma flexibilidade, porque o que se negoceia são trajetórias de dívida e já não rácios específicos a cada momento no tempo. Mas traz um problema. Como é que se negoceiam regras, caminhos de dívida, de despesa ou de saldos, compromissos a vários anos, quando temos uma situação política em que o atual sistema pode não durar mais do que meses? Pergunto-me se não será um trabalho quase fútil. Não sei em que medida uma negociação possa ser feita a nível dessas trajetórias e depois conseguir limitar as decisões dos governos que lhe possam suceder por causa da instabilidade política. A adoção das novas regras é mais um caso óbvio de como PS e PSD, em algumas questões estruturantes para o país, têm de se entender. E não é apenas por ser ser bom para o país — isso devia ser suficiente –, mas porque os portugueses assim o disseram. O segundo partido mais votado do país não foi o Chega. Foi o PS.

  • Diogo Simões
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