O sócio da SRS Legal fez uma análise do mercado da advocacia e um balanço “muito positivo” da sua carreira. Alexandre Roque avaliou ainda as regras de contratação pública.
Alexandre Roque, sócio do departamento de Público da SRS Legal, esteve à conversa com a Advocatus e fez uma análise do mercado da advocacia e um balanço “muito positivo” da sua carreira.
Afirmou que os “últimos dez anos e os próximos foram e vão ser marcados por uma mudança geracional”. O advogado e membro do Conselho de Administração da SRS desde 2020 avaliou ainda as regras de contratação pública.
Como vê o mercado dos escritórios de advogados, tal como está, face ao de há dez anos?
O contexto do exercício da advocacia em Portugal continua muito diversificado, o que é positivo. Há excelentes advogados, quer na prática individual, quer nas estruturas de maior dimensão, designadas grandes sociedades.
No caso dos escritórios de advogados que constituem estruturas de maior dimensão – que são verdadeiras empresas, como é o caso da SRS Legal, e que não são apenas constituídos por advogados mas que agregam todo um mais vasto conjunto de colaboradores, que integram os Business Services – o mercado Português tem vindo a atingir nestes últimos dez anos um grau de sofisticação e inovação francamente assinalável, especialmente tendo em atenção a dimensão do mercado e os recursos financeiros que essas estruturas exigem. Também no que respeita a estas estruturas de maior dimensão, os últimos dez anos e os próximos foram e vão ser marcados por uma mudança geracional, que também tem um efeito transformador. Os escritórios vão deixar de estar associados a grandes individualidades e passará a ser dada muito mais relevância a marcas que não representam uma ou duas pessoas, mas sim todo um conjunto de colaboradores, o reconhecimento da marca no mercado, da qualidade de serviço e de cultura, aqui entrando também outros fatores como o ESG.
Uma outra realidade que se tem vindo a verificar nos últimos dez anos é o surgimento de novas sociedades, constituídas por jovens advogados, muitos vindos daquelas estruturas de maior dimensão, e que poderão vir-se a afirmar com maior relevância no mercado ou enveredar por outras vias, nomeadamente de fusões ou integrações em outras estruturas. Por último, haverá que equacionar o tema da multidisciplinaridade, mas esse envolveria ainda um maior campo de reflexão.
Fez grande parte da sua carreira na SRS. Que mais-valias tem o escritório face aos concorrentes do mercado?
Lançámos recentemente uma nova imagem, que não se reconduziu apenas à nova marca, SRS Legal, mas também à assinatura de About Law. Around People, que quem trabalha ou já trabalhou na SRS sabe que não é mais um slogan, mas que incorpora verdadeiramente a nossa cultura e que, como então foi assinalado, se centra na agilidade, empatia, inovação e sustentabilidade. Agilidade nos processos e forma de estar; empatia nas conexões humanas – mesmo num mundo cada vez mais tecnológico; inovação no modo de pensar diferente e na ambição; sustentabilidade porque as políticas ESG são uma prioridade rumo a um futuro mais consciente. Quem conhece bem a SRS Legal sabe que é um escritório com uma cultura forte, onde se destaca o foco no cliente mas também no bem-estar dos colaboradores. Este aspeto é algo de sempre e não apenas de hoje, em que se começa a valorizar muito mais o capital humano. É, por isso, um escritório com equipas estáveis mas inovadoras, a que também não é alheia a experiência de integração num escritório internacional e na cultura de trabalho anglo-saxónica. Tudo isto faz a diferença, não se constrói de um dia para o outro, e é percecionado pelos clientes.
Com 20 anos de carreira, consegue já fazer um balanço?
