"Se pudéssemos determinar por decreto-lei que acabavam os plásticos de uso único, seria muito simples, mas a realidade não é assim", disse a secretária de Estado do Ambiente, Inês dos Santos Costa.
O mês de julho de 2021 marca uma nova fase para a utilização dos plásticos de uso único a que nos habituámos a consumir no nosso dia-a-dia. Há novas regras, que deviam estar já em vigor desde o ano passado mas que acabaram por ficar pelo caminho por causa da pandemia de Covid-19, mas a verdade é que “pouca coisa” mudará de facto na experiência do consumidor quando vai a um restaurante, café ou bar, ou mesmo às compras no supermercado.
As palhinhas de plástico vão poder ser usadas até se esgotarem stocks. Copos, pratos e talheres de plástico são proibidos mas apenas para consumo no local, ou seja, no próprio restaurante. Uma das principais diferenças é que a partir de agora os clientes vão poder levar as suas próprias embalagens para trazer comida e outros produtos dos supermercados e dos restaurantes para casa. As embalagens descartáveis de take away também por cá vão continuar a circular, mas a partir de janeiro de 202 passarão a pagar uma taxa, garantiu em entrevista ao ECO/Capital Verde Inês dos Santos Costa, secretária de Estado do Ambiente.
O dia 1 de julho de 2021 marca o fim dos plásticos de uso único?
É um caminho que se está a traçar desde 2018 ao nível da União Europeia. O primeiro passo em Portugal foi a proposta e reduzir o plástico descartável na Administração Pública. Não podemos dizer: de hoje para amanhã os plásticos de uso único deixam de existir. Há um racional a cumprir. Temos muitas peças legislativas que têm de ser harmonizadas. É um facto que é complicado para o consumidores e para as empresas acompanharem as mudanças. As pessoas esperam: de um dia para o outro deixo de ver produtos embalados no supermercado, mas não é assim. Por mais que gostássemos de ver o fim de alguns abusos nesta matéria, é um caminho a trilhar ainda. Temos metas exigentes em termos de redução e reciclagem e vem aí já a imposição de metas de redução de produção de resíduos num futuro muito próximo, impostas pela Comissão Europeia. Vai exigir mudanças de comportamento, uma transformação significativa ao nível do comércio e do retalho, da indústria.
O que está então em cima da mesa, neste momento?
Temos a Diretiva Europeia que proíbe a colocação no mercado e a utilização de determinados produtos em plástico. São apenas alguns: palhinhas, palhetas, pratos, talheres. Não estamos ainda a falar de embalagens, esse campo é completamente diferente. Além disso, a Diretiva incide também sobre os produtos que causam poluição marinha e traça metas muito específicas para a recolha de garrafas de PET e obrigações associadas à gestão de resíduos, como beatas, por exemplo. Traz também uma série de novas obrigações que têm de ser transpostas para a lei nacional. Já desde 2018 tem-se assistido a uma alteração do tipo de materiais associados a esses produtos: as palhetas para misturar o café já não são de plástico, mas sim de madeira. Têm sido visíveis essas modificações, a acontecer. É o mercado a adaptar-se a uma Diretiva que foi aprovada em 2018/2019. A Diretiva já está em circuito legislativo e espero que muito em breve seja totalmente transposta para a lei nacional. A partir desse momento passará a ser proibida a colocação no mercado destes produtos, mas não a sua comercialização. Significa que não podem ser colocado mais destes produtos para venda grossista, haverá é um escoamento do stock que já existe até desaparecer por completo, porque não vamos pegar nele e metê-lo no aterro. Os produtos vão continuar a existir, mas a oferta vai ser estancada, vai ser fechada a torneira a montante.
Isso não confunde os consumidores e também as próprias empresas?
Eu percebo que para os cidadãos possa ser confuso. A partir de hoje vou a um café e ainda me dão algo em plástico, eu vou achar estranho. Então mas isto não tinha sido proibido? Mas não é essa a questão. Não se proíbe a utilização mas sim a colocação no mercado de mais destes materiais. Se pudéssemos determinar por decreto-lei que acabavam os plásticos de uso único, seria muito simples, mas a realidade não é assim.
O que vai acontecer com as embalagens de take away?
Não estamos ainda, neste momento, a falar de embalagens de take away. Neste campo, o ministério do Ambiente apoia e entende que têm de ser fomentados sistemas de embalagens reutilizáveis, como já existem em muitos outros Estados-Membros europeus. Há muitas startups e empresas que estão a apostar em sistemas de embalagens reutilizáveis, não só no take away mas em supermercados, como a Loop, por exemplo, que está a testar com a Burger King e outras cadeias de fast food a utilização destas embalagens, tal como com cadeias com o Carrefour. São embalagens que o cliente enche, leva para casa e depois devolve. Em Espanha também já há exemplos. Através do Fundo Ambiental queremos incentivar este tipo de sistemas para que rapidamente exista essa possibilidade. Tal como vai passar a ser possível os consumidores irem a um take away ou a um supermercado e levar a sua própria embalagem. Em sede de Orçamento de Estado foi também negociada uma medida que dita que as embalagens de take away vão passar a pagar uma taxa a partir de 1 de janeiro de 2022, que vai reverter para o Fundo Ambiental.
Falou em várias peças legislativas sobre o fim dos plásticos. Quais são elas e como se interligam?
Além da Diretiva, diferente é a lei que a Assembleia da República aprovou que diz respeito à proibição de utilização destes produtos — nomeadamente louça em plástico — na restauração. Mas nem sequer é em toda a restauração de uma só vez. Há um calendário sequencial: começa pela restauração sedentária, aquela que é para consumo no local, e vai progressivamente eliminando a sua utilização noutros segmentos de restauração ao longo do tempo; não sedentários, transportes, etc. São dois diplomas distintos, mas estão interligados entre si e entram, de certa forma em conflito. Por exemplo: no biodegradável a lei da Assembleia da República refere esta opção para a restauração, mas não é explícita. Já a Diretiva diz muito claramente que os países não devem fomentar a utilização de produtos em plástico biodegradável, pelo risco de entrarmos numa lógica de greewashing. São plásticos biodegradáveis, mas num contexto muito específico, num regime industrial, com recolha dedicada, podiam entrar no fluxo das embalagens e contaminar plástico reciclado normal. É um caminho feito em duplicado, mas com a diretiva tudo será mais facilmente operacionalizado no terreno. A ASAE precisa também de estar informada das novas regras, porque se trata de uma atividade económica expressiva, é necessário haver estabilidade. Existe um quadro de contra-ordenações associadas para quem não cumprir.
Mesmo mudando os materiais, continua a existir muitos descartáveis. Como se trava?
Mais do que a questão da eliminação do plástico, temos de evitar a descartabilidade. Esta é a primeira luta da Comissão Europeia, fazer com que os produtos deixem de ser descartáveis, independentemente do material, seja plástico ou madeira, seja de fonte fóssil ou biológica. Precisamos mesmo de uma palhinha para a nossa bebida, de uma palheta para mexer o café? Em conjunto, enquanto sociedade temos de refletir: precisamos de facto daquilo a que nos acomodámos a utilizar enquanto produto descartável? Depois temos de pensar nos materiais e na possibilidade de os reciclar, reutilizar. Há materiais que temos de ver com alguma cautela. A descartabilidade é uma luta ainda maior do que apenas trocar um material por outro. Esta é a verdadeira transformação.
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Plásticos de uso único vão acabar, mas “não deixam de existir de hoje para amanhã”, diz a secretária de Estado do Ambiente
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