OW Ventures procura investidores “que acreditem que lucro e propósito podem caminhar de mãos dadas”

A M4 Ventures e a Olisipo Way criaram a OW Ventures. A joint-venture arranca com o fundo Terralis para investir 20 milhões em oito anos em startups na área de sustentabilidade.

Têm em conjunto um portefólio de mais de 70 empresas investidas em Portugal e Brasil. Agora, a M4 Ventures e a Olisipo Way criaram uma nova sociedade de capital de risco, a OW Ventures. A joint-venture está a arrancar com um novo fundo focado em tecnologias para a sustentabilidade, o Terralis Fund. O objetivo é investir 20 milhões de euros em oito anos, com parte desse capital a vir de investidores golden visa.

A OW Ventures já possui no seu portefólio de fundos de investimento a Angels Way — um fundo de investimentos colaborativo focado em startups em estágio pré-seed — que recentemente iniciou o seu onboard e conta já com 1,2 milhões de euros de mais de 400 investidores.

E está na fase de lançamento do Terralis. “Queríamos um fundo que investisse em soluções reais, com foco em software, deeptech e inovação”, explica Tocha, sócio da OW Ventures. “O fundo está em fase de captação de capital e criação de relacionamento com os investidores âncora. Temos conversas avançadas para esta fase, principalmente com pessoas e sociedades que têm interesse financeiro em investir num produto destes, mas também contribuir para o impacto positivo no nosso planeta. Procuramos investidores que acreditem que lucro e propósito podem caminhar de mãos dadas”, diz.

“Queremos investir em cerca 30 empresas dentro de um mesmo tema, a sustentabilidade, para efetivamente criar impacto positivo neste setor”, adianta ainda Luís Gutman, managing partner da OW Ventures.

A M4 Ventures e a Olisipo Way juntaram-se para criar uma nova sociedade de capital de risco, a OW Ventures. Qual é o objetivo?

Luís Gutman: As equipas da M4 Ventures e da Olisipo Way conheceram-se nos últimos anos como coinvestidores noutros projetos. Criámos uma ótima relação de parceria e percebemos que temos uma visão alinhada sobre o papel do venture capital (VC) e a relação com founders, principalmente no apoio que as startups early stage precisam.

Tocha: Temos todos um background tecnológico, de engenharia e inovação, e percebemos que os VC tradicionalmente são burocráticos. Assim, decidimos criar uma sociedade de capital de risco (SCR) com o objetivo de oferecer uma perspetiva de atuação muito próxima dos empreendedores, mas também desenvolver uma SCR com mais eficiência, baseada em tecnologia. Isso reflete-se em custos mais baixos e mais abertura para estruturas inovadoras de novos fundos.

Queríamos um fundo que investisse em soluções reais, com foco em software, deeptech e inovação. Atualmente, o fundo está em fase de captação de capital e criação de relacionamento com os investidores âncora. Temos conversas avançadas para esta fase.

Tocha

A sociedade arranca com um novo fundo, o Terralis Fund, com o objetivo de investir 20 milhões em oito anos. Que capital já foi angariado?

Luís Gutman: O Terralis Fund foi pensado neste ano de 2024 para investir em startups que desenvolvam tecnologias para a sustentabilidade, alinhado com alguns objetivos de desenvolvimento sustentável da ONU. Estamos convencidos de que é um tema urgente, e que investir em inovação nesta área é crucial.

Tocha: Além da urgência do tema, percebemos que em Portugal há muito talento e vocação para este setor. Queríamos um fundo que investisse em soluções reais, com foco em software, deeptech e inovação. Atualmente, o fundo está em fase de captação de capital e criação de relacionamento com os investidores âncora. Temos conversas avançadas para esta fase, principalmente com pessoas e sociedades que têm interesse financeiro em investir num produto destes, mas também contribuir para o impacto positivo no nosso planeta. Procuramos investidores que acreditem que lucro e propósito podem caminhar de mãos dadas.

Os operadores referem que há maior liquidez no mercado nacional, muito também à conta dos SIFIDE. É um bom momento para lançar um novo fundo?

Luís Gutman: O SIFIDE traz liquidez, mas também tem alguns desafios. É necessário ser muito criterioso e cuidadoso na avaliação das empresas. Evitar que exista uma espécie de “bolha” causada pelo SIFIDE. Quando estas empresas crescem, expandem internacionalmente, e precisam de captar recursos de VC internacionais, isto pode ser um problema e até um impeditivo.

Tocha: Existem muitas empresas com enorme potencial, com grande capacidade e execução de I&D, mas que não possuem o certificado de idoneidade da Agência Nacional de Inovação (ANI), por diversas razões. Estas empresas têm maior dificuldade em aceder a capital, e nós queremos dar-lhes mais uma solução com uma equipa totalmente focada no seu mercado.

Luís Gutman: O Terralis Fund, também foi criado para contribuir num setor específico onde vemos que há muita necessidade de capital e apoio. Os fundos SIFIDE são agnósticos, na maioria das vezes, e nós, por outro lado, queremos investir em cerca 30 empresas dentro de um mesmo tema, a sustentabilidade, para efetivamente criar impacto positivo neste setor.

