A fuga de talento jovem continua, apesar da narrativa ‘cor-de-rosa’

A ideia de que Portugal deixou para trás o problema da emigração jovem e da fuga líquida de talento não resiste a uma análise séria dos dados completos, escreve o economista Óscar Afonso.

ECO Fast
  • A análise crítica da economia portuguesa revela que a narrativa otimista sobre a sua recuperação é enganadora e baseada em dados incompletos.
  • O saldo migratório positivo recente é temporário e depende de fatores extraordinários, como o Programa de Recuperação e Resiliência, e não reflete uma mudança estrutural na emigração jovem.
  • Sem reformas significativas para melhorar a especialização económica, Portugal continuará a perder talento e a enfrentar uma sangria demográfica, comprometendo o seu futuro.
Pontos-chave gerados por IA, com edição jornalística.

Nesta crónica procuro desmontar uma narrativa recente — e agora convenientemente repescada — que retrata a economia portuguesa como estando numa trajetória excecionalmente favorável. Trata-se de uma leitura profundamente deslocada da realidade e enviesada, assente em dados incompletos e interpretações apressadas. Entre os seus argumentos mais repetidos está a ideia de que Portugal estaria finalmente a inverter o seu padrão de especialização, alegadamente sustentado por fluxos migratórios positivos e pelo regresso de jovens emigrantes altamente qualificados. Se tal fosse verdade, significaria que o país teria ultrapassado o problema estrutural da emigração jovem e da contínua fuga de talento.

Nada poderia estar mais distante dos factos. O saldo migratório positivo recentemente observado é essencialmente temporário e artificial, resultando de fatores extraordinários e não de uma mudança estrutural do modelo económico. A fuga de talento não só persiste como continua a refletir o baixo perfil de especialização da economia portuguesa, incapaz de oferecer, de forma consistente, oportunidades qualificadas e bem remuneradas. As leituras otimistas que sugerem o contrário assentam em dados incompletos e em análises que ignoram dimensões essenciais do fenómeno migratório.

Infelizmente, este retrato “cor-de-rosa” está muito longe de corresponder à realidade. Como mostrarei de seguida, a evidência aponta no sentido inverso, revelando um quadro que contraria de forma quase absoluta essa visão simplista e auto-complacente. E a verdade é dura, mas incontornável: Sem reformas profundas que elevem o perfil de especialização da economia e criem oportunidades qualificadas em todo o território, Portugal continuará a perder jovens e qualificados, prolongando a sangria demográfica e comprometendo o seu potencial de desenvolvimento.

Saldo migratório dos ‘naturais’ positivo apenas conjuntural, já diminuto e dependente de apoios

Decompor o saldo migratório total — entradas menos saídas — entre o contributo dos estrangeiros e o dos nacionais, que inclui tanto os nascidos em Portugal como os que adquiriram a nacionalidade pelos mecanismos previstos na lei, com destaque para a naturalização, não é tarefa simples. Mais difícil ainda é isolar, dentro desse conjunto, o saldo migratório daqueles que efetivamente nasceram em Portugal, a que me refiro ao longo desta crónica como “naturais”.

Os principais resultados da análise encontram-se representados nas Figuras 1 e 2. Os valores dos saldos migratórios — não incluídos nas Figuras — podem ser consultados na parte C da Tabela 1 (que passarei a designar Tabela 1C), construída a partir dos dados de imigrantes (Tabela 1A) e de emigrantes (Tabela 1B). A Tabela 1 apresenta ainda (nas suas três partes), na última linha antes dos dados, o detalhe dos cálculos efetuados, e é acompanhada de notas explicativas, incluindo sobre as assunções relevantes utilizadas.

A Tabela 1 é autoexplicativa, pelo que passo à extração das principais conclusões das Figuras 1 e 2 com indicação de valores e pormenores relevantes que são detalhados nas várias partes da tabela.

