O vice-presidente do PSD e coordenador no partido do setor da habitação tece duras críticas ao pacote de medidas do Governo, que vê no global como "muito mau" e um "erro monumental".
Mesmo que o PS aprove no Parlamento as medidas propostas pelo Governo, há, pelo menos cinco que vão ser revogadas assim que o PSD assuma o Executivo. Em causa estão o arrendamento coercivo, o fim das licenças do alojamento local e dos vistos gold ou o limite de 2% para a atualização do valor das rendas. Serão também revertidas as medidas que prevêem que o Estado assuma um papel de promotor imobiliário e que pague as rendas aos inquilinos com mais de três meses em atraso e as que se fixam apenas na oferta pública. Em entrevista ao ECO, o vice-presidente do PSD, António Leitão Amaro, que coordena os trabalhos do partido na área da habitação, vê estes cinco pontos como “erros crassos” que só vêm “agravar” o problema “gravíssimo” que o país enfrenta neste setor, porque provocam uma “quebra na confiança” e “afugentam o investimento”.
Além destas cinco medidas centrais no pacote socialista, há outras que António Leitão Amaro admite que os sociais-democratas venham a viabilizar, tendo em conta que são semelhantes. É o caso do subsídio de renda ou dos benefícios fiscais em sede de IRS, com a dedução dos custos com o contrato de seguro de renda pelos proprietários, medidas que fazem parte do pacote das 50 iniciativas que o PSD viu serem viabilizadas há um mês no Parlamento.
O PS viabilizou no Parlamento, há quase um mês, os cinco diplomas do PSD para habitação e falou em convergências. Já houve alguma conversa sobre as propostas depois de terem sido aprovadas?
Não. Mas o que nos separa do PS na habitação, neste momento, é demasiado grande. O país tem hoje duas alternativas. O programa do PSD é mais reformista, mais eficaz e funciona sem radicalismos. E toca em vários aspetos que resultam num choque de oferta, para haver muito mais casas e enquanto essas casas não chegam ao mercado, prevê um apoio transitório à procura, para quem comprou e para quem arrenda. Havendo algumas coisas no pacote do Governo que não são necessariamente erradas – provavelmente algumas das melhores até foram adiadas, mais uma vez, – no global o pacote é mau, muito mau.
Têm a expectativa de que alguma das vossas propostas seja aprovada pelo PS?
Isso é o Partido Socialista que vai ter de responder. Mas os portugueses cobrarão isso ao Partido Socialista, porque foi apresentada uma alternativa que funciona com um pacote completo de medidas sobre oferta e com medidas transitórias sobre a procura. Sem complexos ideológicos, sem radicalismos, com uma aposta na oferta privada e na oferta cooperativa, que mobiliza os imóveis públicos, reduz os obstáculos da tributação e da burocracia, flexibiliza regras arcaicas e rígidas de construção e de planeamento, acelera o PRR. Portanto, é um pacote que funciona e dava uma oportunidade diferente ao país. O PS terá de responder se coloca o interesse e a tática partidária à frente do interesse do país.
Havendo algumas coisas no pacote do Governo que não são necessariamente erradas, provavelmente algumas das melhores até foram adiadas, mais uma vez, no global o pacote é mau, muito mau.
Como viram, então, a postura do PS ao viabilizar as vossas propostas?
Não foi apenas o PS. Foi uma aprovação generalizada, que é um reconhecimento da qualidade do pacote. Penso que o Partido Socialista se rendeu à evidência que a alternativa proposta pelo PSD é muito melhor. Era incompreensível, perante um problema que criaram, que não aprovassem as nossas propostas. Vamos adotar uma postura construtiva, o que não prejudica o facto de garantirmos uma oposição completa e intransigente aos erros crassos do pacote socialista, que são vários e são demasiado graves.
Mas o Governo fez alguns ajustes face às medidas inicialmente apresentadas…
São ajustes menores, que mantêm, no essencial, cinco erros crassos. São cinco pecados fundamentais. Um, o arrendamento forçado, que diz respeito à propriedade. Dois, uma eliminação retroativa de licenças de alojamento local e, já agora, de vistos gold, que quebra o clima de investimento e os termos de confiança no Estado de Direito em Portugal. Três, a limitação do valor das rendas, em passadas e futuras, que funcionou mal em todos os sítios onde foi experimentado, incluindo em Portugal, porque aumentou os preços médios e degradou o valor das casas, porque deixa de haver investimento. Quatro, põe o Estado a fazer o que não sabe e que não consegue, como promotor imobiliário principal e segurador de rendas. Isso é um disparate. Cinco, uma fixação apenas na oferta pública, sendo incapaz de resolver o problema e afugentando o investimento privado. O problema destes cinco erros crassos é que, mesmo com os ajustes, não vão funcionar.
Temos relatos de investidores e proprietários que se estão a retrair e deixaram de investir no mercado português.
Porquê?
