O gestor judicial tem sido nomeado para liderar alguns dos maiores processos de insolvência e de revitalização do país. Diz que não gosta dos holofotes, mas reconhece que são desafios com graça.
Pedro Pidwell saltou para a ribalta com o caso da liquidação da têxtil Ricon, que levou ao despedimento de perto de 800 pessoas. Em entrevista ao ECO, o gestor judicial, que tem tido alguns dos casos mais mediáticos do país, reconhece que os administradores de insolvências podem ser vistos como “os coveiros” das empresas, mas diz que isso é uma injustiça. “Na verdade temos, muitas vezes, essa função, mas não temos nenhuma responsabilidade. A empresa chegou lá não foi pela nossa administração” refere.
O administrador judicial reconhece que tem tido “oportunidade de trabalhar em processos que têm sido muito bem-sucedidos”. E dá como exemplos a Soares da Costa e a Urbanos. Em sentido contrário, diz que tem pena que a Finpro, empresa que era controlada pelo Estado, Amorim e Banif, não tivesse ido para revitalização.
Tem tido alguns dos processos mais mediáticos do país. Quais é que tem de maior dimensão?
Tive a Soares da Costa. Foi proferido agora o despacho de homologação do plano, portanto, em princípio, o processo vai andar pelo bom caminho. Tenho um pequeno processo do BES, a Espírito Santo Financial, que detinha a participação social do BES e da Partran, que era dona da Tranquilidade. Com a resolução do BES e com a declaração de insolvência da Partran — Sociedade Gestora de Participações, a Tranquilidade foi vendida. É um processo que depende do resultado da litigância sobre a questão da resolução, não se sabe quanto tempo vai demorar a resolver. Tive, e tenho ainda, a Finpro (sociedade que era controlada pela Amorim, Banif e Estado). É um processo que ainda está pendente. A Finpro começou por ser um processo de revitalização que não foi aprovado. Aliás, até houve um inicial que foi aprovado e não foi executado. Depois recorreram a um novo processo de revitalização, esse sim não foi aprovado, pelo que foi declarada a insolvência.
Teve também a RS Holding, detida por Nuno Vasconcellos…
Esse é muito recente. São processos com muita visibilidade, mas que, em termos de liquidação, não se espera grande coisa dali. Assim como a Fundação Horácio Roque, são nomes muito sonantes, resultam da resolução do BES e do Banif, mas que, em termos de processo de insolvência, não têm muito substrato, porque são entidades que estão vazias.
A Ricon é um processo que dá visibilidade por uma situação infeliz, na medida em que as empresas tiveram mesmo de encerrar. E, portanto, foram despedidas 800 pessoas, que é uma coisa muito pesada, muito grave.
Paralelamente a esses casos que são dados como perdidos, surgem a Urbanos e a Soares da Costa, onde os PER foram aprovados.
No caso da Urbanos, correu bem o processo de revitalização. Inicialmente, foram feitos cinco processos, que depois deram lugar a três e foram promulgados, homologados. Diria que é um caso de sucesso.
E agora tem a Ricon…
A Ricon é um processo que dá visibilidade por uma situação infeliz, na medida em que as empresas tiveram mesmo de encerrar. E, portanto, foram despedidas 800 pessoas, que é uma coisa muito pesada, muito grave.
Todas essas empresas, ou quase todas, eram apontadas como casos de sucesso. Como é que se chegou a estas situações?
Sou jurista e a minha análise é baseada na experiência, e não uma análise técnica, financeira ou económica. O que percebo é que uma grande parte das empresas estavam muito endividadas junto dos bancos, com crise a fechou-se a torneira, de um lado, e não existiam receitas, do outro. Acabaram por não conseguir cumprir com o serviço da dívida e isso é um efeito de bola de neve.
Paralelamente a esses casos não se deparou também já com má gestão e gestão fraudulenta?
Sim, má gestão talvez. Agora é fácil dizer que determinadas ações foram erradas, mas na altura, se calhar, justificavam-se. Relativamente à gestão fraudulenta, a questão da insolvência como culposa tem aparecido e tornou-se mais evidente desde a alteração da lei, em 2012, em que os qualificados passaram a poder ser responsabilizados pessoalmente. Passaram a existir mais decisões, mas num patamar mais baixo, ou seja, em processos de insolvência muito mais pequenos.
A banca não terá também alguma quota-parte de responsabilidade?
Isso é a velha discussão, saber se a banca tem alguma responsabilidade no financiamento que fez em determinadas condições. Era uma conjuntura. O dinheiro era abundante, estava disponível e ninguém estava preparado para ficar sem ele de um momento para o outro. Grande parte do tecido empresarial com que me tenho cruzado funciona com alavancagem bancária. Mas, ao lado dessas empresas, existem outras que tiveram capacidade de aguentar a crise porque tinham meios para pagar a conta, é esta a diferença. É a diferença entre o empresário à norte-americana, que faz a empresa com o seu próprio capital, do empresário que tem capacidade de risco, é empreendedor e tem interesse, mas funda a empresa em cima de uma dívida. Isto é muito bom enquanto se vivem tempos de vacas gordas, mas torna-se muito difícil quando enfrentamos uma crise como a que vivemos em 2010/2011.
