“Queria ver meta final para IRC ser toda assumida já”, mas é preciso considerar equilíbrio das contas públicas

O Governo quer descer gradualmente o IRC até 17% em 2028. Paula Franco, bastonária da OCC, gostaria de ver já essa meta atingida, mas reconhece importância do equilíbrio das contas públicas.

Paula Franco, bastonária da Ordem dos Contabilistas Certificados (OCC), tem vindo a defender a descida das taxas de IRC, o que iria permitir um alívio da carga fiscal sobre as empresas e maior capacidade para investirem e serem mais produtivas. Admite, em entrevista ao ECO no âmbito do Orçamento do Estado para 2026 (OE2026), que gostaria de ver já aplicada a meta final que o Governo tem para este imposto, mas aponta para a necessidade de se assegurar o equilíbrio das contas públicas.

A descida do IRC proposta pelo Governo já foi aprovada na generalidade, à margem do Orçamento do Estado. A iniciativa aponta para uma descida da taxa dos atuais 20% para 19% no próximo ano, para uma taxa de 18% em 2027 e para uma taxa de 17% a partir de 2028.

“Há um plano de descer [o IRC] a longo prazo. Se calhar não se pode fazer tudo uma vez” perante o “objetivo inicial que espero ver para o Orçamento de Estado do próximo ano que é também o equilíbrio das contas públicas”, afirma a representante dos contabilistas certificados em Portugal, considerando que a mesma lógica se aplica às taxas de IRS, que também têm vindo a descer.

Sobre os rendimentos das famílias, a bastonária considera positiva a subida do salário mínimo para 920 euros, mas alerta que “as empresas têm de ter capacidade para pagar esses salários mínimos”.

O que espera para este Orçamento do Estado para 2026?

A primeira coisa que todos queremos e esperamos [do Orçamento] é o equilíbrio das contas públicas, que é fundamental manter-se, mas que ao mesmo tempo que promova a competitividade e, acima de tudo, o crescimento empresarial que é tão preciso para melhorar depois também estas mesmas contas públicas.

Em termos concretos, quais as prioridades e pedidos da OCC para este Orçamento de Estado?

Temos pedidos feitos no sentido de melhorar o calendário fiscal, diminuir obrigações fiscais…

Como por exemplo?

Temos muitas ainda. O modelo 10, que está previsto em fevereiro e que até já foi passado para o final desse mês nas medidas de simplificação, é sempre uma obrigação difícil de cumprir e que hoje, na maior parte das situações, já não se justifica. O que é que temos na modelo 10? Temos os rendimentos sujeitos a retenção na fonte. As retenções na fonte já foram entregues ao longo do ano e, portanto, há ali uma identificação da entidade. Essa obrigação poderia ter outra forma de ser feita e não compilada no final do ano, porque muitas vezes essa informação ainda não está disponível nessa altura, em fevereiro, e, portanto, é difícil de cumprir. Temos muito a fazer em matéria de simplificação. Tem de ser o foco. Um dos problemas da economia e das empresas prende-se com o excesso de obrigações que têm.

A Ordem reuniu com o Governo para falar sobre essas prioridades?

Não reunimos agora especificamente, mas temos reunido. Temos feito chegar as nossas sugestões.

Têm sido acolhidas?

Vamos ver. Estamos na expectativa de que sejam acolhidas.

A descida do IRC proposta pelo Governo já foi aprovada na generalidade, à margem do OE. Esta medida devia estar inscrita no Orçamento?

É um pouco indiferente. Até diria que o Orçamento do Estado (OE) em si até não devia acolher tantas medidas fiscais. Mas o Orçamento é mesmo isso. É o Orçamento tendo em conta a receita e a despesa que o Estado tem e tem de refletir estas medidas todas que vão sendo aprovadas avulso.

Considera esta descida suficientemente ambiciosa ou o Governo poderia ter ido mais longe?

Sou defensora há muito tempo de que o IRC deve descer, porque de facto as empresas contribuem de muitas formas, não é só com o IRC. A descida do IRC pode ser um fator que lhes traz mais capacidade de investimento e de se tornarem mais produtivas. A taxa do IRC era e continua ainda a ser alta para as empresas portuguesas e para os níveis das empresas portuguesas e, portanto, sou defensora que deve descer. Há um plano de descer a longo prazo, se calhar não se pode fazer tudo uma vez, tendo em conta o objetivo inicial que eu espero ver para o Orçamento de Estado do próximo ano que é também o equilíbrio das contas públicas. Tudo o que mexe em receita tem de ser muito equilibrado e por isso nem sempre existe a possibilidade de ser logo mais radical e de ir mais longe. Acredito que, mesmo existindo a vontade, tem de se atender a estes critérios.