(i) Tal como o saldo migratório global excedentário, o balanço positivo recente (de 2021 a 2023) dos ‘naturais’ (regressos menos saídas) é muito influenciado pelo maior ritmo de crescimento económico no mesmo período – a refletir a retoma pós-pandemia e efeitos extraordinários, com realce para o PRR (Programa de Recuperação e Resiliência), o surto de turismo pós-confinamento e a imagem de país bonito e seguro, longe da guerra –, esperando-se o regresso à tendência de apenas 1%/ano neste milénio se não houver reformas relevantes, como tenho alertado. A pandemia e a inflação foram também fatores relevantes para o saldo positivo neste período conturbado, ao contribuírem, respetivamente, para travagem do fluxo de emigração (na pandemia, muitos terão preferido ficar junto das famílias) e o regresso de emigrantes (o aumento do custo de vida nos países de destino certamente terá tido um papel relevante), mesmo que temporariamente.

(ii) A naturalização de estrangeiros, que se acentuou com o descontrolo de entradas gerado pelo regime de Manifestação de Interesse, iniciado em 2017, explica grande parte da diferença crescente entre o saldo dos nacionais (cá nascidos ou não) e o dos ‘naturais’ após esse ano que se observa nas duas figuras.

(iii) O saldo migratório positivo dos ‘naturais’ já praticamente se tinha extinguido em 2023, tanto no cenário C1 (hipótese de que 10% dos estrangeiros que adquirem a nacionalidade emigram após a obtenção da nacionalidade Portuguesa – ver Tabela 1B e 1C), atingindo 26 pessoas (Figura 1), como no cenário C2 (25%), com um valor de 2 035 (Figura 2).

(iv) Sem o efeito do Programa Regressar (PR) – criado em 2019 – nos regressos de emigrantes (linhas a tracejado), o saldo dos ‘naturais’ seria já negativo em 2023 (-4 031 em C1 e -2 022 em C2; os valores, extraídos da Tabela 1C, refletem a assunção de que a proporção de nacionais regressados, para os quais há dados, se aplica também aos ‘naturais’, como explicado nas notas da Tabela 1A). Esse Programa, tal como o regime de residente não habitual (e o IFICI e IFICI+, que lhe sucedem) e o IRS Jovem geram desigualdades graves entre contribuintes (por país de residência anterior e idade) e uma grande perda de receita pública. Continuo, por isso, a defender um regime unificado de retenção e atração de talento focado e justo, como o IRS Novo Talento que defendo: uma dedução à coleta em IRS sobre rendimentos do trabalho obtidos em Portugal que seria acessível a todos os trabalhadores após novas qualificações superiores (realizadas cá ou no estrangeiro), aplicando-se por isso a residentes jovens – com maior incidência, pela maior propensão à realização de estudos superiores – e menos jovens – precisamente onde há um défice de qualificações em Portugal –, bem como a imigrantes e a emigrantes regressados elegíveis.

Figura 1. Saldos migratórios, incluindo o do cenário C1, e crescimento económico

Fonte: INE e cálculos próprios. Notas: SM = saldo migratório (valores na Tabela 1, parte C; o cenário C1 é descrito na parte B).

Figura 2. Saldos migratórios, incluindo o do cenário C2, e crescimento económico

Fonte: INE e cálculos próprios. Notas: SM = saldo migratório (valores na Tabela 1, parte C; o cenário C1 é descrito na parte B).

Tabela 1A. Fluxos migratórios por nacionalidade e naturalidade – Parte A: imigrantes permanentes

Fonte: INE e cálculos próprios. Notas: as fórmulas usadas estão descritas na última linha antes dos dados da Tabela (nesta parte A e nas partes B e C). Para estimar os naturais portugueses (cá nascidos) que estavam emigrados e regressaram via Programa Regressar (PR), assume-se que a proporção é a mesma da do conjunto de emigrantes com nacionalidade portuguesa (adquirida por nascença ou pelas formas previstas na lei, onde se realça a naturalização) regressados por essa via (valor calculado na Tabela).

