Em entrevista ao ECO, o ex-ministro alerta que a subida do salário mínimo não é prioridade e que o Governo deve focar-se em estabilizar as empresas e manter os postos de trabalho existentes.
Numa altura em que o Governo está a apresentar o Plano de Recuperação e Resiliência, o ECO falou com Luís Mira Amaral, ex-ministro da Indústria do Governo de Cavaco Silva, que se mostra bastante crítico em relação a este programa inspirado na Visão Estratégica de António Costa Silva.
Na ótica do ex-ministro, que está a ajudar o PSD a elaborar um plano alternativo ao plano de recuperação, o programa elaborado pelo professor Costa Silva “não servirá para elaborar um plano concreto e realista para a economia portuguesa” e “não contém os elementos básicos que permitem efetuar juízos de valor e hierarquizar prioridades”.
O Governo, nas Grandes Opções do Plano, anunciou que vai atualizar o famoso relatório Porter, que foi encomendado há 26 anos precisamente quando Mira Amaral era ministro. O economista felicita o Governo pela ideia, mas destaca que a atualização deveria ser mais abrangente. Mira Amaral espera que com essa atualização venham a ser apoiados clusters de base tecnológica, sem esquecer os clusters dos setores tradicionais.
Numa altura em que as empresas enfrentam os impactos da pandemia, Luís Mira Amaral mostra-se também contra o aumento do salário mínimo nacional no próximo ano: “A subida do salário mínimo não é prioridade nesta dramática conjuntura em que a grande preocupação tem de ser a de tentar estabilizar as empresas e o emprego existente, não é aumentar-lhes os encargos salariais”, alerta Luís Mira Amaral, em entrevista por escrito ao ECO.
Disse ao jornal Sol que “os estudos de Costa Silva são vazios. Não servem para nada”. Do que já leu da “Visão Estratégica para o Plano de Recuperação Económica de Portugal 2020-2030”, o que falta? O que se podia ter sido feito de diferente?
Pretendi dizer que o documento elaborado pelo Prof. Costa Silva não servirá para elaborar um plano concreto e realista para a economia portuguesa. Um plano estratégico deve ser elaborado por uma equipa multidisciplinar de especialistas, incluindo engenheiros, economistas e outros especialistas das áreas socioeconómicas relevantes do país. O Prof. Costa Silva correu um grande risco aceitar fazer um exercício solitário.
O documento fala numa visão estratégica para Portugal mas uma estratégia implica uma direção clara de orientação, escolhas claras entre opções diferentes e não pode ser um documento de 142 páginas.
Também não pode constituir suporte para qualquer plano, porque não contém os elementos básicos que permitem efetuar juízos de valor e hierarquizar prioridades. É certamente um documento que mostra a cultura e a valia intelectual do autor, mas não consubstancia uma estratégia e um plano económico para o país.
O Governo entretanto já deu um passo em frente e já apresentou o Programa de Recuperação e Resiliência. O que lhe pareceu esta alocação do dinheiro que vem de Bruxelas? (Resiliência = 7,2 mil milhões, Transição climática = 2,7 mil milhões e Transição digital = 3 mil milhões)
Á priori e sabendo nós que o Programa estava sujeito às “guidelines” de Bruxelas, parece-me equilibrada essa alocação.
A Confederação do Comércio e Serviços de Portugal queixa-se que há pouco dinheiro atribuído às empresas. Concorda com esta discussão se o dinheiro deveria ir mais para o Estado ou mais para as empresas?
Concordo porque ela representa no fundo a nossa visão da sociedade, a nossa visão ideológica entre Estado e mercado. Ao concentrar um valor máximo de 3,95 mil milhões de euros ao setor produtivo, cerca de 35% dos recursos disponíveis, o Programa aloca um volume expressivo de apoios ao Estado em vez do setor privado. Para os não socialistas, como eu, só uma aposta nas empresas e no setor privado permitirá tirar o país do impasse em que se encontra.
Tal não significa que não reconheça a necessidade de bom investimento público e a urgência de modernização da Administração Pública pois precisamos duma Administração Pública mais motivada e qualificada, mas isso implica uma reforma da mesma que o governo não apresenta nem vai fazer. Não basta pôr dinheiro em cima dos problemas. O dinheiro ajuda mas não resolve tudo.
A subida do salário mínimo não é prioridade nesta dramática conjuntura em que a grande preocupação tem de ser a de tentar estabilizar as empresas e o emprego existente, não é aumentar-lhes os encargos salariais.
Disse que quando “há uma epidemia como esta não é o mercado que nos vai salvar”. Aqui parece que está de acordo com o que defende António Costa Silva, certo?
Pelo contrário, estou totalmente em desacordo. O governo e o Prof. Costa Silva aproveitam uma situação perfeitamente transitória e excecional de gestão duma pandemia em termos de saúde pública e de terrível choque económico para tentarem de forma definitiva um aumento do peso do Estado na sociedade e na economia.
