Começa esta terça-feira o julgamento do caso BES. O processo conta com 25 arguidos, 18 pessoas singulares e 7 empresas, entre eles Ricardo Salgado, acusado de 65 crimes mas já só será julgado por 62.
A 14 de julho de 2020 a equipa de procuradores liderada por José Ranito acusou 25 arguidos, entre os quais Ricardo Salgado, no âmbito do caso Banco Espírito Santo (BES). Passados mais de quatros anos, arranca o julgamento do já apelidado maior processo da história da justiça portuguesa. A primeira sessão está agendada para esta terça-feira, dia 15 de outubro.
Ninguém arrisca prever quando termina, pois envolve 18 arguidos, sete empresas, 733 testemunhas, 135 assistentes e mais de 300 crimes. Um megaprocesso que já vai nos 215 volumes após uma acusação com mais de quatro mil páginas.
Este que já é o maior processo judicial da história da justiça portuguesa juntou no processo principal 242 inquéritos, (que foram sendo apensados) e reuniu queixas de mais de 300 pessoas, singulares e coletivas, residentes em Portugal e no estrangeiro.
Devido à vastidão de crimes, arguidos, assistentes, testemunhas, factos e documentos que integram este caso, o processo informático do BES tem oito terabytes de informação, correspondente a muitos milhares de ficheiros.
Mas o tempo que decorreu desde agosto de 2014 até hoje, já fez cair algumas acusações, tendo no início deste mês o Juízo Central Criminal de Lisboa declarado a prescrição de 11 crimes, três dos quais imputados pelo Ministério Público (MP) ao antigo presidente do GES Ricardo Salgado.
O ex-banqueiro, que estava inicialmente acusado de um total de 65 crimes, vai agora ser julgado por 62, após terem prescrito dois crimes de falsificação de documento e um de infidelidade. O levantamento dos crimes em risco de prescrição recentemente realizado pelo MP indica ainda que Ricardo Salgado pode ver cair, em finais de novembro próximo, mais um crime de falsificação e outros dois crimes no final de dezembro. Em janeiro de 2025 prescrevem mais três crimes de falsificação de documento, no final de fevereiro cai um de infidelidade e até 28 de março tombam outros três de infidelidade.
Iniciado no dia 12 de agosto de 2014 – logo após a queda do banco privado liderado por Ricardo Salgado, à data conhecido por DDT (Dono Disto Tudo) –, a investigação do processo principal “Universo Espírito Santo” teve origem numa notícia de 3 de agosto desse ano sobre a medida de resolução do BES e analisou as alegadas perdas sofridas por clientes do banco.
A investigação resultou em 25 acusados, entre 18 pessoas e sete empresas. Mais tarde, o juiz Ivo Rosa acrescentou cinco arguidos ao processo, todos funcionários do banco, elevando para o número de arguidos. Foram alguns dos lesados do BES, assistentes no processo, que pediram que estes cinco novos arguidos fossem responsabilizados criminalmente. Na decisão instrutória, de 31 de julho de 2023, Ivo Rosa decidiu que todos os arguidos iriam a julgamento nos exatos termos da acusação, à exceção de cinco.
O centro da investigação concentrou-se nas condições que determinaram a resolução do BES, assim como da insolvência da Espírito Santo Internacional, da Rioforte, da Espírito Santo Control, da ESFIL e da Espírito Santo Financial Group, no Luxemburgo, bem como da liquidação do Banque Privée Espírito Santo, na Suíça, a liquidação do ES Bank of Panama, no Panamá, e o ES Bankers Dubai, nos Emirados Árabes Unidos.
De acordo com a Procuradoria-Geral da República, a investigação apurou um valor superior a 11,8 mil milhões de euros, em consequência dos factos indiciados, valor que integra o produto de crimes e prejuízos com eles relacionados.