Tabela 1B. Fluxos migratórios por nacionalidade e naturalidade – Parte B: emigrantes permanentes

Fonte: INE e cálculos próprios. Notas: * O número de desconhecidos é residual: 206 (2014); 101 (2016); 91 (2017); 2 (2019); 17 (2020). ** É conhecido que há imigrantes residentes que saem para outros países da UE de maior nível de vida após a obtenção da nacionalidade portuguesa, fenómeno descrito por especialistas na área das migrações. Considerou-se dois cenários plausíveis, um moderado (10% emigram após a obtenção da nacionalidade) e outro mais severo (25%) – de notar que a imigração pode ocorrer nos anos seguintes ao da obtenção da nacionalidade, mas a metodologia empregue, por simplicidade, não exclui essa possibilidade (basta admitir que a emigração em cada ano depende da dos anos anteriores, como num modelo ARIMA).

Tabela 1C. Fluxos migratórios por nacionalidade e naturalidade – Parte C: saldo migratório

Fonte: INE e cálculos próprios. Nota: a descrição dos cenários C1 e C2 é fornecida na Tabela 1B.

A saída líquida dos jovens, jovens qualificados e dos qualificados em geral persiste, apesar das falácias

Outra falácia do discurso ‘cor-de-rosa’ é o de que estão a regressar maioritariamente jovens, que só se verifica em condições muito particulares como mostram os dados adicionais apresentados abaixo.

Uma vez que, entre os residentes com nacionalidade portuguesa, emigram sobretudo jovens (60,8% na faixa dos 15-35 anos e 70,8% nos 15-39 anos em 2023, ou 20 482 e 23 844 pessoas; 61% e 71,7%, ou 20 967 e 24 324, em 2024, respetivamente; dados do INE) – neste caso, seria ainda mais difícil distinguir se são nascidos ou não em Portugal –, é natural que os que regressem sejam relativamente jovens.

A questão é que os regressados são proporcionalmente menos jovens do que os que saem, e o número é menor (mesmo considerando os fatores extraordinários ainda em curso, referidos anteriormente):

(i) Entre os naturais, regressaram 41,3% na faixa dos 15-34 anos e 53,4% na dos 15-39 anos em 2023 (último ano com dados disponíveis), o equivalente a 11 677 e 15 107 pessoas.

(ii) Entre os nacionais (nascidos em Portugal ou não), regressaram 25% e 33,2% nessas faixas etárias, respetivamente, o correspondente a 14 027 e 18 609 pessoas, ou seja, em menor número do que os nacionais que saíram, acima referidos, traduzindo-se em saldos de -6 455 (=14 027-20 482) e de -5 235 (=18 609 – 23 844).

Ou seja, só se consideramos jovens os naturais nascidos até aos 39 anos – no IRS Jovem, por exemplo, só é abrangida a faixa etária até aos 35 anos – é que verificamos que a maioria regressa, mas por pequena margem (53,4%) e, nesse caso, estaremos a descurar um número significativo de jovens (cerca de 3 mil) que adquiriram a nacionalidade e podem também ser úteis no mercado de trabalho e a melhorar a nossa depauperada demografia, por estarem em idade fértil, o que torna o discurso ‘rosa’ ainda mais insólito.

O pior é que, quando terminar o PRR, o surto de turismo e a guerra, que nos tem permitido crescer acima da União Europeia (UE), mas apenas marginalmente, assim como a imigração descontrolada – uma boa parte da qual estará na economia paralela, mas ainda assim estimula o consumo –, retornaremos à tendência de crescimento anémico que tem marcado o primeiro quarto de século deste milénio.