A vinda da troika mudou alguma coisa?
Não. Aliás, o que mudou, mudou em aspetos técnicos. Se bem me lembro, a troika, relativamente ao regime de insolvência, achava que deviam ser facilitadas e proporcionadas condições para que fosse mais fácil recuperar as empresas. Em simultâneo, o Estado altera o artigo 30 da Lei Geral Tributária e passa a dizer que os créditos do Estado são indisponíveis, ou seja, o Estado beneficia de uma prerrogativa que mais ninguém tem e que, em determinados casos, é impeditiva de se encontrar uma solução. Todos conhecemos casos em que o Estado votou contra determinadas medidas de revitalização, pelo que elas não puderam ser levadas para a frente.
Está a pensar, por exemplo, na Soares da Costa, quando o primeiro PER foi vetado por voto contra da CGD?
A CGD votou contra o primeiro PER da Soares da Costa e, talvez por isso, o primeiro plano não tenha sido homologado. Mas a Caixa, apesar de ser um banco público, não é o Estado, nem o credor Estado. O credor Estado são as Finanças e a Segurança Social. A CGD é um banco público, mas, para este efeito, é um credor privado.
Prefere estes processos mais mediáticos ou os outros onde trabalha mais descontraidamente, sem ter os holofotes sobre si?
Os holofotes são-me praticamente irrelevantes ou mesmo irrelevantes. Não têm importância nenhuma. Por natureza, sou discreto, por isso não me agrada nada os holofotes em cima de mim. Agora, estes processos representam desafios. E isso tem graça. Saber que é algo difícil e conseguir fazê-lo com êxito é gratificante. É gratificante profissionalmente conseguir fechar um tema como o da Soares da Costa e a Urbanos, por exemplo.
Como é que se mede a taxa de sucesso de um administrador de insolvência?
Mede-se exatamente pelo montante dos créditos pagos. O administrador judicial num processo de revitalização não esteve lá antes, só passa a estar depois de decretado o PER, e na insolvência é exatamente a mesma coisa. A empresa chega à insolvência e só depois de ser decretada a insolvência é que é nomeado um administrador. É evidente que há determinados casos em que as empresas se mantêm em funcionamento e, portanto, pode haver aí uma intervenção do administrador no sentido de salvaguardar valor, que é a preocupação que tem de ter. Não nos podemos esquecer que o resultado da venda dos ativos é aquilo que é distribuído aos credores. Logo, o sucesso ou insucesso de um administrador de insolvência é em função da percentagem de ressarcimento de cada um desses credores.
Qual é o balanço no seu caso?
Não sei, não tenho essas contas feitas, não lhe sei dizer… Há muitos processos. De resto, todos nós temos muitos processos em que não há nada para liquidar, isso faz logo descer a média.
Qual é o caso que lhe deu (ou dá) mais dores de cabeça até hoje?
Dores de cabeça… Há sempre processos que, pela sua natureza, num ou noutro ponto, trazem preocupações. Este caso da Ricon é difícil, exatamente pelo que já falamos, pelo despedimento das pessoas. É evidente que tentámos fazer o que estava ao nosso alcance para diminuir esse sacrifício.
A Ricon foi o caso com que trabalhou em que houve mais despedimentos?
Sim. São cinco empresas, uma delas tinha 380 trabalhadores. É muita gente. No total foram 800 despedimentos.
Ao longo destes anos, como administrador de insolvência, não há nenhum episódio caricato?
Há várias coisas caricatas, uma vez fui nomeado administrador de insolvência de uma aquacultura que tinha lá peixes. Havia peixes nos tanques… É um problema. O que se faz aos peixes? Como é que se dá de comer aos peixes? Outra vez, na mesma linha, fui nomeado administrador de insolvência num processo que era nuns aviários e, quando fui visitar um dos prédios, que pensava estar vazia, encontrei montes de galinhas. Antes de ser declarada a insolvência, o insolvente tinha feito um arrendamento, pelo que dei de caras com uns milhares de frangos. Isso às vezes acontece.
Os administradores têm muito poder ou deviam ter mais?
Muito poder? Não sei…
Alguma vez se sentiu limitado nas suas funções?
As coisas estão definidas. Há coisas que são da competência do administrador de insolvência e o que este tem de fazer é decidir, e outras que não. Não tem de ouvir a comissão de credores e eu acredito que isso está bem definido. Cada um exercendo as suas competências.
"Quer o PER, quer o processo de insolvência na vertente de recuperação são ferramentas úteis que, se forem bem utilizadas, permitem a reestruturação da dívida. O problema é que, por razões que não vale a pena estar a enumerar, a tradição empresarial portuguesa leva a que, quando as pessoas tomam a decisão de recorrer a uma dessas medidas de recuperação, já estão para lá da viabilidade.”