A figura central desta investigação é Ricardo Salgado. Só o ex-líder do BES é acusado de 65 crimes: associação criminosa (um), burla qualificada (29), corrupção ativa (12), branqueamento de capitais (sete), falsificação de documento (nove), infidelidade (cinco) e manipulação de mercado (dois). Contudo, três destes crimes prescreveram – dois de falsificação de documento e um de infidelidade – e, pelo menos, outros 10 vão prescrever até ao final do primeiro trimestre de 2025.
Salgado terá criado uma estrutura fraudulenta dentro do banco, sustentada no Departamento Financeiro e de Mercados, tutelado pelo então diretor financeiro, Amílcar Morais Pires. Uma estrutura alegadamente montada sem conhecimento da maioria da equipa de gestão do BES, nem do Banco de Portugal (BdP).
Amílcar Morais Pires, braço direito de Salgado, e a diretora financeira do BES, Isabel Almeida e José Manuel Espírito Santo, primo de Salgado e antigo administrador, foram também acusados. Além de crimes de falsificação, respondem por associação criminosa, burlas qualificadas, abuso de confiança e branqueamento de capitais.
No início do mês o Tribunal deixou “cair por terra” 11 crimes do caso BES uma vez que os mesmos já prescreveram, sendo três deles referentes a Salgado. Segundo o despacho judicial, no total, sete arguidos beneficiaram desta prescrição, incluindo Salgado, Amílcar Morais Pires e Francisco Machado da Cruz. Um ex-funcionário do BES já não vai ser julgado.
Considerado um dos maiores e mais complexos da Justiça portuguesa, este processo é composto por 767 volumes, entre autos principais, arrestos, incidentes de oposição e apensos bancários e 171 volumes de autos principais, processados até à data da distribuição em 687.398 folhas. Mais todos os apensos bancários, de buscas e diversos (mais de duas centenas) e equipamentos informáticos apreendidos. A acusação conta com 3.552 folhas, assinadas por sete procuradores.
O que diz a acusação?
O despacho de acusação do Ministério Público (MP) considerou que “o governo do GES (tinha) sido assumido de forma autocrática pelo arguido Ricardo Salgado” e que o banqueiro “associou a marca Espírito Santo ao seu ativo mais relevante, o BES, confundindo-a com este ao longo de anos no modo como publicamente apresentou esta realidade, para cuja imagem o próprio contribuiu determinantemente”.
Perante isso, Salgado “logrou apropriar-se de património de terceiros no âmbito do negócio financeiro do Grupo, onde fez circular dívida das entidades não financeiras, independentemente da legitimidade para o exercício dessa atividade, ou das condições patrimoniais destas empresas”, acusam os procuradores.
Na acusação do MP, é imputado um crime de associação criminosa a Ricardo Salgado que terá sido levado a cabo “pelo menos durante seis anos, entre 2009 e 2014”, de uma forma transversal aos ramos não financeiro e financeiro do GES e ao próprio BES.
A resposta da defesa do antigo líder do grupo chegou em setembro de 2021, num requerimento de abertura de instrução com 777 páginas, nas quais os advogados Francisco Proença de Carvalho e Adriano Squilacce rebatem a tese do MP, argumentando que Ricardo Salgado “fez tudo o que estava ao seu alcance para que o desfecho não fosse o que ocorreu no verão de 2014”, com a resolução do BES.
O requerimento de abertura de instrução rejeitou as quase quatro mil páginas de acusação e refutou todos os crimes de que Salgado é acusado com os argumentos jurídicos e técnicos que preenchem uma das maiores aberturas de instrução da justiça.
Da ficção da associação criminosa, o arguido defendeu-se em 30 páginas, divididas por oito pontos. “A imputação do ilícito de associação criminosa é destituída de fundamento de facto e de direito, consistindo numa ficção da acusação, que apenas visou ter um maior impacto mediático para justificar o tempo e recursos empregues durante o inquérito deste processo”, argumentam.
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3.687 dias depois da queda do BES, Salgado vai finalmente a julgamento
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