O facto de, mesmo beneficiando simultaneamente de todos esses “ventos favoráveis”, a economia portuguesa conseguir crescer apenas marginalmente acima da média da UE — precisamente num período em que as principais economias europeias, como a Alemanha e a França, atravessam crises profundas e em que as economias de leste perderam dinamismo devido à guerra na Ucrânia — revela de forma inequívoca a limitação estrutural do nosso potencial de crescimento. Em circunstâncias tão excecionalmente propícias, seria expectável um descolamento muito mais significativo. Que tal não aconteça expõe, com particular nitidez, a fragilidade do nosso modelo económico, que nos continuará a empurrar para a cauda do indicador de nível de vida na UE, como mostrei na crónica anterior.

O facto de, mesmo beneficiando simultaneamente de todos esses “ventos favoráveis”, a economia portuguesa conseguir crescer apenas marginalmente acima da média da UE — precisamente num período em que as principais economias europeias, como a Alemanha e a França, atravessam crises profundas e em que as economias de leste perderam dinamismo devido à guerra na Ucrânia — revela de forma inequívoca a limitação estrutural do nosso potencial de crescimento. Em circunstâncias tão excecionalmente propícias, seria expectável um descolamento muito mais significativo. Que tal não aconteça expõe, com particular nitidez, a fragilidade do nosso modelo económico, que nos continuará a empurrar para a cauda do indicador de nível de vida na UE, como mostrei na crónica anterior.

Com a deterioração esperada da economia, os fluxos migratórios positivos irão inverter-se (menos entradas e mais saídas) e o saldo de ‘naturais’ — jovens e menos jovens — ficará ainda mais negativo do que hoje descontando o efeito do Programa Regressar, cujo mérito no regresso de emigrantes se perde face às injustiças criadas em relação aos que cá continuaram a criar riqueza e a pagar impostos.

O Boletim Económico de outubro de 2025 do Banco de Portugal (BdP) – essencialmente preparado pela equipa técnica sob a direção de Mário Centeno, embora tenha sido divulgado no dia seguinte à tomada de posse do novo Governador, Álvaro Santos Pereira – incluiu como tema em destaque a emigração jovem nas últimas décadas.

A meu ver, o resultado mais relevante (mas já conhecido) que é apresentado na análise do BdP é a de que Portugal tem das maiores taxas de emigração jovem para países europeus (15,4% em 2021 – na 3ª posição entre os países da UE27 mais o Reino Unido –, que compara com 11,6% em 2011) e que a emigração dos jovens de nacionalidade portuguesa (15-34 anos) tem vindo a aumentar desde 2021 (após uma descida acentuada desde o fim do programa de ajustamento 2011-2014).

O estudo do BdP peca por escasso nesta parte, como é admitido: “um conhecimento mais profundo desta questão exigiria informação sobre o possível retorno destes jovens emigrantes permanentes”.

Essa análise em falta foi precisamente a que efetuei anteriormente, concluindo que os jovens emigrantes nascidos em Portugal que regressam são proporcionalmente menos do que os que saem, até aos 35 anos regressam menos de metade e até aos 39 anos pouco mais de metade, sendo o balanço entre saídas e regressos negativo para o total de jovens de jovens portuguesa (cá nascidos ou não) mesmo com os fatores extraordinários ainda em curso que favorecem o regresso se descontarmos o Programa Regressar, que devia ser substituído por um regime unificado mais justo e focado, como referi.

Passo agora à parte do Boletim sobre a emigração de jovens qualificados, que suporta parte do discurso ‘cor-de-rosa’ de que não há uma fuga líquida de talento.

Numa das partes do Boletim, usando uma “abordagem de contraparte” (estatísticas dos países de destino) com “uma boa cobertura do número de emigrantes jovens”, é afirmado que “o peso dos emigrantes jovens com ensino superior (…) foi inferior ao da população residente (em 2021, 31% face a 39%) e que o peso dos emigrantes com menos qualificações era superior em 2021 (35% face a 24%). Assim, a decisão de emigrar não parece estar enviesada para os jovens com maiores qualificações, dado que os jovens mais qualificados estão menos representados entre os emigrantes do que nos jovens residentes em Portugal”.

