“Acelerar Economia”: Pode ter a propriedade industrial um papel essencial?

O Governo apresentou um pacote de 60 medidas que visam promover e “acelerar” a economia. Um dos objetivos é a revisão Código da Propriedade Industrial. Para os especialistas essa revisão é necessária.

A revisão do Código da Propriedade Industrial (CPI) foi uma das 60 medidas apresentadas pelo Governo no programa “Acelerar a Economia”. Para os especialistas esta revisão é necessária, mas existem muitos aspetos que são necessários rever.

“Se o objetivo do Governo passa por promover a proteção e valorização da propriedade industrial, então, logicamente, a revisão do Código da Propriedade Industrial deverá ser uma prioridade, em paralelo com outras medidas, como o investimento sério em meios humanos qualificados”, explica Manuel Gil Fernandes, legal and trademarks director da Clarke Modet.

Para esta revisão, o Governo pretende criar um grupo de trabalho, de forma a alinhar o sistema português de propriedade industrial com as “melhores práticas internacionais”. O programa apresentado elenca algumas delas como a eliminação de barreiras à proteção de invenções, reforço das obrigações das entidades públicas na valorização do sistema e dos direitos de propriedade industrial ativos e em uso, desenvolvimento de mecanismos de maior segurança jurídica na proteção de patentes de invenção, reforço do potencial do português como língua de inovação atendendo à dimensão do mercado da lusofonia e reforço do papel dos profissionais de propriedade industrial.

Beatriz Lima, sócia da NLP, também vê com “muitos bons olhos” esta revisão, uma vez que defende que se deve ajustar o sistema português à crescente uniformização dentro da União Europeia (UE) nestas matérias.

Ainda que as propostas do Programa sejam nesta fase naturalmente vagas, parece-nos que algumas matérias que estão a sofrer alterações a nível europeu e que reclamariam uma atenção igualmente premente não foram especificamente identificadas”, refere a advogada.

Já Márcia Martinho da Rosa espera que a revisão do CPI seja feita numa perspetiva “futurista” e não “conservadora”, para que as empresas portuguesas iniciem e acelerem o processo de industrialização, “que está completamente parado em Portugal e na Europa”. “Acho que a revisão do Código, proposta pelo Governo e que eventualmente apenas se deve resumir a transposição de diretivas e recomendações da UE, deveria ir mais longe”, defende.

Entre os aspetos essenciais que entende que devem ser regulados, a advogada aponta o alargamento do regime de isenção de taxa e a exigência de um plano de proteção à propriedade intelectual. “Devia ser revista a política fiscal nesta matéria e criados novos incentivos ou benefícios fiscais ou outros para as empresas que protejam os seus direitos de propriedade intelectual e os seus segredos de negócio”, acrescenta, sublinhando que a legislação deveria ser mais “clara”.

Márcia Martinho da Rosa salienta ainda que o ambiente digital” não pode ser negligenciado nesta revisão nem a proteção da inteligência artificial.

Nos temas não abrangidos pelas diretivas da UE, Manuel Gil Fernandes aponta a necessidade de inovar, com destaque para a área das patentes. “Continua a persistir uma visão estritamente quantitativa, a qual não é acompanhada pela devida salvaguarda da qualidade e rigor dos direitos que são pedidos”, nota.

Para o legal and trademarks director da Clarke Modet, a revisão deve contribuir para uma maior proteção do agente económico, contemplando uma maior qualificação nas entidades intervenientes e conferindo um maior relevo aos agentes oficiais da propriedade industrial. Defende ainda que o legislador português consagre um regime jurídico especial e autónomo relativo à titularidade das denominadas invenções universitárias.

Também Beatriz Lima considera que com a entrada do Sistema Unificado de Patentes, a 1 de junho, algumas normas do CPI devem ser revistas. “Esperam-se algumas adaptações para garantir uma ‘safety net’ que permita salvaguardar os titulares de patentes caso o efeito unitário tenha sido requerido, mas depois recusado, pelo Instituto Europeu de Patentes”, exemplifica.

Relativamente aos Modelos de Utilidade, Manuel Gil Fernandes defende que as limitações no que toca à área farmacêutica deveriam ser afastadas, mudança essa que considera que se poderia revelar “muito importante para a indústria nacional”.

No que toca aos desenhos e modelos, Beatriz Lima recorda que o sistema europeu de proteção tem mais de 20 anos e as legislações dos Estados-Membros nessa matéria têm sido “parcialmente harmonizadas ao longo dos anos”. Mas em março foi aprovada a proposta de diretiva do Parlamento e do Conselho que, após entrada em vigor, necessitará de ser transposta em 36 meses.

