Victor Alves Coelho, presidente da Caixa de Previdência, explica a decisão do TC que declarou inconstitucional, por violação do princípio da proporcionalidade, dois artigos do regulamento da CPAS.
O Tribunal Constitucional (TC) declarou inconstitucional, por violação do princípio da proporcionalidade, dois artigos do Regulamento da Caixa de Previdência dos Advogados e Solicitadores (CPAS). Estes dois artigos, conjugados, impõem a todos os advogados, a partir do terceiro ano após a sua inscrição da Ordem dos Advogados e independentemente dos rendimentos efetivamente recebidos, o pagamento de uma contribuição cujo valor mínimo e obrigatório corresponde ao dobro de um ordenado mínimo nacional. Ao ECO/Advocatus, em entrevista, o presidente da CPAS explica melhor a decisão e as suas consequências.
Pode começar por explicar o contexto das decisões judiciais que culminou com a decisão do Tribunal Constitucional de inconstitucional de duas normas do regulamento da CPAS?
Por sentença de 7 de Dezembro de 2020, o Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra considerou que as normas dos art.ºs 79.º, n.º 1, e 80.º, n.ºs 1 e 2, al. e), do novo Regulamento da CPAS (NRCPAS), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 119/2015, de 29 de Junho, na sua redação inicial, ao estabelecerem uma fórmula de cálculo de uma obrigação contributiva que parte de uma base de incidência cujo valor não pode ser contestado e da qual decorre um valor contributivo mínimo obrigatório para todos os advogados (e associados da OSAE, acrescenta-se), a partir do terceiro ano civil após a sua inscrição na OA (ou na OSAE), sem possibilidade de escolha ou enquadramento em escalão inferior, violam o princípio constitucional da igualdade, de per si, bem como na vertente da capacidade contributiva que deriva do princípio da igualdade tributária, consagrados na Lei fundamental (art.ºs 13.º e 103.º, n.º 1, da CRP).
O Ministério Público, por imperativo legal e por defender tese contrária, e a CPAS, também por discordar dessa sentença, interpuseram recurso da mesma para o Tribunal Constitucional, o qual, nesse âmbito, veio a proferir este acórdão.
O Tribunal Constitucional não validou a posição do Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra?
À semelhança do que a CPAS sempre tem defendido, o Tribunal Constitucional não validou a posição do Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra, entendendo que as supra citadas normas não violam os princípios constitucionais da igualdade e da capacidade contributiva, aliás, em conformidade com o que o próprio Tribunal Constitucional já anteriormente decidira em vários Acórdãos e também, a outro nível, em conformidade com uma recente decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto (de Fevereiro de 2025).
Todavia, como o Tribunal Constitucional tem legitimidade para confrontar as normas visadas em recursos com outros parâmetros constitucionais por si tidos por pertinentes, acabou por julgar inconstitucional, por violação do princípio da proporcionalidade, ínsito ao art.º 2.º da CRP, a interpretação conjugada das normas acima referidas, na sua redação original, no sentido de impor a todos os advogados (e associados da OSAE), a partir do terceiro ano civil após a sua inscrição na OA (ou na OSAE) e independentemente dos rendimentos efetivamente auferidos, o pagamento de uma contribuição calculada com base numa remuneração convencional cujo escalão mínimo e obrigatório corresponde ao dobro da retribuição mínima mensal garantida estabelecida por lei, sem se admitir, em qualquer caso, o enquadramento em escalão inferior.

Concorda com a decisão do Tribunal Constitucional? Suponho que não…
Em primeiro lugar e independentemente de se concordar, ou não, com o sentido da decisão do Tribunal Constitucional, importa anotar que a mesma foi proferida com base num estudo e análise aprofundados da matéria e das suas diversas vertentes e abordagens, merecendo, naturalmente, todo o respeito e atenção que lhe são devidos.
Depois e não obstante, importa ter em devida consideração alguns aspetos que se podem retirar da fundamentação da decisão do Tribunal Constitucional e que são muito relevantes, nomeadamente para análises futuras (no que diz respeito, por exemplo, a eventual apreciação da redação atual das normas e, inclusive, no que também diz respeito à introdução de novas medidas no regime, tal como preconizado pela atual Direção da CPAS desde o início do seu mandato).
Que aspetos?