Esta estatística conta apenas uma parte da realidade e gera uma conclusão enviesada. Isto porque a emigração portuguesa dirige-se sobretudo a países mais desenvolvidos, e estes precisam proporcionalmente mais de trabalhadores menos qualificados – para trabalhar em profissões que a população, maioritariamente qualificada, já não quer.

Nesta perspetiva, se os nossos jovens com ensino superior emigram porque encontram oportunidades de emprego qualificado bem pago no estrangeiro que escasseiam em Portugal, devido ao baixo perfil de especialização da nossa economia – muito focado em atividades de baixo valor acrescentado, como o turismo –, a verdade é que, pelo motivo acima referido, os trabalhadores menos qualificados terão até proporcionalmente mais oportunidades de trabalho pouco qualificado muito melhor pago no exterior do que em Portugal. Tal explicará os padrões encontrados pelo BdP, que não surpreendem quando assim explicados, mas conduzem a uma conclusão diferente da apresentada no Boletim Económico de outubro.

Segundo um estudo recente da Federação Académica do Porto (FAP), cerca de 73% dos estudantes do ensino superior na academia do Porto consideram provável ou muito provável emigrar. É razoável admitir que a realidade não seja muito diferente no restante território, ainda que menos acentuada em Lisboa, onde existe maior concentração de oportunidades de emprego qualificado — tanto no setor público como no privado. Mas isso deve-se, em grande medida, a um centralismo persistente que asfixia o desenvolvimento das restantes regiões, drenando-lhes o talento que nelas é formado.

Mais interessante teria sido o BdP estudar qual a proporção de jovens qualificados que emigra.

Segundo um estudo recente da Federação Académica do Porto (FAP), cerca de 73% dos estudantes do ensino superior na academia do Porto consideram provável ou muito provável emigrar. É razoável admitir que a realidade não seja muito diferente no restante território, ainda que menos acentuada em Lisboa, onde existe maior concentração de oportunidades de emprego qualificado — tanto no setor público como no privado. Mas isso deve-se, em grande medida, a um centralismo persistente que asfixia o desenvolvimento das restantes regiões, drenando-lhes o talento que nelas é formado.

O ideal seria termos um país capaz de operar como um avião com vários motores económicos distribuídos pelo território, cada um contribuindo para a sustentação e velocidade do conjunto. Em vez disso, dependemos quase exclusivamente de um único motor — Lisboa —, enquanto o resto do país permanece subaproveitado, vulnerável e estruturalmente limitado.

Teria sido também relevante analisar se há uma saída líquida de jovens qualificados.

Tal pode ser feito de forma indireta para os qualificados em geral e com limitações para os jovens, mas de forma séria, usando dados completos em vez dos parciais empregues para suportar o discurso ‘cor-de-rosa’, que voltou à carga recentemente neste tipo de análise, agora centrado num horizonte mais curto.

Para tal atualizo, com mais dados, um estudo que efetuei numa crónica de novembro de 2024. Na altura, o Governador da altura do BdP, Mário Centeno, causou polémica ao afirmar que Portugal tinha sido um “recetor líquido de diplomados” ente 2015 e 2023. A conclusão era errada devido à utilização de informação parcial, considerando apenas os licenciados e excluindo da análise os mestres (e.g., médicos e engenheiros com mestrado integrado) e doutores.

Estendo agora essa análise a 2015-2024 e adiciono o período mais recente, de 2021-2024, para desmontar as narrativas mais recentes.

Como se pode constatar na Tabela 2, a variação média anual da população ativa com formação superior entre 2015 e 2024 (64 mil) é inferior em 18 mil à média dos novos diplomados nesse período (82 mil), verificando-se uma situação similar no período 2021 (70 vs. 89 mil) – evidenciando assim uma perda do talento gerado no Ensino Superior tendo em conta o que está disponível no mercado de trabalho, deduzindo-se que está ser perdido para o exterior via emigração, sobretudo dos nosso jovem talento.