A Associação Portuguesa de Capital de Risco (APCRI) diz querer trazer mais capital privado para investir no ecossistema. O ‘pacotão’ apresentado pelo Governo, no que toca ao empreendedorismo, tem as medidas certas para que isso aconteça? O que falta, então?

Tocha: Faltam medidas de apoio aos fundos emergentes, que trazem uma visão inovadora, maior flexibilidade e adaptabilidade, menor burocracia, e conseguem dar resposta ao empreendedorismo early stage de forma mais eficiente.

Luís Gutman: Muitas medidas do Governo, e fundos europeus, acabam por ser direcionados para algumas, poucas, sociedades tradicionais, por variados motivos. Isso traduz-se numa concentração que não é boa para o mercado, na nossa opinião.

O SIFIDE traz liquidez, mas também tem alguns desafios. É necessário ser muito criterioso e cuidadoso na avaliação das empresas. Evitar que exista uma espécie de “bolha” causada pelo SIFIDE.

Luis Gutman

O Terralis tem como áreas foco o cleantech, agrotech, foodtech e mobilidade. O foco é em startups em Portugal ou também no Brasil? Qual é a estratégia de investimento e objetivos ao nível e montante investido e startups financiadas?

Tocha: O fundo terá como foco o que chamamos de Planet tech, tecnologias para resolver problemas de sustentabilidade do planeta. Existem subáreas como energia limpa e renovável, agrotech, redução de emissão de CO2, economia circular, entre outras. Vamos investir maioritariamente em empresas com sede em Portugal, mas com alguma margem reservada para empresas noutros países da União Europeia.

Luís Gutman: Em relação ao Brasil, o que oferecemos é apoio, network e conexões para que as empresas possam expandir os seus negócios para o mercado brasileiro, quando for o momento certo. O fundo vai investir principalmente na fase seed, com tickets médios de 500 mil euros, e apontamos para cerca de 30 investimentos.

O M4 Ventures tem investido em startups em Portugal, apoiando o seu percurso de internacionalização, inclusive para o Brasil. É uma lógica que pretendem seguir com a OW Ventures, com o fundo Terralis? Que sinergias podem ser encontradas entre os dois países?

Luís Gutman: Sim, pretendemos seguir a mesma lógica com o Terralis. A equipa de gestão da OW Ventures é composta por portugueses e brasileiros, portanto temos esta complementaridade que é muito útil para os empreendedores. O Brasil é um mercado 20 vezes maior que o português. Temos similaridades culturais, mas o mercado no Brasil é muito mais competitivo e difícil. Ajudamos as empresas a navegar melhor por estes desafios, encontrar os parceiros certos, e aumentar as suas hipóteses de sucesso no Brasil. Costumamos dizer que o Brasil é um excelente hub de entrada para empresas portuguesas que pretendem expandir para a América Latina, e até mesmo para os EUA.

Num ano, o número de startups aumentou 16%, para mais de 4.000. As startups que nascem estão efetivamente a resolver problemas novos, mais sofisticados, ou as soluções tendem a repetir-se?

Luís Gutman: Este número de startups ainda é muito pequeno comparado com outros países europeus, como a Alemanha, Espanha e França, sem mencionar o Reino Unido, líder na Europa. Precisamos de ter muitas ideias a serem criadas, testadas e implementadas, para resolver problemas reais, e isso só se resolve com um ecossistema ativo, grande e que facilite a entrada de novas startups.

Tocha: Temos sim problemas novos, e também novas soluções para problemas antigos. Muitas startups procuram aplicar novas tecnologias (AI, blockchain, etc.) para desenvolver novas soluções.

Luís Gutman: Sabemos que o ecossistema em Portugal tem melhorado a qualidade também, principalmente devido ao envolvimento de outros atores, como o setor público, as municipalidades, grandes empresas etc. O desenvolvimento de startups é positivo para o país, pois movimenta a economia, desenvolve inovação, resolve problemas reais e melhora as nossas vidas. Apesar de não ser líder em quantidade de startups, Portugal tem uma posição de destaque como um ecossistema empreendedor, e também pela qualidade de algumas startups originadas no país.

A Unicorn Factory Lisboa acaba de abrir o Greenhub direcionado para startups na área da sustentabilidade e mobilidade, dois dos setores foco do Terralis. Será um bom hunting ground para o fundo? Que sinergias pensam manter com este hub?

Luís Gutman: Ficámos muito entusiasmados com a criação do Greenhub. Quando trabalhamos num setor como a sustentabilidade, somos muito mais colaborativos do que competidores. Estamos todos a lutar contra um inimigo comum. Temos uma ótima relação e parceria com a Unicorn Factory e, certamente, o Terralis estará próximo do Greenhub.

Tocha: Por ter sido criado muito recentemente, ainda estamos a avaliar as possíveis parcerias, mas é naturalmente uma ótima forma de ter acesso a projetos na nossa tese de investimento. E um excelente local para agregarmos valor ao ecossistema.