São soluções incapazes de resolver o problema da habitação em si. E além disso já estão a agravar o problema porque estão a provocar uma diminuição de oferta. Temos reporte, além de estatístico, relatos de investidores e proprietários que se estão a retrair e deixaram de investir no mercado português. Estão a deixar de construir as casas ou de fazer a reabilitação, que são necessárias. Deixaram de colocar casas no mercado, porque a insegurança se agravou. O Governo cometeu um erro monumental. Este pacote da habitação em cima de sete anos de crise agravada na habitação, pelo qual o Governo é responsável, agrava o problema. Da parte do PSD, está garantida a rejeição total destes cinco erros crassos. E se o PS insistir em aprovar qualquer um destes cinco erros crassos, o PSD quando for Governo, revogará estas medidas.
Vão revogar todas as medidas?
Pelo menos estas cinco, sim. São inaceitáveis.
Há alguma medida do pacote que admitem viabilizar?
Não vamos ser contra medidas que são iguais às nossas. O pacote do Governo tem algumas medidas que copiaram.
Se o PS insistir em aprovar qualquer um destes cinco erros crassos, o PSD quando for Governo, revogará estas medidas.
Quais?
A proposta do subsídio de renda é uma réplica, em grande medida, do subsídio desenhado pelo PSD. No Porta 65, o Governo também mudou, na última versão, para um regime de porta aberta, tal como propusemos. Também o benefício fiscal em IRS, que é a dedução dos custos com o contrato de seguro de renda pelos proprietários, é uma proposta que o PSD apresentou, que copiaram. O Governo adiou sine die a aprovação das medidas para a flexibilização do licenciamento e das regras e limites de utilização de solos, que permitem passar a classificação de imóveis que não são habitacionais para habitacionais. São coisas que constam do nosso pacote, também. Se essas medidas alguma vez vierem a ser apresentadas, se são parecidas com as nossas não é por causa disso que não vamos viabilizar.
Disse que tinham recebido reporte da quebra de investimento…
Temos relatos em plataformas de colocação de anúncios de que o número de anúncios diminuiu desde o anúncio do Governo. Mas, além disso, há investidores, sobretudo institucionais, fundos de pensões internacionais de outros países, que precisam de confiança para investir no mercado português. As contrarreformas ou as reversões de 2019, feitas pelo PS com os parceiros de esquerda, já tinham colocado dúvidas sérias sobre o mercado de arrendamento. Agora ultrapassámos tudo. Violentar a propriedade privada, rasgar compromissos passados, limitar arbitrariamente rendas, é mesmo o exemplo que este Estado socialista não é um Estado de bem e é um Estado que afugenta investidores. Estamos exatamente com esse relato. Não estamos a falar dos papões de investidores gananciosos, de quem, às vezes, os partidos de esquerda radical querem falar. São investidores institucionais, pessoas que investem poupanças de milhões.
De que países?
De vários países. Estamos a falar de países da América do Norte e da Europa, em que há investidores internacionais institucionais muito grandes que agora olham para o mercado português e dizem, calma, isto parece ser cada vez menos um destino de investimento seguro e cada vez mais como um destino perigoso. E para reduzirem a exposição, reduzem o investimento.
Um dos setores mais afetados com as propostas é o alojamento local. Qual é a solução do PSD?
Descentralização e regulação do alojamento local, a nível local. Sempre para projetos novos, não rasgar licenças e contratos a pessoas que investiram. E que investiram não só com dívida, mas também com capitais próprios. O Governo quer criar uma proteção para os que investiram com dívida, mas não protege os que investiram com capitais próprios e que fizeram a reabilitação de imóveis. Defendemos que cada município decide por si, estabelece as regulamentações com zonas de contenção, o nível de emissão de novas licenças, com o seu juízo e conhecimento de proximidade do território. Nunca com medidas de eliminação retroativa, nunca com a punição.
A Parque Escolar vai construir habitação pública. Como vê esse aproveitamento da empresa?
A Parque Escolar está associada a uma experiência muito traumática de descontrolo na atividade de promoção de equipamentos. Estas medidas, seja com a Parque Escolar, seja com uma empresa de água pública que está a fazer a mesma coisa, demonstra a desorientação completa. O Governo já não tem rumo nenhum. O que esperaria era que um Governo quisesse mobilizar os recursos que são geridos de forma mais eficiente por quem é mais especializado. Devíamos estar a canalizar recursos para quem sabe e está habituado a fazer promoção imobiliária para habitação e arrendamento.
Canalizar para os privados?
Privados ou autarquias. Para a oferta pública, são as autarquias e os parceiros das autarquias, os promotores privados, os promotores-cooperativas, quem sabe fazer. Mas o Governo decidiu divorciar-se das autarquias, decidiu divorciar-se dos promotores imobiliários e foi escolher um dos mais incompetentes e despesistas promotores de projetos em Portugal, que nem sequer são habitacionais, que é a Parque Escolar. Demonstra uma falta de rumo, uma falta de senso completa. É muito claro que nem o primeiro-ministro nem a ministra da Habitação sabem o que estão a fazer.