O diferencial negativo médio é até ligeiramente mais gravoso no período recente (-19 mil em 2021-2024 vs. -18 mil em 2015-2024), pois apesar da variação média de ativos com formação superior ser maior do que em 2015-2024 (70 vs. 64 mil) – com a subida na faixa de 35 anos e mais (de 49 para 63 mil) a contrariar a baixa nos 25-34 anos (de 12 para 4) –, o valor médio novos diplomados também aumentou (89 vs. 82 mil) e com uma diferença um pouco maior.

Em agregado, no período mais recente verifica-se uma descida média anual de 8 mil ativos qualificados (face ao período mais alargado) entre os 16 e os 34 anos – embora contrariada por uma subida de 14 mil nos 35 e mais anos, muito provavelmente com origem na imigração e, em menor medida, no regresso de emigrantes, atendendo à análise anterior –, apesar de uma subida de 7 mil na média de novos diplomados, o que aponta para um agravamento da fuga de talento jovem, que é consistente com o estudo da FAP.

Em qualquer dos períodos, a dinâmica dos novos ativos qualificados só supera a dos diplomados se os restringirmos aos licenciados, ou seja, se for usada informação parcial, enviesando a conclusão. Estranhamente, nessa análise ‘cor-de-rosa’ são excluídos os mais qualificados de todos.

Tabela 2. Variação da população ativa com ensino superior (por faixa etária) e número de diplomados (por ciclo de estudos), média anual entre 2015 e 2024 e entre 2021 e 2024, em milhares

Fonte: INE (dados dos diplomados e da população ativa atualizados em julho e agosto de 2024, respetivamente) e cálculos próprios.

Por último, outra análise ainda mais rebuscada para tentar demonstrar o indemonstrável é o de que, supostamente, desde 2019 o número de jovens de países de elevados salários (UE, Reino Unido e EUA) a virem trabalhar para Portugal supera o número de portugueses que vão para estes países, o que evidenciaria a capacidade de atração líquida de talento.

Admitindo que esta análise só pode ser feita com dados do INE, o primeiro problema é que apenas é possível considerando a UE e Reino Unido (i.e., usando a UE-28 excluindo Portugal) nas séries disponíveis, pois não há dados específicos para os EUA. Mesmo admitindo que tenha sido um lapso a inclusão dos EUA, vejamos o que parece ter sido feito considerando apenas esses destinos, para demonstrar o artifício.

Em 2023 saíram de Portugal para a UE e Reino Unido 21 778 pessoas e entraram em Portugal 8 576 jovens estrangeiros até aos 34 anos dessas proveniências e 10 345 até aos 39 anos, o que desmonta logo a tese. A diferença é tão grande que a inclusão dos dados dos EUA, mesmo que possível e em sentido contrário, não conseguiria contrapor o resultado referido numa análise global.

Diga-se que o mais correto seria comparar jovens com jovens, mas tal não é possível porque, ao contrário da imigração, não há nenhuma série de emigração do INE que cruze simultaneamente idade e grupos de países, pelo que o exercício proposto seria uma demonstração por maioria de razão, que não se verifica.

O artifício que parece ter sido usado consiste em somar a esses jovens estrangeiros o total de jovens portugueses regressados nesse ano dessas e de outras proveniências (20 033 até aos 34 anos e 24 615 até aos 39 anos) – que foi relativamente elevado por fatores anómalos, como explicado acima –, num total de 28 789 e 34 960, respetivamente (qualquer dos dois valores supera as 21 778 pessoas que saíram de Portugal para UE e Reino Unido).

Indo para trás e admitindo que reconstituí bem os passos seguidos, só consigo verificar parcialmente a afirmação usando valores para os jovens até aos 39 anos e começando em 2021 (nesse ano saíram 15 936 portugueses com destino à UE e Reino Unido e entraram dessas proveniências 7 214 jovens até aos 39 anos, que somados ao total de 14 584 jovens nessa faixa etária regressados a Portugal perfaz 21 798).