Tenho cautela sobre o termo unicórnio, porque o status se baseia em avaliações de mercado que podem ser instáveis ou até inflacionadas. É uma métrica interessante de crescimento e potencial, mas traz riscos ao mercado e às expectativas dos investidores e fundadores.

Luís Gutman

Há mais startups, mas não mais unicórnios. O ecossistema português está a ter dificuldades em escalar? Como se pode dar maior robustez?

Luís Gutman: Penso que este problema é causado mais pela conjuntura europeia e mundial, do que pela qualidade das empresas. A falta de investimento dificulta a escalabilidade, neste caso, e não o contrário.

Tocha: Tivemos taxas juros globais altas, incertezas políticas, económicas e guerras. Tudo isto fez com o que os investidores fossem mais conservadores, seja nos montantes investidos, seja na avaliação das empresas. E como consequência, ficaram muito mais seletivos nos seus investimentos.

Luís Gutman: Particularmente, eu tenho cautela sobre o termo unicórnio, porque o status se baseia em avaliações de mercado que podem ser instáveis ou até inflacionadas. É uma métrica interessante de crescimento e potencial, mas traz riscos ao mercado e às expectativas dos investidores e fundadores, que podem ser frustradas quando o desempenho não acompanha a avaliação inicial.

E como é que os fundos podem também eles escalar e com isso ir a rondas mais elevadas? Através de parcerias, como a que deu origem à OW Ventures?

Tocha: Um fundo é um produto financeiro, como qualquer outro, com os seus devidos riscos e potencial de retorno. O track record de um fundo, e também a sua equipa de gestão, são os maiores atrativos a novos investidores. No caso da OW Ventures, temos uma equipa de gestão com um skill set complementar e muito valiosos para empresas startups early stage. Não só porque trazemos capital, mas porque agregamos valor às suas empresas.

Luís Gutman: O nosso track record de muitos anos e a nossa capacidade de apoio para expansão internacional trazem uma mais-valia ao investidor sobre o potencial retorno que ele pode esperar.

Tocha: Por sermos uma SCR recente, um emerging fund manager, queremos também demonstrar que temos a agilidade, flexibilidade e eficiência que fazem muitas vezes falta neste mercado.

A reeleição de Donald Trump, com um programa centrado no protecionismo, pode trazer significativas implicações para o ecossistema económico global. A principal consequência seria a redução da liquidez e a disponibilidade de capital para investimentos. Mas também sabemos que os discursos políticos nem sempre se materializam na prática.

Luis Gutman

Até final de outubro, já foi investido mais de 300 milhões de euros no ecossistema, tendo por base dados da Dealroom, acima dos menos de 200 milhões no ano passado. Será uma tendência de crescimento que se irá manter até à reta final do ano?

Luís Gutman: Sim, ainda há muita liquidez nos fundos para serem aplicados no mercado. Também temos eventos geopolíticos importantes como as eleições nos EUA, as resoluções ou diminuição dos conflitos atuais no Médio Oriente e Leste Europeu, e outros fatores que podem ajudar a diminuir a perceção de risco dos investidores.

Tocha: No caso do Terralis Fund, especificamente, acreditamos que 2025 é um ano importante para a sustentabilidade. Estaremos a cinco anos do prazo de 2030 para atingirmos diversos objetivos globais. Cinco anos é um prazo curto, porém possível, para criar impacto positivo neste setor. Já estamos atrasados nesta corrida e, por este motivo, temos de investir nos empreendedores que criam inovação tecnológica nesta área.

Donald Trump foi eleito para novo mandato e, em campanha, referiu uma política de protecionismo, aumentos de taxas, que poderão levar a subida da inflação. Que impacto pode vir a ter no ecossistema ao nível de capital disponível? Voltaremos a assistir em 2025 a um novo aperto da torneira dos fundos?

Luís Gutman: A reeleição de Donald Trump, com um programa centrado no protecionismo, pode trazer significativas implicações para o ecossistema económico global. A principal consequência seria a redução da liquidez e a disponibilidade de capital para investimentos. Mas também sabemos que os discursos políticos nem sempre se materializam na prática. Então, na teoria, é provável que em 2025 vejamos uma retração no fluxo de capital, o que poderá limitar o crescimento e a competitividade de diversos setores da economia global, dificultando o acesso a fundos.

Entretanto, este contexto de restrição de capital pode, paradoxalmente, abrir oportunidades para venture capital. Surgem brechas para investimentos em setores que promovam eficiência e inovação local, ajudando as empresas a reduzir custos. Setores como automação e energia limpa, por exemplo, podem atrair mais atenção, pois oferecem soluções resilientes e economicamente sustentáveis. Além disso, investidores de capital de risco podem apoiar empresas que desenvolvem tecnologias disruptivas para enfrentar a inflação, como inteligência artificial para otimização de processos e agrotech, que visa aumentar a produtividade agrícola e reduzir custos de produção. O nosso objetivo será sempre identificar e aproveitar as oportunidades que emergem no cenário atual.

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