O presidente do CES, Luís Pais Antunes, defende um acordo no Orçamento, avisando que há, sim, contextos em que os duodécimos permitem "gerir a situação", mas essa não é a realidade atual.
O presidente do Conselho Económico e Social, Luís Pais Antunes, não é favorável a um Orçamento do Estado “a qualquer preço”, mas deixa avisos contra a gestão em duodécimos e contra a antecipação das eleições legislativas. Chamar os portugueses novamente às urnas seria “um adubo” para o populismo, teme o também ex-secretário de Estado do Trabalho, em entrevista ao ECO — realizada no dia anterior ao encontro entre o primeiro-ministro Luís Montenegro e o secretário-geral do PS, Pedro Nuno Santos.
A semana e meia da entrada no Parlamento, a viabilização do Orçamento do Estado para 2025 continua por garantir, mas Luís Pais Antunes acredita que continua a ser possível a aprovação, até porque “não ouviu ninguém defender” que o país viveria melhor sem um Orçamento, afirma.
Esta é uma de três partes da entrevista do presidente do CES ao ECO. Pode ler as declarações de Luís Pais Antunes sobre o acordo de salários na Concertação Social aqui, e a sua posição sobre o próprio Conselho Económico e Social aqui.
Ainda não ouvi ninguém a defender de forma convicta – e no passado isso já aconteceu – que viveríamos melhor se não tivéssemos um Orçamento.
Acredita que será possível aprovar o Orçamento do Estado para 2025?
Pode ser viabilizado. Se vai ser ou não, é uma questão diferente. Desejo que tenhamos um Orçamento, mas acho que isso é quase uma opinião partilhada.
Se fosse tão claro os partidos já tinham sinalizado, mais à esquerda ou à direita, haveria um acordo.
Não atribuiria demasiada importância a esse facto. Estamos em presença de um contexto negocial e, num contexto negocial, as diferentes estratégias que são adotadas pelos atores envolvidos implicam que cada um número vá jogando com as suas armas.
Portanto, não há motivos para preocupação?
Motivo para preocupação, há. Com ou sem Orçamento. Agora, é um sentimento muito forte o da necessidade da existência de um Orçamento que seja equilibrado. Ainda não ouvi ninguém a defender de forma convicta – e no passado isso já aconteceu – que viveríamos melhor se não tivéssemos um Orçamento.
O presidente Cavaco sugeriu…
Mas já teve ocasião de explicar que não era bem assim.
Não compra a tese de que um Orçamento em duodécimos era, mais ou menos, a mesma coisa.
Depende muito do contexto. Há contextos em que admito que um Orçamento em duodécimos permite gerir a situação. Esse não é manifestamente o caso. Em 2025, até me custa selecionar a enumeração dos desafios. O Plano de Recuperação e Resiliência é, desde logo, um deles. Há outros desafios, como a evolução dos conflitos no Médio-Oriente. Recomeçar um processo eleitoral em Portugal demora sempre cinco ou seis meses. O país aguenta uma coisa dessas? Aguentar, aguenta, mas a um preço elevadíssimo.
Mas, se chumbar o Orçamento, o Presidente da República deve ou não antecipar as eleições?
Isso é uma matéria sobre a qual o presidente do Conselho Económico e Social não vai expressar uma opinião pública, sobretudo num contexto em que estamos muito longe disso. O processo orçamental está a começar. O Orçamento será entregue no dia 10 de outubro, de acordo com o que está previsto na lei. E, depois, o processo ainda vai demorar, independentemente de votações. Vai haver muita negociação.
Não considera que, face à informação disponível, que se vai perceber rapidamente se o Orçamento vai passar ou não. Da sua experiência, o processo vai ser longo? Portanto, só lá mais para a frente, em novembro, perceberemos se temos ou não Orçamento?
Podemos chegar ao dia 11, 12 ou 13 de outubro e dizer que morreu ali. Mas acho mais provável que o cerne da discussão passe, depois, para a segunda fase, para a especialidade.
Disse que é preferível um Orçamento a duodécimos, pelo contexto que o país vive. Mas é preferível a qualquer preço, isto é, mesmo que seja um mau Orçamento?
A qualquer preço, não é certamente preferível. Um Orçamento no qual os poderes públicos não se revejam…
Faz sentido um Governo em funções gerir um Orçamento no qual não se reveja?
A resposta só pode ser uma. É óbvio que nenhum Governo vai querer governar com um Orçamento no qual não acredita e que acha que vai ter um efeito contrário às suas políticas. O que acho é que isto não é branco ou preto. Há aqui muitas nuances. Não estamos face a uma situação em que viramos a Norte ou viramos a Sul. A diferença entre aquilo que vai ser o conteúdo e as matérias em negociação é de pequenos graus. Não posso afastar a possibilidade de, num prazo bastante curto, haver um total esclarecimento sobre o que se vai passar. Mas não me parece que seja esse o caso. Não há ninguém que esteja, tanto quanto me é dado a perceber, com uma atitude absolutamente férrea de espada ou parede.
Custa-me a identificar alguém que pudesse ganhar com a crise política. Mas, globalmente, o país perdia, os agentes económicos perdiam, os agentes políticos perdiam.
E alguém ganharia com uma crise política?
Custa-me a identificar alguém que pudesse ganhar com a crise política. Não vou dizer que perdem todos, porque há sempre alguém que pode tirar partido da situação. Mas, globalmente, o país perdia, os agentes económicos perdiam, os agentes políticos perdiam. Não acho que haja vantagens. Há, aliás, riscos no meu ponto de vista. Em termos de eleitorais, o facto de os portugueses serem chamados a votar pela terceira ou quarta vez nos últimos anos pode ter um impacto disruptivo na vontade de participação.
Fomenta populismos?
Pode contribuir. Não arriscaria dizer que fomenta, mas é um adubo. Entramos num terreno de incerteza em que as pessoas estão cada vez mais cansadas e vão procurar uma solução milagrosa. Pode ser que isto funcione, mas depois percebe-se que não só não funciona como agrava a situação.
Nas últimas semanas, o país assistiu a trocas de cartas entre o primeiro-ministro e o líder do PS sobre agendas de reuniões. Isso sugere o quê sobre o processo negocial do Orçamento do Estado, neste quadro político?
Não tenho conhecimento suficiente. Não atribuo muita importância a isso. São fait divers. Continuamos a perder bastante tempo a discutir temas que são completamente laterais. Há muita animação, muita crispação à volta de pequenas fait divers. Não acho que se ganhe muito com isso.
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Novas eleições “seriam um adubo” para o populismo
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