João Manso Neto, CEO da Greenvolt, afirma que empresas já não podem ver a sustentabilidade energética como um luxo, mas sim como necessidade. Ouça o podcast "À Prova de Futuro".
A sustentabilidade energética já não é um luxo para as empresas, mas sim uma necessidade, pois além de oferecer benefícios em termos de imagem ajuda o ‘bottom line‘ através de custos mais baixos e eventual venda de eletricidade aos vizinhos. A primeira frase de João Manso Neto, CEO da Greenvolt e um dos gestores mais respeitados na área das energias renováveis, coloca logo a questão no seu contexto atual durante o terceiro episódio do podcast do ECO, “À Prova de Futuro”, focado em empresas e tecnologia.
Manso Neto afirma que é urgente as empresas começarem a colocar, por exemplo, painéis solares nos telhados para autoconsumo e partilhar com outras empresas ou até entidades públicas como hospitais. Infelizmente, realça, a evolução desta prática é travada pelo “vício” do subsídio em Portugal, algo que o PRR veio exacerbar. Projetos básicos de painéis fotovoltaicos podem ser auto-financiados. Recorrer ao subsídio é necessário, sim, quando o projeto envolve baterias, que são mais caras.
A questão é também de mentalidade, diz o gestor, apelando a que o Estado dê o exemplo de mudança, executando projetos renováveis, mas admite que falta capacitação em termos de tomada de decisão, tanto no setor público como no privado.
Ouça o episódio no leitor abaixo:
Que benefícios é que as empresas portuguesas podem colher ao apostarem na sustentabilidade energética nesta altura? Que importância é que este fator poderá ter, ou deverá ter, nas estratégias das empresas?
Do meu ponto de vista, a sustentabilidade não é um luxo, A sustentabilidade é uma necessidade e o que pode acontecer é que as empresas entendam aquilo que a sustentabilidade se pode traduzir no efeito positivo na conta de resultados. Por que se as empresas não fizerem nada em termos de sustentabilidade energética, não só não ficarão bem em termos de imagem, mas, mais importante que isso, acabarão por perder. Portanto, o conselho que daria é que as empresas procurem buscar dentro dos modelos de sustentabilidade que existem para reduzir o nível de poluição, emissão de CO2, procurar aqueles subprodutos, aquelas aplicações que permitem efetivamente prepararem-se para o futuro e ter um efeito muitas vezes positivo já na conta dos dos resultados.
Estamos a falar do bottom line e também na imagem.
Nas duas coisas. Muitas vezes pensa-se na sustentabilidade só como imagem. Não é. Se não se fizer nada na sustentabilidade vai se ter um custo de P&L, de bottom line. E, muitas vezes, esse custo não é só a prazo, é já. E o custo já pode não ser só um custo, é um ganho interessante. Defendo muitas vezes isto. Muitas vezes há empresas que têm telhados enormes. Uma empresa de logística, que se questiona, por que pôr painéis se o consumo de eletricidade é tão pequeno. Mas esquece que não só podia poupar alguma coisa, mas sobretudo deixa de ganhar. Ou seja, pôr ao serviço da comunidade, mas também dele próprio, uma capacidade de produção de energias renováveis que, além do mais, não tem efeito intrusivo.
Isto é uma coisa que pode parecer estranho, mas que sendo tão evidente, o nível de aproveitamento disto ainda é muito pequeno. E diria que não é só cá, é pequeno genericamente, começamos hoje a ver multinacionais, grandes investidores em real estate, a olhar para isto seriamente. Mais uma vez, é sustentável? Fica bem na imagem? Fica. Mas em cima disso há uma fonte de proveitos. Ou seja, muitas vezes, quando se fala de sustentabilidade só se pensa nos custos. Há que pensar também na possibilidade de aumentar receitas ou reduzir custos diretos. E diria que é assim que eu penso que as empresas têm de pensar.
Que tecnologias considera as mais promissoras precisamente para as empresas se tornarem mais sustentáveis energeticamente?
A mais simples é, de facto, os painéis solares que se podem cada vez mais associar a baterias e assim também se associa ao carregamento de veículos elétricos. Agora, isto resolve o problema da eletricidade, mas a questão da energia não é só eletricidade. O calor, em muitos casos, é muito mais importante que a eletricidade e aí já são necessárias outras soluções. Bombas de calor? Algumas mais sofisticadas ainda, que têm a ver com o armazenamento térmico. O que é evidente e massificável são os painéis, e cada vez mais com baterias, mas as bombas de calor a nível social também.
Mas dizia que a penetração ainda é muito pequena, pelo menos na parte dos painéis e baterias. Em que ponto é que acha que deveríamos estar no médio prazo?
Mais do que aquilo que eu acho, a União Europeia em 2022 falou em que no final da década isso poderia representar 25% do consumo elétrico e isto numa economia que vai ser mais diversificada do que hoje. Nós hoje não temos 5%, em maior parte dos sítios.