Há um plano de descer a longo prazo, se calhar não se pode fazer tudo uma vez, tendo em conta o objetivo inicial que eu espero ver para o Orçamento de Estado do próximo ano que é também o equilíbrio das contas públicas.

Paula Franco

Bastonária da Ordem dos Contabilistas Certificados

Esta redução é, na sua perspetiva, uma prioridade para as empresas ou há outras questões mais prementes em cima da mesa?

Há outras. Por exemplo, associado à taxa do IRC há também uma discussão sobre as tributações autónomas. A tributação autónoma acaba por ser a principal forma de pagamento de imposto que as empresas portuguesas, principalmente as de menor dimensão, têm. Há outras necessidades que as empresas têm, nomeadamente ver descer estas taxas de tributação autónoma.

Bastaria uma redução ou devia ser mesmo eliminada?

Quando estamos a falar de tributações autónomas, estamos a falar de despesas que se entendem que de alguma forma as empresas podem ter e serem utilizadas de forma particular pelos próprios trabalhadores ou empresários das empresas. Antes de haver a tributação autónoma, estes gastos já tinham uma correção, mas era uma correção como gasto, isto é, uma parte deste gasto não era aceite e era acrescido antes do apuramento do lucro. A tributação autónoma já vem depois do apuramento do imposto e isso leva a que haja um valor que, no fundo, as empresas têm sempre de pagar, mesmo tendo prejuízo, e quando têm prejuízo até é agravado.

A proposta do IRC do Governo é menos ambiciosa desta vez porque desce apenas um ponto percentual. No ano passado, o objetivo era dois pontos percentuais. A meta para a OCC seria uma redução em dois pontos já para o próximo ano ou concorda com aquilo que o Governo quer fazer?

Um ponto, dois pontos… o que é importante é o compromisso. Claro que gostaria de ver os dois pontos. Queria ver a meta final já a ser toda assumida, até no ano passado, para que este processo começasse a existir. Mas, lá está, atendendo ao tal equilíbrio das contas, atendendo também às negociações políticas que é preciso fazer, nem sempre existem condições para se ir logo para a fase mais desejável.

Se o Governo cumprir com o acordado com o Chega, o Orçamento do Estado para 2026 terá uma nova descida das taxas do IRS em 0,3 pontos percentuais entre o 2.º e o 5.º escalões. A redução irá custar 111,32 milhões de euros. É suficiente ou o alívio fiscal deveria ser mais ambicioso?

É um pouco aquilo que disse em termos de IRC. Acho que é um compromisso com o país fazer e continuar a fazer progressivamente esta descida nas taxas de IRS. Temos de ter a noção de que os rendimentos da classe média estão efetivamente muito sobrecarregados com a tributação. Acredito que o retorno da descida dessas taxas seja maior para a economia. Não nos podemos esquecer de que quando se fazem as contas na descida das taxas de IRS, esta descida resulta em um maior valor disponível para as famílias. Ao terem este maior valor disponível, esse dinheiro retorna à economia.

Paula Franco, bastonária da Ordem dos Contabilistas Certificados (OCC), em entrevista ao ECOHugo Amaral/ECO

Na campanha de IRS deste ano, vários contribuintes foram confrontados com reembolsos menores e alguns até tiveram de pagar imposto. Acha que o Governo tomou a opção correta ao reduzir de forma extraordinária as tabelas de retenção novamente em agosto e setembro?

Sou favorável à descida das tabelas de retenção na fonte e podemos dizer que o retroagir podia ter sido um bocadinho menos para não haver uma diferença tão significativa que pode levar a uma mudança para a qual os portugueses não estão preparados. Mas temos discutido tanto esse assunto. Em primeiro lugar é preciso perceber que efetivamente os portugueses estão a pagar menos impostos. Isso tem de ficar claro. Os portugueses deviam estar mais informados sobre estas matérias. Se estiverem vão de certeza preferir ter o dinheiro do seu lado do que adiantar mais ao Estado e depois, quando fazem as contas no ano seguinte, não terem grandes surpresas em relação a pagarem ou a terem menos reembolsos.