Mas, a ser assim, trata-se de um exercício intelectualmente desonesto, pois não demonstra capacidade de atração e retenção de talento – acima refutado em geral – face a países ricos, além de outras deficiências que podem ser apontadas, como não ser demonstrável com dados de fluxos migratórios que os entrantes estão cá a trabalhar (por exemplo, podem estar desempregados, a trabalhar à distância para uma empresa estrangeira, pagando impostos sobre o rendimento no exterior, ou serem reformados).

Conclusão

A ideia de que Portugal deixou para trás o problema da emigração jovem e da fuga líquida de talento para o exterior não resiste a uma análise séria dos dados completos.

Os saldos positivos recentes entre os nascidos em Portugal que emigram e os que regressam são apenas conjunturais, pois dependem de fatores extraordinários – PRR, turismo, inflação, guerra – e, em 2023, já só são explicados pelo efeito do Programa Regressar, que gera desigualdades injustificáveis entre contribuintes.

Persistem saídas líquidas de jovens com nacionalidade portuguesa, de jovens qualificados e de qualificados em geral, como aqui demonstrei. Pior: mesmo com ventos favoráveis externos que não controlamos, crescemos apenas marginalmente acima da UE, revelando um potencial de crescimento estruturalmente baixo. Quando esses impulsos cessarem, a economia voltará a evidenciar fragilidades e os saldos migratórios positivos inverter-se-ão, agravando ainda mais a perda de talento e a sangria demográfica. O discurso “cor-de-rosa” que emerge de leituras parciais – como ler os dados de forma enviesada, considerar apenas diplomados licenciados, ignorando mestres e doutores, ou construir comparações intelectualmente desonestas – pode ser politicamente conveniente, mas é tecnicamente errado e estrategicamente perigoso.

Persistem saídas líquidas de jovens com nacionalidade portuguesa, de jovens qualificados e de qualificados em geral, como aqui demonstrei. Pior: mesmo com ventos favoráveis externos que não controlamos, crescemos apenas marginalmente acima da UE, revelando um potencial de crescimento estruturalmente baixo. Quando esses impulsos cessarem, a economia voltará a evidenciar fragilidades e os saldos migratórios positivos inverter-se-ão, agravando ainda mais a perda de talento e a sangria demográfica. O discurso “cor-de-rosa” que emerge de leituras parciais – como ler os dados de forma enviesada, considerar apenas diplomados licenciados, ignorando mestres e doutores, ou construir comparações intelectualmente desonestas – pode ser politicamente conveniente, mas é tecnicamente errado e estrategicamente perigoso.

O País só deixará verdadeiramente de perder talento quando deixar de depender de conjunturas externas e tiver coragem para enfrentar o essencial: criar condições para elevar o perfil de especialização da economia, alavancando de forma sustentada o valor acrescentado e a produtividade, o que passa também por corrigir o centralismo que esvazia o território fora da área de influência da capital e criar oportunidades de emprego qualificados e bem remunerado em todo o país, de modo a que os nossos jovens possam construir a sua vida em Portugal.

Enquanto continuarem a ser celebradas estatísticas incompletas, estaremos apenas a adiar o inevitável: ou reformamos a sério o nosso modelo económico, ou continuaremos a assistir à saída silenciosa de uma geração inteira.

Por último, face ao retrato aqui apresentado, sobre os fatores extraordinários que não sabemos aproveitar e a sangria demográfica e de talento que persiste, concluir que Portugal tem a economia do ano da OCDE em 2025 só pode ser mesmo para rir. Isto para não chorarmos o estado a que o país chegou, nomeadamente nas áreas da saúde, habitação e educação, só para citar algumas das mais problemáticas. Deixo para outro espaço de opinião que vou ocupar nesta semana a análise do ranking enviesado da The Economist, do qual emergiu semelhante conclusão.

  • Diretor da Faculdade de Economia da Universidade do Porto, Professor Catedrático e sócio fundador do OBEGEF

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