Uma das soluções que o João tem defendido publicamente é o desenvolvimento da produção de energia renovável, especialmente em solar, de forma descentralizada. Este é um tema que é relativamente novo no meio público português. Gostaria de pedir se nos podia ajudar a explicar aos nossos ouvintes o que é que isso significa e como é que isso funciona e qual o papel que as empresas poderão ter nessa nessa nova forma de rede de geração de energia?
A tradicional geração de eletricidade baseia-se em centros produtores centralizados e depois há fios e mais subestações e outro tipo de equipamentos que levam a energia aos consumidores.
Muitas vezes, e isto é contraintuitivo, os PRR são perniciosos porque as pessoas atrasam decisões de investimento à espera de um subsídio de que não precisam.
Basicamente fábricas de energia?
Centralizadas, que podem ser renováveis, podem ser hidroelétricas, podem ser a carvão, podem ser nucleares, podem ser o que quisermos, mas o modelo é esse. Qual é problema de utilizar as renováveis para grandes projetos? A vantagem é que são projetos maiores, com mais eficiência. Mas quais as suas duas desvantagens? Uma, sobrecarga das redes, portanto muito mais investimento em redes.
Ainda ontem [na passada segunda-feira] Mario Draghi, diz isso, que é preciso investimentos muito elevados em redes. Outro é questões ambientais. Se tivermos uma floresta, mesmo de eucaliptos, e substituirmos por painéis fotovoltaicos, não é fantástico. Pelo contrário, se utilizarmos os telhados das fábricas, das casas, dos mercados, das escolas, dos estádios de futebol, para produzir eletricidade para si ou para os vizinhos o impacto ambiental é mínimo. Normalmente é mínimo. O investimento em redes acaba por ser menor, porque não precisa de tanto investimento global. E mais uma vez, se pergunta isto é muito caro, não é. Os números revelam que genericamente isto paga-se. E quando eu digo paga-se com rentabilidade, com paybacks de três , quatro, cinco anos, normalmente não mais do que isto, portanto muito rápido.
E depois o interesse adicional é que neste momento existe um mercado privado que financia este tipo de projetos. A empresa se quiser, investe, e às vezes tem que o fazer para beneficiar dos PRR e de outro tipo de subsídios, porque têm de estar investidos no seu ativo, mas não tem. E portanto o potencial é gigante. Primeiro, a nível europeu está consagrado o que se chama hoje o sharing, não só para autoconsumo individual, mas para venda aos vizinhos o que eu não consumo. Por outro lado, cada vez mais acontece que este tipo de investimentos tem realmente financiamento privado.
E Portugal, como estava a dizer, tem uma legislação bastante avançada, mas de facto a aplicação no terreno ainda não está aos níveis que queremos. Porquê? Por questões regulamentares, no pormenor? De alguma forma. Deveríamos ser mais rápidos. Se calhar muitos projetos deviam estar licenciados em um, dois, três, quatro meses e às vezes demoram seis meses ou nove.
Mas também há outra questão que é mais primária, que é as pessoas que decidem. E aqui estou a falar não só do setor privado, mas fundamentalmente do setor público, porque o setor público é o maior proprietário do país, se incluirmos as câmaras, os governos e tudo mais. Mais uma vez, isto tem a ver com o orçamento? Isto não tem coisíssima nenhuma a ver com o orçamento. Ai é preciso subsídio. Mais uma vez se quisermos pôr baterias, sim, mas se quisermos fazer o básico que é só painéis, não preciso de subsídio.
E muitas vezes, e isto é contraintuitivo, os PRR são perniciosos porque as pessoas atrasam decisões de investimento à espera de um subsídio de que não precisam. Como digo, com uma bateria já não é a mesma coisa, porque embora tenham baixado muito de preço, ainda estão caras, relativamente só a painéis puros e duros, não é preciso subsídios para nada.
Mas nesse caso até aproveitava para perguntar porque realmente há sempre muito interesse nos apoios e incentivos da parte dos nossos leitores. Vê os apoios que estão agora disponíveis como suficientes ou até, a certo ponto, desnecessários?
Na minha opinião, para os projetos básicos de painel fotovoltaico não precisam de subsídios nenhuns, mas às vezes as pessoas é que gostam de ter subsídios, é um vício.
Para autoconsumo, portanto, acha que não valia a pena
Genericamente, não. Se quisermos, no autoconsumo, juntar com baterias, lógica de meter as baterias neste sistema? As baterias não são só para autoconsumo. Os sistemas elétricos cada vez precisam mais de baterias, porque à medida que haja mais sol, há uma concentração de produção em determinadas horas, e pode haver horas em que a produção solar é tão forte que pode ser mais forte que o consumo. Portanto, cria situações de preços zero ou negativos. As baterias têm a grande vantagem de poder deslocar, numa base diária, a produção de umas horas para as outras. Portanto, as baterias fazem falta a nível macroeconómico também. E aí diria que os apoios que se tem dado são insuficientes.