Diz que os processos são muito morosos, isso não será uma falha do sistema?
Os processos tornam-se lentos mas é por inerência. A partir do momento em que uma estrutura que rolava e que geria uma empresa desaparece e esta passa a estar centralizada numa só pessoa — e, ainda por cima, em determinadas circunstâncias, tem de ser ouvida a comissão de credores — há aqui uma perda de eficácia. Tudo começa a andar mais devagar. Aliado a isto, há ainda a questão da morosidade da Justiça, mas isso é outra conversa.
Numa situação de aflição, mais vale as empresas entrarem rapidamente em PER do que continuarem a arrastar-se?
Isso é outro problema. E também está estudado. Quer o PER, quer o processo de insolvência na vertente de recuperação são ferramentas úteis que, se forem bem utilizadas, permitem a reestruturação da dívida. O problema é que, por razões que não vale a pena estar a enumerar, a tradição empresarial portuguesa leva a que, quando as pessoas tomam a decisão de recorrer a uma dessas medidas de recuperação, já estão para lá da viabilidade. Ou seja, a empresa já está totalmente desarticulada ou em vias disso, a dívida é insustentável e, portanto, não é exequível, não se consegue fazer nada daquela manta de retalhos em que a empresa se transformou. O que me parece é que se fossem planeadas com tempo, às vezes um, dois, três anos antes, provavelmente, seriam mais bem sucedidas e em maior número. Não sendo assim, é o que se vê. A maior parte dos casos, quando chegam ao momento de se tentar recuperar, já não têm os meios. Já não têm os recursos necessários para libertar os fluxos para pagar a dívida.
A Ricon é um desses casos?
Não queria muito falar disso porque está a acontecer. É cedo para fazer essa história.
Mas porque é que a Gant não quis sequer falar consigo?
A dada altura, falámos e foi-me transmitido que não tinham interesse em explorar as alternativas que lhe tinham sido colocadas. Não queriam.
Mas não queriam porquê? Estavam cansados do processo?
Não sei. O que me foi dito, e que foi tornado público numa assembleia, é que não sabiam qual era a orientação estratégica que iam dar à intervenção do grupo no mercado português. É uma resposta esclarecedora.
Percebe que as pessoas olhem para os administradores de insolvência como os “coveiros” das empresas?
Sim, mas isso é até injusto, na medida do que lhe disse anteriormente. Na verdade, muitas vezes temos essa função, mas não temos nenhuma responsabilidade. A empresa chegou lá não foi pela minha administração ou pela nossa. Felizmente, tenho tido oportunidade de trabalhar em processos que têm sido muito bem-sucedidos. E isso também me enche de satisfação. Agora, a coisa tem que ser planeada com antecedência e frieza.
Na Soares da Costa são perto de 1.500 postos de trabalho…
Sim, para aí. São muitos, nem quero pensar se tivesse corrido mal. Foi proferido o despacho de homologação. É aguardar o trânsito.
O seu papel acaba aí?
Sim, com o trânsito em julgado cessam as funções do administrador judicial. A lei, agora, tem previsão expressa que diz que, com o trânsito em julgado, cessam as funções do administrador judicial provisório.
Esse é um caso de sucesso para si?
Sim. Na quota-parte que me diz respeito, sim.
De todos os processos que falamos, para qual é que olhou e pensou “isto devia ter-me chegado às mãos de outra maneira”? O do BES, por exemplo?
Um dos processos que tenho pena que não tenha sido aprovado e homologado é o da Finpro, por exemplo. Era um processo importante e emblemático mas, por outro lado, em termos pessoais, foi muito interessante porque participei em negócios de venda internacionais, que era uma coisa que não tinha feito e que dificilmente faria. Foi um processo à séria. Foi muito interessante.
Mas porque é que diz que tem pena que não tivesse ido para a frente?
Porque existiam cinco ou seis acionistas, Grupo Amorim, universo Caixa, Banif, o Fundo da Segurança Social. E porque, quando os processos de revitalização não resultam, sinto sempre que se perdeu uma oportunidade.
Mas nesse processo diz que sentiu pena…
Era um processo muito grande, e talvez para os credores, numa determinada fase, pudesse ter sido mais interessante a revitalização… Não sei. Mas, por outro lado, também se fez o processo de venda, liquidou-se um ativo muito importante e há muito dinheiro para distribuir pelos credores e, se calhar, sendo eles bancos, preferem ver-se ressarcidos, em parte, do que ficar o crédito reestruturado. Tive um grande envolvimento com o processo da Finpro. É um processo importante na minha vida profissional. Há outros, a Urbanos é um processo muito giro, é um processo que correu bem, começou por correr mal e depois correu bem. Isso também tem graça.
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Pedro Pidwell: “Estes processos mediáticos são um desafio. E isso tem graça”
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