A sócia da NLP apontou ainda a necessária adaptação do CPI à entrada em vigor do Regulamento 2023/2411 relativo à proteção das indicações geográficas dos produtos artesanais e industriais e do Regulamento 2024/1143 relativo às indicações geográficas para o vinho, as bebidas espirituosas, os produtos agrícolas, bem como às especialidades tradicionais garantidas e às menções de qualidade facultativas para os produtos agrícolas, “que limitam a proteção das bebidas espirituosas e os produtos artesanais/industriais às indicações geográficas”.

Por fim, Manuel Gil Fernandes sublinha também a necessidade de criação de medidas mais “dissuasoras” da prática dos ilícitos contraordenacionais ou criminais, pois “temos um sistema caracterizado por ser leve, moroso e ineficaz”. “O Estado necessita de assumir um papel mais ativo no âmbito do uso das marcas, exercendo um maior controlo sobre a quantidade de marcas registadas e não usadas no sentido de as retirar do mercado, isto é, exercendo uma maior fiscalização sobre o uso não sério das marcas”, acrescenta.

Mas pode a Propriedade Industrial “acelerar” a economia?

Apresentada como uma das soluções para “acelerar” a economia portuguesa, poderá a propriedade industrial, e mais concretamente esta revisão legislativa, alavancar a economia? Os especialistas contactados pela Advocatus encontram-se divididos. Se para uns tem um “papel crucial”, para outros “não chega”.

Considerando que a propriedade industrial e o seu contínuo melhoramento desempenham um papel crucial na economia europeia, Beatriz Lima recordou alguns números de um relatório de 2022 do Instituto Europeu de Patentes e do Instituto da Propriedade Intelectual da União Europeia que comprovam a importância desta área.

Segundo esses dados, as indústrias de utilização intensiva de direitos de propriedade industrial geraram 47,1% do Produto Interno Bruto (PIB) na UE, no valor de 6,4 triliões de euros, 29,7% dos postos de trabalho na UE durante o período 2017-2019 e tendem a pagar salários significativamente mais elevados do que as outras indústrias, com uma majoração salarial de 41%.

Já as indústrias portuguesas de utilização intensiva de direitos de propriedade industrial foram responsáveis por 43,6% do PIB e por 31% dos empregos nacionais, entre 2017 e 2019. “Nessa medida, uma política de propriedade industrial adequada ajuda a potenciar a inovação em Portugal e, ao fazê-lo, serve também como motor do progresso económico”, refere a sócia da NLP.

Beatriz Lima relembrou os novos regulamentos em matéria de denominações de origem e indicações geográficas para produtos artesanais e industriais e produtos agrícolas e vinhos. “Estes produtos são fulcrais para o tecido empresarial português e a sua proteção harmonizada contribui para o desenvolvimento económico do país através do reforço da competitividade, da criação de empregos, da promoção do turismo nas regiões rurais, proporcionando incentivos aos produtores (especialmente às PME), diversificação económica, impulsionando o turismo. Ao mesmo tempo, promove-se a maior sensibilização para a autenticidade dos produtos, incentiva-se à sua qualidade e facilita-se a internacionalização desses produtos através da harmonização legislativa”, disse.

Sobre o Tribunal Unificado de Patentes, a advogada espera que este sistema se revele como uma opção “equilibrada” em termos de custo-benefício para as empresas portuguesas e que permita um “bom uso do sistema de patentes, com impacto positivo na economia”.

Também Manuel Gil Fernandes acredita que esta medida pode acelerar a economia, uma vez que pode ser uma “oportunidade” para o Estado promover uma cultura mais ativa da propriedade industrial junto dos empresários, “contribuindo para que se deixe de olhar para as patentes como despesa, mas como um investimento”.

“A atuação do Estado deve estar principalmente orientada para facilitar a inovação, intervindo em áreas onde o mercado falhe como o acesso ao financiamento para I&D, a disponibilização de infraestruturas e de recursos humanos qualificados ou a aproximação dos diversos agentes económicos para que atuem de uma forma coordenada e em rede”, disse.

Posição diferente tem Márcia Martinho da Rosa. A advogada não se mostrou confiante com esta medida e admite que é preciso mais. “Portugal precisa de ter uma verdadeira política de promoção, divulgação e efetivação da proteção da propriedade industrial em todas as empresas, e infelizmente isso não acontece, até porque a nossa realidade para ser alterada tem de ter várias políticas que não se resumem apenas à alteração do CPI para transposição de pacotes legislativos vindos da UE”, assume.

Segundo a advogada, primariamente é necessário olhar para as empresas e perceber o que precisam, “para proteger mais o que produzem, e o que de bom possuem, que por vezes as próprias empresas desconhecem”. “Sinceramente espero que exista a breve trecho uma verdadeira política industrial para o nosso país, para as empresas que ainda não desistiram, sob pena de nos reduzirmos a um país de serviços e turismo”, conclui.

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