O Estado ser um exemplo ajudava muito. Em que o Estado venha dizer eu faço isto, e financio isto. No Orçamento Geral do Estado não custa nada. Não é aquela história das SCUT é que não custa hoje, mas custa muito amanhã, não é.
Disse que é quase uma questão de mentalidade aqui com dependência dos subsídios, com a PRR especialmente a criar muita expectativa, segundo ou alguma ausência de decisão no Estado. Isto é uma questão de literacia energética. Como é que se pode alterar isso?
O Estado ser um exemplo ajudava muito. Em que o Estado venha dizer eu faço isto, e financio isto. No Orçamento Geral do Estado não custa nada. Não custa nada, não é aquela história das SCUT é que não custa hoje, mas custa muito. Não é isso. É que além de não fazer o investimento, vai pagar logo desde o momento zero menos custos pela eletricidade, porque não pagas as redes. Aqui não há milagres, não paga as redes porque não as usa. Portanto, acho que o Estado dar o exemplo é muito importante. O resto tem muito a ver com a mentalidade. Está atrasado? Está. Mas há quem faça? Claro que há. Portanto, nós temos um backlog por instalar de 150 megawatts.
Muitas vezes também se esbarra com algumas autorizações, mas algumas coisas se fazem. Empresas, alguns hospitais, são excelentes como consumidores, como produtores, embora às vezes não tanto porque os telhados estão ocupados com outros equipamentos. Agora, como consumidores os hospitais são fantásticos. Um caso em que nós participamos foi a Astra Zeneca e em que o excedente que eles têm, eles vão dá-lo ao Hospital Amadora-Sintra, Nós temos um projeto também que está implementado, que é no Estádio do Restelo, que fornece energia elétrica ao hospital da Fundação Champalimaud.
Um serviço público associado
Sim, mas ganhando-se dinheiro. Nós, quando fazemos investimento, o clube tem eletricidade mais barata e para o hospital também sai mais barato. Ninguém está a fazer caridade a ninguém. As pessoas têm muitas vezes de ter tempo para pensar em coisas importantes e todos nós cometemos erros, entre o urgente e o importante escolhemos sempre o urgente Isso é uma coisa que temos de combater, e a maneira de combater isto é com muita persuasão. O Estado dar o exemplo, podia e devia, com todas as vantagens. A nível das empresas, tem que ter um trabalho muito duro. Têm que estudar, as empresas tem que estar bem preparadas.
Têm que ter recursos para estudar essas coisas.
Tem que haver, claro. Um projeto que nós estamos a fazer, na antiga Siderurgia Nacional, na Maia, é um projeto complexo, depois é preciso articular com os equipamentos. Não é uma coisa que se faça em cinco minutos. Por outro lado, uma coisa que nós fazemos é trabalharmos, como estamos em vários países do mundo, de modo em que hoje, em termos europeus fundamentalmente, numa ótica multinacional, quer com empresas lá fora que têm cá subsidiarias ou com empresas portuguesas que estão estabelecidas em vários mercados. Isso é algo que para nós é importante.
Falando em termos de sociedade inteira, como é que vê o fenómeno das comunidades energéticas? Como é que vê a importância deste tipo de organizações?
Se uma empresa tem um telhado pequeno e consumir tudo, não precisa das comunidades energéticas para nada. Mas acontece muitas vezes nestes casos que vos dei, um armazém, um mercado, em que têm uma capacidade de produção muito grande e um consumo próprio muito pequeno, a única maneira de fazer estes projetos rentáveis é vendendo aos vizinhos, compartilhando com os vizinhos, e isso só com comunidades. E náo é só isso. Vou dar um exemplo de empresas sazonais, por exemplo, uma empresa de concentrado de tomate. Tem telhados enormes, consome imenso numa determinada altura do ano e no resto do ano não. Ou seja, numa ótica de autoconsumo não paga, não meter no telhado painéis gigantes para consumir dois meses no ano, tem que partilhar com os vizinhos. Às vezes as pessoas associam as comunidades só a coisas pequeninas, particulares, o que não quer dizer que não encaixe também. Mas a ligação entre indústria, instituições e particulares tem imenso potencial.
Pode ser em grande escala.
Mas não são coisas gigantes, podem ser projetos de umas centenas pequenas de quilowatts que têm excedentes. Nós já temos 25 comunidades de energia a funcionar, 25 são aquelas em que há excedente. Temos muito mais projetos instalados, centenas, mas com comunidades finalmente a funcionar são 25 já totalmente licenciadas e a partilhar energia com outros.
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“Projetos básicos de solar não precisam de subsídios nenhuns. É um vício”
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