Por exemplo: diferentemente do que aconteceu com o Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra, que teve em consideração, na sua sentença, a prova produzida relativamente aos rendimentos declarados no ano de 2017 pela Advogada autora no processo, o Tribunal Constitucional reporta-se sempre, na sua fundamentação e na sua decisão propriamente dita, a rendimentos efetivamente auferidos, conceitos que, como se sabe, não são exatamente coincidentes e que, no que se refere a rendimentos efetivamente auferidos, suscita uma questão de difícil ou impossível solução, na medida em que a entidade credora, no caso a CPAS, não tem qualquer meio ou poder que permita comprovar ou fiscalizar os rendimentos que lhe forem indicados pelos seus beneficiários.
E no caso de advogados que não se dedicam em exclusivo ao exercício da profissão?
Apesar de o Tribunal Constitucional admitir que não pode ser excluída a hipótese de os beneficiários inscritos na CPAS, não se dedicando em exclusivo ao exercício da profissão (caso em que podem requerer, enquanto advogados ou solicitadores trabalhadores por conta de outrem, a isenção de contribuição para a Segurança Social), podem beneficiar de um rendimento mínimo mensal equiparável ou muito superior à remuneração mínima mensal garantida, não entrou, como não tinha de entrar, na questão de saber se, nesse caso, os beneficiários da CPAS devem considerar todos os seus rendimentos profissionais para efeitos de ficarem enquadrados no escalão mínimo obrigatório (como parece ser mais correto) ou se apenas devem considerar os rendimentos da profissão que impõe a sua inscrição na CPAS.
O paradigma do regime da CPAS foi colocado em causa nesta decisão do TC?
O paradigma do regime da CPAS, com base em escalões contributivos e em remunerações convencionais escolhidas pelos Beneficiários (isto é, “valores salariais definidos e quantificados unicamente para efeitos de determinação da obrigação contributiva”) – não foi colocado em causa, nem pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra, nem pelo Tribunal Constitucional – pode ser motivado, desde logo, por razões de ordem prática (como o reconhecimento da dificuldade de conhecimento e de controle administrativo das remunerações em determinadas atividades) e/ou por razões de ordem económica e financeira.
Na sequência do mencionado no ponto anterior, importa registar, porque tem sido objeto de alguma polémica, que não é defendido o entendimento que o regime da CPAS se baseia em rendimentos presumidos, mas, diferentemente, em remunerações convencionais, tal como sempre foi defendido pela CPAS.
Do mesmo modo, o Tribunal Constitucional já considerou que não resulta da CRP que um sistema específico de segurança social, relacionado com o exercício de uma certa profissão, como é o caso da CPAS, tenha de admitir a possibilidade de isentar certos beneficiários de contribuírem, por força da escassez dos rendimentos auferidos no exercício da profissão, isto é, reconhece e reafirma a obrigatoriedade de inscrição e de contribuição para a CPAS para todos os profissionais inscritos na OA e na OSAE.
E regista-se igualmente como sintomático o facto de o Tribunal Constitucional reconhecer que a situação jurídica dos profissionais inscritos obrigatoriamente na CPAS também se distingue da dos demais trabalhadores independentes.
Mas este acórdão refere-se apenas ao caso concreto?
O acórdão em causa aplica-se ao caso concreto objeto do recurso e incide sobre as supra citadas normas do NRCPAS, na sua redação/versão originária, constante do Decreto-Lei n.º 119/2015, de 29.06, em que o montante dos diversos escalões contributivos era calculado com base numa remuneração convencional por referência à Retribuição Mínima Mensal Garantida (RMMG) que, em 2025, é do montante de € 870,00, o que significa que a remuneração convencional relativa ao 5.º escalão contributivo (por norma, o escalão mínimo) seria de € 1.740,00.
Acontece que essa redação/versão já não está em vigor desde 1 de Janeiro de 2019, tendo sido alterada, por iniciativa da Direção da CPAS e independentemente de qualquer questão constitucional, por via do Decreto-Lei n.º 116/2018, de 21 de Dezembro, com o abandono da referência à RMMG, a sua substituição por um Indexante Contributivo próprio da CPAS (em 2025, do montante de € 653,65), e a possibilidade de fixação anual de um Fator de Correção, sob proposta da Direção (em 2025, da percentagem de – 8%, incidente sobre o montante que resultaria da aplicação da taxa de 24% ao Indexante Contributivo), o que significa que, em 2025, a remuneração convencional relativa ao 5.º escalão é de € 1.202,72, significativamente inferior, em cerca de € 540,00, ao que resultaria da referência à RMMG (menos 31%).