Na verdade, são 24 anos de uma carreira que passou por duas sociedades com características bastante distintas: de 1998 a 2006 na Osvaldo Gomes & Associados, uma sociedade de referência ao nível do direito administrativo e do urbanismo e a que devo muito na minha formação técnico-jurídica e cujo prestígio permitiu abrir muitas portas quando, em 2006, decidi deixar uma estrutura de boutique e enveredar por estas estruturas de maior dimensão; desde 2006, na SRS Legal, então Simmons&Simmons, com um muito maior envolvimento na gestão e na relação com o cliente. Quanto a balanços, apesar de já serem 24 anos, ainda é cedo para os fazer. O que é que posso dizer? Gosto muito do que faço e é com renovado prazer que entro nas nossas instalações. O balanço é, assim, muito positivo.
O mercado Português tem vindo a atingir nestes últimos dez anos um grau de sofisticação e inovação francamente assinalável, especialmente tendo em atenção a dimensão do mercado e os recursos financeiros que essas estruturas exigem.
Existe algum caso, no qual tenha estado envolvido, que o tenha tocado particularmente ou que tenha mudado a sua perspetiva de vida de alguma forma?
A natureza do meu trabalho, a área de prática a que me dedico e o tipo de clientes, do setor empresarial e não particulares, não envolve, em regra, casos que sejam life changing, que alterem a perspetiva de vida. Casos marcantes, no sentido de desafio profissional, são vários, quer no âmbito de projetos, quer no contencioso administrativo, em particular aqueles que, à partida, se afiguram mais difíceis.
Os seus clientes costumam ser mais do lado público ou do lado privado?
Claramente mais do setor privado, é uma tendência que se tem vindo a acentuar. Embora em menor dimensão, contamos também com clientes do setor público, não só em projetos pontuais, mas também alguns casos de acompanhamento regular, que permitem conhecer o funcionamento de alguns setores da economia de forma mais aprofundada e também transversal. Contrariamente ao que por vezes é a opinião generalizada, Portugal tem muito bons dirigentes e quadros no setor público, com um nível de dedicação que, muitas vezes, surpreende.
Como avalia as regras de contratação pública, agora que já passou algum tempo da vigência do Código dos Contratos Públicos?
Parecendo que não, já passaram quase 15 anos desde a aprovação do Código dos Contratos Públicos. Um ponto muito positivo dessa reforma, que não decorre diretamente do Código, foram as plataformas eletrónicas de contratação pública. Portugal e o setor público foram precursores a esse nível. Já o Código dos Contratos Públicos não foi particularmente feliz, com um texto pouco claro, que em muitos aspetos foi além das diretivas comunitárias que estiveram na sua base e que gerou muitas dúvidas, não só no setor privado que o tinha que seguir, mas no próprio setor público que o tinha que aplicar, mas que, com o tempo, se foram dissipando através da interpretação jurisprudencial. Hoje diria que, nessa vertente, passados estes quase 15 anos, a situação está estabilizada.
A escolha pelo ajuste direto, a partir de dezembro, adotada quando não se apresentar nenhum candidato ou todas as candidaturas sejam excluídas com fundamento, não pode levar a abusos?
Na verdade, essa situação já se encontra há muito prevista nas regras de contratação pública. O Decreto-Lei 78/2022, de 7 de novembro, não inovou nesse aspeto e, em certa medida, em alguns casos, introduz mecanismos para restringir as possibilidades de recurso a este ajuste direto.
No entanto, o Decreto-Lei 78/2022 vem prever uma nova causa de exclusão de propostas que, indiretamente, permite que depois se siga aquele ajuste direto, que é a das propostas que “desrespeitam manifestamente o objeto do contrato a celebrar” ou que sejam “inadequadas”, para se utilizar as palavras da Diretiva 24/2014/EU. Mais uma vez, o legislador não foi feliz, não aprendeu com os erros do Código dos Contratos Públicos, pois não é difícil antecipar a incerteza que vão gerar estes conceitos indeterminados.
Esta regra não será um risco na gestão de dinheiros públicos, nomeadamente agora com a aplicação dos PRR?