Repare que o Professor Costa Silva atribui às políticas neoliberais o impasse económico em que o país se encontra, coisa que nunca houve em Portugal. Nos últimos vinte e cinco anos o PS governou 17 e o que tivemos foi uma intervenção excessiva do Estado com más políticas públicas que levaram a uma péssima afetação de recursos e à consequente estagnação económica. O professor Costa Silva parte dum diagnóstico profundamente errado sobre a nossa situação e quando assim é, a receita prescrita pelo médico, neste caso o prof. Costa Silva, não melhora o doente, antes pelo contrário.
No Programa de Recuperação e Resiliência, na gaveta da Transição Climática, está previsto mais dinheiro para o hidrogénio verde. Como é contra este investimento, em que prioridades (que não o hidrogénio) considera que deveria ser gasto o dinheiro?
Eu não sou contra o hidrogénio, eu critico é este plano do Governo. O hidrogénio vai ser necessário para descarbonizar setores industriais pesados, grandes consumidores de calor, onde a eletrificação não resolve o problema.
Também nos transportes aéreos, marítimos e rodoviários de longo curso parecia que as baterias não seriam a solução para alimentar a motorização elétrica desses transportes e portanto aí a pilha de combustível alimentada a hidrogénio parecia ser a solução. No entanto, o homem da Tesla, Elon Musk, promete que iremos ter camiões e aviões de longo curso a baterias. A ver vamos.
O próprio Governo reconhece que a tecnologia dos eletrolisadores para produzir hidrogénio verde não é ainda competitiva e, por isso, o preço desse hidrogénio verde não é competitivo. Ora se assim é, como aprendi há 55 anos no Instituto Superior Técnico (IST), quando a tecnologia ainda não é madura, começa-se com projetos-piloto e de demonstração, não se avança logo para o maior projeto industrial português!
E há muita coisa a fazer mesmo na energia, desde o apoio à eficiência energética até ao apoio à biomassa florestal para produção de eletricidade, contribuindo para a redução dos incêndios na floresta. Há muita coisa a fazer na energia, não pensem só no hidrogénio.
O Governo, nas Grandes Opções do Plano, decidiu atualizar o famoso relatório Porter (que foi encomendado quando era ministro). O que está à espera dessa atualização?
Felicito o Governo, designadamente dois excelentes ministros como Siza Vieira e Nelson de Sousa, por tal atualização. Espero que com essa atualização venham a ser apoiados clusters de base tecnológica, onde o pais felizmente já avançou, como as biotecnologias, a saúde, as ciências da vida, as tecnologias da informação e comunicação, a aeronáutica, espaço e defesa e a mobilidade onde se insere a extração do lítio e o desenvolvimento da sua cadeia de valor com vista à produção de baterias. Espero também que não esqueçam os clusters dos setores tradicionais, aqueles que foram estudados no Relatório Porter.
O documento elaborado pelo Prof. Costa Silva não servirá para elaborar um plano concreto e realista para a economia portuguesa.
O relatório Porter focava nas valências únicas e tradicionais de Portugal, (calçado, vinho, madeira, têxtil, etc). Hoje, com o Programa de Recuperação e Resiliência, quais são os setores que deveriam ser privilegiados? Concorda com esta aposta da União Europeia essencialmente no Digital e Clima?
Respondi-lhe na pergunta anterior quais os novos clusters a apoiar. Por outro lado, não devemos esquecer o digital, que eu incluiria nas tecnologias de informação e comunicação atrás referidas, bem como a produção de equipamentos para a descarbonização, mas aí temos que ser realistas e reconhecer que os alemães e os nórdicos estarão mais avançados para apanharem essa onda. O que recomendaria era tentarmos captar IDE nessas áreas e que os empresários portugueses fizessem joint-ventures com empresas europeias ou americanas nessas áreas.
Como tem visto a discussão em torno do aumento do salário mínimo nacional? As empresas aguentam um novo aumento em 2021, no meio desta pandemia?
Antes da pandemia tivemos uma situação fabulosa, em que o boom do turismo absorvia todos os trabalhadores mais indiferenciados e por isso os aumentos do salário mínimo na legislatura passada não afetaram o emprego porque o turismo e a fabulosa conjuntura económica tudo absorviam.
Neste momento estamos com uma inflação zero, com uma elevada taxa de desemprego, com uma queda do PIB como nunca se tinha sentido. Tudo isto recomenda a maior prudência nessa matéria, importando estabilizar as empresas e salvaguardar o mais possível os postos de trabalho existentes. Embora eu compreenda perfeitamente a dimensão social do salário mínimo, não me esqueço que fui dirigente do Sindicato dos Engenheiros e membro duma Comissão de Trabalhadores da EDP, antes de ser Ministro do Trabalho, como o bom ou o razoável nesta conjuntura já não é nada mau.
Considero que a subida do salário mínimo não é prioridade nesta dramática conjuntura em que a grande preocupação tem de ser a de tentar estabilizar as empresas e o emprego existente, não é aumentar-lhes os encargos salariais.
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“Subir o salário mínimo não é prioridade nesta dramática conjuntura”, avisa Mira Amaral
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