Porque foram então feitas estas alterações?
Estas alterações tiveram como objetivo garantir maior proteção aos beneficiários e maior equidade no seu esforço contributivo. Adicionalmente, nessa revisão do NRCPAS foi ainda garantida, (i) nos casos de doença grave ou parentalidade, a possibilidade de suspensão temporária do pagamento de contribuições ou a redução temporária para o 4.º escalão contributivo (cujo montante é metade do valor do 5.º escalão), (ii) a possibilidade dos estagiários não pagarem contribuições, (iii) o aumento do número de escalões contributivos, alargando a possibilidade de escolha do valor da contribuição e moderando a diferença de montante entre alguns escalões, (iv) a consagração de um regime contributivo específico para os beneficiários reformados que se mantenham no activo e (v) a redução do período de acesso às pensões de 15 para 10 anos de pagamento de contribuições.
É de registar e de enaltecer o facto de, no acórdão em causa, o Tribunal Constitucional ter reconhecido que, através do supra citado Decreto-Lei, tinham sido introduzidas no regime da CPAS diversas e relevantes alterações, dando assim implicitamente expressão à melhoria do regime da CPAS que se registou a partir de 1 de Janeiro de 2019 e que se tem mantido ao longo dos últimos anos.
Todavia, como o recurso interposto incidiu sobre a redação/versão original das supra citadas normas do NRCPAS, o Tribunal Constitucional não se pronunciou sobre a adequação e conformidade constitucional daquelas alterações, nomeadamente tendo em consideração que a remuneração convencional relativa ao 5.º escalão contributivo (€ 1.202,72) é inferior, em cerca de € 150,00, à remuneração média mensal do País e que, segundo critérios de normalização padrão dos rendimentos obtidos pelos Beneficiários da CPAS, parece, por um lado, ajustar-se aos rendimentos obtidos a partir do 4.º ano de exercício das suas profissões e, por outro, ao mínimo exigível para o exercício de tais profissões com a independência, dignidade e autonomia que o conjunto de prerrogativas legais de que gozam e que se destinam a salvaguardar o interesse público objetivo da prossecução das suas profissões reclama.
A cláusula de salvaguarda serve para ajudar os advogados?
Independentemente do que acima ficou exposto, a verdade é que o programa com que os quatro membros advogados que integram a atual Direção da CPAS se apresentaram a eleições, em Dezembro de 2022, continha já uma medida que dá resposta adequada à situação sinalizada pelo Tribunal Constitucional: a instituição de uma cláusula de salvaguarda que permite acomodar, abaixo do 5.º escalão contributivo, os Beneficiários que, comprovadamente, não disponham de rendimentos que lhes permitam suportar o montante do 5.º escalão contributivo.
Essa e as demais medidas constantes daquele programa não puderam ser implementadas através do procedimento normal previsto no NRCPAS (apresentação aos Ministérios da Tutela, por iniciativa e proposta da Direção, com o parecer favorável do Conselho Geral da CPAS), uma vez que a Assembleia da República decidiu, entretanto, recomendar ao Governo que instituísse uma Comissão de Avaliação do regime da CPAS, que apresentasse sugestões quanto ao seu futuro, Comissão cujos trabalhos ainda se encontram em curso e à qual foram, naturalmente, apresentadas aquelas medidas, no pressuposto, que se confia que venha a ser perfilhado, de manutenção da CPAS, com o seu atual paradigma e a introdução de medidas de melhoria do regime.
Para efeitos do estudo específico e da densificação de tais medidas, em geral, e da cláusula de salvaguarda, em particular, o Acórdão do Tribunal Constitucional em questão não deixará de se revelar um valioso contributo para que o regime da CPAS prossiga o seu caminho de se tornar, a cada ano, ainda mais forte, ainda mais justo, ainda mais sustentável e ainda mais solidário, como é desejo e objetivo da sua Direção e dos seus Beneficiários.
Quanto àqueles que comprovadamente não possam contribuir pelo escalão contributivo mínimo, é expectável e desejável que isso aconteça muito esporadicamente, sob pena de, se não contribuírem também para outro regime previdencial que lhes venha a atribuir uma outra pensão, terem de sobreviver no futuro com o apoio do Orçamento do Estado.
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