Não me parece que no quadro da contratação relacionada com o PRR venham a existir muitas situações que levem à aplicação daquela regra. Como disse, já existia no passado e nunca foi de utilização muito frequente. Para além do necessário rigor e transparência na utilização de dinheiros públicos, no que respeita ao PRR, tal como em outros programas de fundos europeus, deve haver particular foco na respetiva taxa de execução para que não venham a ser mais uma oportunidade perdida. E também que esses fundos não sejam, na prática, utilizados na gestão corrente do Estado, mas sim em projetos verdadeiramente dinamizadores da economia e que fiquem para as gerações futuras. O PRR já foi aprovado há mais de um ano e a situação atual não é animadora.
"O Código dos Contratos Públicos não foi particularmente feliz, com um texto pouco claro, que em muitos aspetos foi além das diretivas comunitárias que estiveram na sua base e que gerou muitas dúvidas, não só no setor privado que o tinha que seguir, mas no próprio setor público que o tinha que aplicar, mas que, com o tempo, se foram dissipando através da interpretação jurisprudencial.”
Primeiro a pandemia e agora uma guerra. Como é que o seu setor de atividade tem ‘lidado’ com esta realidade?
O setor da advocacia, em particular a que é exercida em estruturas de maior dimensão, não sofreu um impacto muito significativo com a pandemia.
A título de exemplo, na SRS há muito que existiam e eram utilizadas ferramentas de trabalho remoto, que permitiram atravessar os períodos de confinamento sem grandes constrangimentos no que respeita à atividade profissional.
No que respeita aos recentes aumentos de custos que advêm da guerra na Ucrânia não deixam de gerar impacto no setor, mas, ainda assim, em muito menor grau do que outros setores com maior recurso à energia e a matérias-primas. Dito isto, embora não exista um impacto direto tão relevante como em outros setores, naturalmente o nosso setor sofrerá sempre o impacto de uma situação de crise generalizada, que ainda se apresenta com contornos indefinidos, o que exige particulares cautelas. Por outro lado, e voltando ao início da entrevista, uma fonte de preocupação é o impacto deste aumento de custos na vida dos nossos colaboradores.
Qual a parcela que o vosso departamento tem na faturação do escritório?
Naturalmente, o departamento de Direito Público não é o departamento com maior percentagem de faturação do escritório. Não obstante, tem uma característica que o diferencia de muitos departamentos desta área em outros escritórios, que é o de não ser um departamento acessório a outras áreas de prática. Como não podia deixar de ser, é um departamento que participa ativamente em projetos transversais ao escritório, mas que tem muito trabalho próprio. O que, por vezes, não acontece em outros escritórios.
É importante uma reforma do contencioso administrativo?
A morosidade dos Tribunais Administrativos é justamente apontada como um grave problema. Fora os casos dos processos classificados como urgentes – e atualmente são muitos, nomeadamente os relacionados com contratação pública -, é quase temerário avançar-se quanto tempo demora um processo nos Tribunais Administrativos. É frequente haver processos que estão mais de sete anos em 1.ª instância e isso não é aceitável.
A solução não passa, contudo, por uma reforma do contencioso administrativo, que, invariavelmente, passa pela redução dos direitos dos particulares que recorrem à Justiça. O contencioso administrativo não é certamente um caso em que se note uma utilização abusiva pelos advogados de mecanismos processuais que atrasem os processos. Não está, portanto, aí a solução.
Este é um tema que daria para toda uma entrevista, mas é de notar que, recentemente, um grupo de trabalho criado pela Ordem dos Advogados fez um conjunto de propostas muito válidas, nomeadamente de criação de novos tribunais em algumas circunscrições, o recrutamento de assessores jurídicos e técnicos para os tribunais administrativos, a possibilidade de desaforamento com o recurso à arbitragem quando estejam excedidos os tempos normais de decisão e os presidentes dos tribunais deverem identificar os processos que se encontrem pendentes há mais de 10 anos, submetendo à decisão do Conselho Superior dos Tribunais Administrativos e Fiscais propostas de medidas adequadas para cada caso.
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“O PRR já foi aprovado há mais de um ano e a situação atual não é animadora”, diz Alexandre Roque
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