José Miguel Leonardo falou com o ECO sobre o mercado laboral, num cenário de transformação digital que está a modificar tanto as empresas como o trabalho. A legislação tem aqui um enorme desafio.
No setor de turismo, Portugal está agora a recolher os frutos do investimento que tem feito nos últimos anos. O país já está na primeira fila enquanto destino de excelência para visitar. Mas e enquanto destino para viver e trabalhar? Aí, o cenário é bem diferente: ainda estamos no início do caminho. A convicção é de José Miguel Leonardo, CEO da Randstad Portugal.
O gestor considera que o país lusitano tem de aprender a vender-se para conseguir atrair e reter talentos estrangeiros. Ir lá fora buscar profissionais faz agora ainda mais sentido, num momento em que há falta de talento no país. E não só na área das tech como, às vezes, se pode pensar.
José Miguel Leonardo falou com o ECO sobre o mercado laboral em Portugal em termos de desafios, necessidades e tendências. Tudo isto perante um cenário de transformação digital que está a modificar tanto as empresas como a própria forma de trabalhar, e que deve ditar a adaptação da legislação laboral.
Quais foram os perfis de candidatos mais procurados este ano? E qual a tendência futura?
Há uma incidência muito grande sobre os perfis de caráter tecnológico, provenientes das tecnologias de informação. Mas estamos a viver uma situação que, aliás, é muito curiosa. Há não muitos anos, durante os anos da crise profunda que Portugal atravessou, muitas empresas tiveram — infelizmente — de dispensar muitas pessoas, para assim garantir a sua subsistência e sobrevivência para o futuro mais próximo. Passados relativamente poucos anos, estamos a assistir a uma situação que é oposta.
"Neste momento, há dificuldade em encontrar os perfis adequados para as necessidades que as empresas estão a apresentar, ou seja, hoje temos escassez de talentos.”
Neste momento, há dificuldade em encontrar os perfis adequados para as necessidades que as empresas estão a apresentar, ou seja, hoje temos escassez de talentos.
Mas essa escassez é, sobretudo, na área das tech?
Na área das tech é evidente, mas não é a única. Nós temos dificuldade de recrutar para a própria indústria, para algumas especializações na área do direito, nas áreas económicas ou de finanças também… Na área do retalho, inclusivamente, a oferta avançou tanto que para algumas funções comerciais — que requerem um pouco mais de competências e, por isso, maior exigência — também já se torna difícil recrutar.
Hoje em dia, as empresas têm de se nutrir dos melhores talentos para conseguirem fazer face a um mercado que é extraordinariamente competitivo e que é, também ele, cada vez mais digital.
Perante este cenário, devemos ir buscar talento lá fora?
Antes de desejarmos importar talento, tem de haver dois ingredientes: audácia e capacidade de investimento. Audácia acho que não falta aos portugueses, já a capacidade de investimento, por sua vez, é uma questão de se procurar onde estão os investidores.
Mas ainda há um trabalho de casa que tem de ser feito. É que a forma tradicional de fundar empresas já não resulta. Agora, para podermos ambicionar fazer qualquer coisa que seja audaz, precisamos, necessariamente, de ter connosco os melhores talentos.
Passámos de uma situação de pouca oferta de trabalho para uma de dificuldade em contratar. Uma das soluções é, precisamente, ir buscar pessoas lá fora.
Como eu disse, passámos de uma situação de pouca oferta de trabalho para uma de dificuldade em contratar. Uma das soluções é, precisamente, ir buscar pessoas lá fora. Nós temos uma taxa de desemprego que, felizmente, está a decair progressivamente. Agora, temos de tornar-nos atrativos para angariar pessoas lá fora e nisto o Governo tem uma palavra a dizer.
Como é que Portugal deve vender-se para atrair e reter talento estrangeiro?
Da mesma maneira que fizemos um trabalho tão bem feito na promoção de Portugal como destino turístico, temos de aprender a vender Portugal como destino para as pessoas virem trabalhar e viver. E tem que se ir lá fora fazer isto. A Estónia é um bom exemplo para isto. Há não muito tempo fez uma espécie de Open Day em Portugal para contratar, isto porque também sente a mesma dificuldade que nós em preencher as vagas que oferece. O que a Estónia fez foi alugar algumas salas de hotéis e divulgar o que tem de melhor. Já as centenas de pessoas que aderiram à iniciativa estiveram a ouvir as vantagens de trabalhar e viver na Estónia.
Mas também há que dizer que Portugal está a começar a fazer esta promoção. A Google, por exemplo, veio para cá, tal como outros centros de desenvolvimento estão a planear a mudança para Portugal. E isto acontece porque o país consegue, de facto, oferecer garantias de que o trabalho aqui é de primeira qualidade.