Mas esta descida extraordinária das tabelas de retenção na fonte não foi um bocadinho excessiva?

Foi um bocadinho excessiva, mas ainda existem muitos portugueses que ainda têm reembolsos grandes. Há três anos para cá que se está a mexer na fórmula da retenção na fonte, ainda com o governo anterior e com o governo PS, em que se mudou completamente o apuramento da forma para chegarmos às retenções na fonte. Passou a estar muito mais ajustada às taxas marginais, que são a forma de cálculo das taxas de IRS finais. Se me diz se foi excesso ou não, tenho todos os casos. O que acontece é que com esta descida destas retenções na fonte para retroagir a janeiro, e este ano verificou-se em agosto e setembro e no ano passado tinha sido em setembro e outubro, os portugueses diminuíram o seu reembolso consideravelmente porque receberam esse dinheiro antes. É capaz de ter sido um bocadinho acentuado, mas ainda há muitos portugueses que tiveram reembolso. Portanto, se calhar em algumas circunstâncias, ainda tem de ser mais acentuada a descida da retenção na fonte para ficarmos quase no zero.

Falando ainda sobre rendimentos das famílias, mantendo-se o que está no acordo tripartido entre o Governo e os parceiros sociais, o salário mínimo nacional vai subir mais 50 euros para os 920 euros. Concorda com esta meta? É suficiente ou o salário mínimo deveria aumentar mais?

Portugal estava muito atrás do resto dos países da Europa e a subida do salário mínimo tem sido um fator de melhoria da qualidade de vida das famílias. Mas eu ressalvo uma questão. Acho que [a subida] é muito importante, mas tem de ser também muito ponderada, porque as empresas têm de ter capacidade para pagar esses salários mínimos.

[A subida do salário mínimo] é muito importante, mas tem de ser também muito ponderada, porque as empresas têm de ter capacidade para pagar esses salários mínimos.

Paula Franco

Bastonária da Ordem dos Contabilistas Certificados

Considera que 920 euros é demasiado?

Não é demasiado. Está muito abaixo daquilo que é o desejável, mas as empresas têm de criar capacidade.

Mas concorda com esta meta dos 920 euros?

Concordo e acho que o caminho tem de ser este. Só tenho receio que as empresas não consigam acompanhar esta realidade. Por isso é que a descida do IRC é uma medida importante. Medidas que de alguma forma descompliquem, ou pelo menos tirem alguma burocracia das empresas e que lhes permita ter os recursos disponíveis para se tornarem mais competitivas, terem melhores margens de lucro para poderem acompanhar esse aumento do salário mínimo [são importantes].

E esta trajetória como está prevista é um encargo demasiado elevado?

É desafiante. Acho que as empresas também têm de sair da sua zona de conforto, têm de procurar outros mercados, procurar crescer, ter capacidade para isso. Os fatores económicos que têm existido em Portugal, nomeadamente o do pleno emprego, também é um fator que leva as empresas a terem de pensar diferente e a crescerem. Não só a pressão legal do salário mínimo, mas também a falta de mão-de-obra que tem existido, que tem levado ao aumento dos salários por via dessa falta, por via da necessidade das empresas de reterem talento. Acho que estamos na trajetória certa. Agora, obviamente que todos estes ajustamentos levam a que algumas [empresas] sofram estas dores de crescimento, como se costuma dizer.

Acha que o OE vai ser viabilizado pelo Chega ou pelo PS? Porquê?

Nas questões políticas não entro, mas quero acreditar que, acima de tudo, haverá bom senso em se permitir que se faça uma trajetória. Digo isto em relação a todos os partidos, como diria se estivessem outros partidos no governo. Temos de dar oportunidade àqueles que foram a escolha dos portugueses de governarem. Isto é fundamental, porque senão ficamos aqui em impasses que não ajudam nada e não ajudam, acima de tudo, a economia. Acredito que existirão as discussões necessárias para se chegar ao bom senso e o bom senso tem de permitir que quem está a governar tenha essa possibilidade.

O Presidente da República não pode dissolver a Assembleia da República e convocar eleições antecipadas, porque está no final do mandato. Por si só, isto já é uma garantia de estabilidade?

Já há alguma garantia de estabilidade, mas também, acima de tudo, acabámos de ter eleições. Neste momento estamos todos cientes que não é o ideal para o país haver um percalço outra vez, como existiu há pouco tempo. Temos todos consciência de que este é um Orçamento de Estado que é importante que exista e que seja aprovado.

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