A Parque Escolar está associada a uma experiência muito traumática, de descontrolo, na atividade de promoção de equipamentos. Estas medidas, seja com a Parque Escolar, seja com uma empresa de água pública que está a fazer a mesma coisa, demonstra a desorientação completa.
Tal como o Governo querem simplificar e acelerar os procedimentos. Qual é a vossa expectativa sobre as medidas anunciadas?
Ambos dizemos que queremos acelerar. O Governo mantém todos os momentos de decisão pública, mas desresponsabiliza os agentes decisores, porque deixam de analisar o concreto do projeto de arquitetura e o concreto de projetos de especialidade.
Onde está a diferença para a proposta do PSD?
O PSD defende que o Estado tem de fazer o seu papel, tem a obrigação de fiscalizar. Mas tem de cumprir prazos. Se cumprir prazos, pode decidir sobre a licença ou pode avaliar um projeto que está sujeito a comunicação prévia – que defendemos que deve ser a maioria porque não é um licenciamento, é uma comunicação prévia. Se não decidir dentro do prazo, o silêncio opera como uma aprovação ou a comunicação prévia dá a garantia que pode avançar com o projeto. E defendemos que também sobre o alvará tem de operar a mesma lógica. Se a entidade pública não avaliou porque não quis, ou porque não quis dedicar atenção, não está bem preparada, não está bem organizada, o privado não tem de estar a ser prejudicado. A isto juntamos a simplificação das regras construtivas, a famosa lei dos anos 50, o Regulamento Geral das Edificações Urbanas (RGEU), que tem regras absurdas, incluindo obrigar as pessoas a terem banheira ou uma antena de televisão.
Têm alguma estimativa sobre quantas casas entrariam no mercado com as vossas medidas?
Isso não é possível. Seriam sempre exercícios irrealistas porque não existe informação disponível com pressupostos de investimento que permitam calcular um número. Mas sabemos que, historicamente, Portugal construiu nos anos 90 uma média de cerca de 35 mil casas por ano. Seria possível retomar o ritmo construtivo do passado. No arrendamento, estava a haver uma interessante curva de crescimento dos novos contratos, pós-reformas de 2012 e 2013, a reforma da reabilitação urbana e do arrendamento urbano. Também penso que essa trajetória podia ser retomada. Somavam-se ainda os cerca de onze mil imóveis públicos devolutos. E alguns são imóveis muito grandes, que permitem vários fogos. Podíamos estar a falar de um salto muito grande para algumas dezenas de milhares de imóveis habitacionais.
O Governo prevê 26 mil novas casas públicas até 2026.
O Governo com todo o PRR contabiliza 26 mil mas não é tudo construção nova. Grande parte são casas que já existem, mas que serão reabilitadas. Mas essas 26 mil casas não resolvem o problema português, com a quebra de oferta de nova construção que tivemos nos últimos anos. Esta inversão só pode ser resolvida com o investimento privado, público e cooperativo. Com a combinação dos três. E o PSD não tem nenhum dogma, nenhuma fixação ideológica de defender que é só um ou outro. Precisamos dos três. O Governo não consegue executar. A execução do PRR é miserável, 2,2 mil milhões e os últimos números davam uma execução de 3%. Mas com uma grande contribuição das regiões autónomas, porque o que está executado foi muito por resultado da execução nas regiões autónomas.
O que está a provocar a crise na habitação?
O problema é fundamentalmente de oferta. O número de novas casas, construídas ou reabilitadas, caiu muito nesta última década. Passou para 15% da média das décadas anteriores. Além disso, há casas que existem, mas que por falta de capacidade dos proprietários públicos e por falta de confiança dos privados para investir, não estão a ser colocadas no mercado de arrendamento. A pressão do lado da procura que é mais falada, não é a mais importante, que é o tema dos estrangeiros. Isso representa um número muito pequeno. Não quer dizer que em algumas cidades não possa ter algum impacto, mas estamos a falar de um número de transações muito pequeno. Há estimativas que apontam para 6% das transações. Há um fator na procura que é muito mais relevante e é nacional.
Qual é esse fator?
A alteração das características da procura. A alteração da tipologia familiar, com famílias mais pequenas, em muitos casos separadas, monoparentais, a procurar outro tipo de habitação que não existia. Depois as alterações das características de trabalho, com maior mobilidade profissional, a nível nacional e internacional, que faz com que outro tipo de habitações, segundas habitações, sejam procuradas porque a família está dividida. Isto transforma-se tudo numa crise social gravíssima. Este movimento, entre a fraca oferta e as mudanças na procura, leva a um aumento de preços. Temos um país a empobrecer, não apenas quando comparado com os países com os quais nos comparamos, mas temos os portugueses a perder poder de compra. Cada vez mais trabalhadores encostados ao salário mínimo, os salários medianos francamente baixos, portanto incapazes de ter acesso à habitação. As rendas aumentaram muito mais do que os salários e os rendimentos.
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