Aliás, Portugal está já identificado como tal. Temos uma excelente infraestrutura — tanto rodoviária como, também, tecnológica, com quilómetros de fibra — e estamos junto dos países mais desenvolvidos na área das telecomunicações. Além disso temos boas condições de vida, um clima muito ameno que convida os estrangeiros. Também temos uma sociedade tranquila, que é segura e, acima de tudo, muito boas pessoas.
Mas não não somos muitos, somos cerca de dez milhões de habitantes e temos uma população que está a envelhecer a um ritmo preocupante. Isso é, também, um convite para chamar pessoas de fora, jovens de qualquer nacionalidade que queiram vir para Portugal trabalhar e constituir a suas empresas. A Web Summit, não sendo a panaceia de tudo, é um bom exemplo em si próprio. Mas é também uma potencial porta de entrada para que estrangeiros se venham instalar em Portugal.
Nós, que somos um povo tradicionalmente de emigração, temos de ter a mente aberta para acolhermos essas pessoas, que vão ser necessárias para o nosso futuro. Esse caminho tem de partir das empresas, dos investidores e, claro, do Estado. Aliás, o Estado é fundamental para fazer esta promoção, que tem de ser feita, no mínimo, ao nível da que foi feita para promover o turismo.
O mercado de trabalho está a mudar e, com a transformação digital, estão nomeadamente a surgir novas formas de colaborar com as empresas. Isto é também um desafio para a legislação?
O número de pessoas ocupadas a trabalhar (e não digo trabalhadores porque quero deixar um leque aberto, tendo em conta que hoje há muitas formas de colaborar) nunca foi tão elevado. Saíram estatísticas sobre isto há pouco tempo e mostram que as coisas estão, de facto, a mudar.
Isto é, sem dúvida, um desafio imenso para o legislador e para os governantes, para que consigam fazer leis que acompanhem a evolução que o mundo do trabalho está a sentir. Tem de haver aqui um cuidado social para equilibrar as partes. É um trabalho meritório, mas que não pode ser feito numa perspetiva retrógrada. Eu costumo dizer que não se pode parar o vento com as mãos, porque é impossível parar o desenvolvimento. Retirar flexibilidade do mundo do trabalho é, neste momento, anacrónico, é contra producente.
O legislador tem aqui este enorme desafio: conseguir trazer esta possibilidade de mobilidade e flexibilidade ao mesmo tempo que tutela o equilíbrio entre o empregador e o empregado, para que haja equidade, equilíbrio e para que não exista abuso. Isto, contudo, não pode ser feito simplesmente sob a forma de proibição. Porque é que uma pessoa não pode livremente escolher trabalhar à hora que quiser, no dia da semana que quiser? Se ela o pretender e isso for do interesse da entidade para a qual essa pessoa trabalha…
Diferente é que a pessoa seja obrigada a trabalhar a qualquer hora e a qualquer momento. Portanto, a legislação concentra-se em proibir que certas coisas aconteçam, não se concentra tanto em permitir que essas mesmas coisas possam acontecer, quando desejadas pelas partes. Esta é, talvez, uma dica para aquilo que deve ser uma legislação laboral mais de hoje e mais preparada para enfrentar o futuro.
Em Portugal, já se sente uma tendência de aumento do número de trabalhadores freelancers?
Sente-se e é tão mais frequente na área das tecnologias do que nas outras. Nós tendemos a diabolizar as coisas, olhando sempre para a parte negativa. Cada vez que se fala no recibo verde há uma espécie de arrepio generalizado como se estivéssemos a falar do demo.
"Cada vez que se fala no recibo verde há uma espécie de arrepio generalizado como se estivessemos a falar do demo.”
Obviamente que tem de existir um legislador que crie condições para que o fiscalizador atue, atue rapidamente e elimine os abusos ou figurações que possam existir de utilização de recibos verdes. Mas, este recibo é o que tutela o trabalho do freelancer. A faturação do seu trabalho, que acontece através do recibo verde, protege os seus interesses, tal como os da empresa que o contrata e os do Estado, que tem a garantia que a parte de impostos e segurança social está salvaguardada.
O freelancer está, de facto, a aumentar e pode facilmente vir a ser cada vez mais utilizado. Basta pensarmos nos condutores de Uber ou nas pessoas que entregam comida em casa através das várias plataformas que já existem. O que está, contudo, a acontecer é que a legislação não está a acompanhar os movimentos dos tempos e tem de, rapidamente, apanhar esse ritmo.
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“Tal como soubemos promover Portugal como destino turístico, temos de vendê-lo como destino para trabalhar”
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