Apesar de em 2023 o número de transações de M&A ter sido reduzido, os advogados mostraram-se otimistas para o novo ano. Ainda assim, há desafios exigentes devido à atual conjuntura política do país.
O ano de 2023 foi “negro” em termos de atividade de M&A. Numa altura em que as taxas de juro não pararam de aumentar e que a desaceleração económica pesou na hora de negociar junto da confiança das empresas, a atividade de M&A caiu para o nível mais baixo em 10 anos em todo o mundo.
Dados da Dealogic revelaram que a queda foi de cerca de 18%. Por exemplo, nos Estados Unidos da América, um dos maiores mercados bancários de investimento do mundo, o volume de fusões e aquisições diminuiu 8%.
Em Portugal a tendência não foi diferente. Desde 2018 que não se tinham realizado tão poucos negócios de M&A. No total, foram 116 operações que se traduziram em 2,8 mil milhões de euros. O volume de capital ficou também muito aquém do contabilizado nos anos anteriores, segundo dados da Dealogic.
E para 2024 quais são as expectativas? Os advogados e coordenadores das áreas de M&A de quatro escritórios mostraram-se otimistas, apesar de os desafios serem exigentes face à conjuntura política do país e económica internacional.
“O mais provável será um início de ano lento, mas com tendência a acelerar rapidamente, sobretudo após o primeiro trimestre. Nos inícios de ano há sempre alguma cautela adicional para tentar antecipar como a economia se vai comportar, e este não deixa de ser um ano especial quer em termos do contexto internacional quer em termos do contexto político em Portugal”, sublinhou Nuno Marques, of counsel da área de corporate, transacional e private equity da TELLES.
Para o advogado, existe um “otimismo moderado”, não só com algumas grandes transações que se anteveem, mas também com o “rollout do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) que dará necessariamente lugar a um número considerável de transações de M&A nos próximos dois anos”.
Já Cláudia Cruz Almeida, sócia responsável de corporate e M&A da Vieira de Almeida (VdA), revela um otimismo “prudente”, prevendo que o mercado mantenha a trajetória ascendente que se assistiu desde o segundo semestre de 2023.
Para a advogada, os setores de M&A mais ativos serão os de imobiliário e turismo, a partir do segundo semestre, o de energia, o setor das infraestruturas e de IT & TMT, bem como na indústria, incluindo agroalimentar. “O setor financeiro registará também atividade significativa, nomeadamente por via de movimentos de consolidação”, disse.
“Numa perspetiva mais transversal, continuará a tendência de um M&A estratégico ligado aos processos de transformação dos modelos de negócio das empresas para acompanhar as preferências dos consumidores e os imperativos do ESG e da transformação digital, ou seja, ao recurso ao M&A como parte da sua história de valor e de crescimento”, acrescentou a advogada.
Na Cuatrecasas a previsão é de crescimento dos investimentos de venture capital e private equity e uma forte atividade de M&A em setores como TMT, transição e eficiência energética e saúde.
“Entendemos que o middle-market continuará muito ativo, mas temos dúvidas sobre o regresso das chamadas macro operações. Ainda assim, mantemo-nos otimistas, com alguma moderação por efeito da conjuntura política e económica internacional, e em particular da nossa situação política interna e da nossa vizinha Espanha que tem um papel muito relevante no nosso M&A cross-border”, referiram Mariana Norton dos Reis e Rafael Lucas Pires, sócios e cocoordenadores de societário e M&A da Cuatrecasas.
Considerando que o ano passado foi de “arrefecimento expressivo” na atividade de M&A, devido a tensões geopolíticas, inflação, aumento das taxas de juro, incerteza económica geral e desafios no setor bancário dos EUA que tiveram um impacto negativo, os sócios da PLMJ anteveem condições para um ano de “franca recuperação”.
“Temos já sinais do lado dos bancos centrais de que teremos atingido o pico das taxas de juro e que haverá uma inversão de ciclo em breve, até porque será preciso ajudar algumas das grandes economias que sentiram na pele o impacto dos juros elevados. Por outro lado, os grandes fundos de investimento internacionais de capital de risco e de infraestruturas estão com muita liquidez acumulada para aquisições”, explicaram os sócios Diogo Perestrelo e Duarte Schmidt Lino.
Volume de operações pode superar o de 2023
Se 2023 foi um ano fraco em termos de volumes de operações de M&A em Portugal, nos últimos cinco anos, para 2024 a perspetiva é de crescimento, esperando-se um elevado número de transações de grande dimensão.
“Acreditamos que o mercado poderá crescer em volume, mas temos dúvidas que cresça em termos de valor de operações, pelo menos no mercado português”, avançaram os sócios da Cuatrecasas.
Também Cláudia Cruz Almeida considera que os sinais do arranque deste ano apontaram para um acréscimo de atividade que poderá ser significativo.
“Após um início de ano com pouco volume e número de transações, ao longo de 2023 assistimos em Portugal a um acréscimo do número de transações face a 2022, apesar de o mesmo ter tido como contraponto algum decréscimo do volume transacionado em termos de valor das transações. Estamos, neste momento, em trajetória ascendente e, se a conjuntura for favorável, espera-se um elevado número de transações, algumas das quais de grande dimensão”, acrescentou.
Por outro lado, Nuno Marques acredita que Portugal continua a ser um mercado muito atrativo para o investimento. “Existe muito capital disponível alocado a fundos prontos a investir, e antevê-se uma tendência de normalização das taxas de juros, fatores que vão seguramente ajudar o setor de M&A a crescer”, referiu.
O of counsel da TELLES sublinhou ainda que existe um conjunto de grandes projetos nacionais que espera que tenham ou mantenham luz verde após as eleições e que terão um impacto no setor.
Os desafios para o setor de M&A
Desde a Inteligência Artificial (IA) à estabilidade política e económica, vários são os desafios apontados para o setor de M&A em 2024.
Para Diogo Perestrelo e Duarte Schmidt Lino, sócios cocoordenadores de Corporate M&A da PLMJ, apesar de atingirmos o pico das taxas de juro, ainda é cedo para que as transações com “leverage acentuado voltem ao seu ritmo normal”. “Assim, pensamos que a tendência continuará a ser de um buyers market, em que compradores com liquidez e com pouca necessidade de alavancagem, continuarão a ditar as regras do jogo”, referiram.
Os advogados anteciparam ainda que em Portugal possam vir a realizar-se duas a cinco grandes transações em setores como as telecomunicações, infraestruturas, banca e energias renováveis. Por outro lado, mantendo-se por mais alguns meses as taxas de juro elevadas, acreditam que haverá uma tendência para operações de M&A de pequena e média dimensão, com os “investidores a continuarem a ponderar de forma cuidada o risco financeiro associado a uma grande exposição aos mercados de dívida”.
“A IA será sem dúvida um dos hot topics e que é transversal aos setores que mais relevam quando olhamos para o M&A. Há aqui verdadeiras revoluções à espera de acontecer nos modelos de negócio e serem catalisadores de casamentos até agora improváveis”, acrescentam os sócios da PLMJ.
Já Mariana Norton dos Reis e Rafael Lucas Pires apontaram como principais desafios os económicos – como a inflação, taxas de juro, custos de energia -, a estabilidade política e incentivos fiscais na atração de investimento. “Outro desafio é a identificação de bons targets e a condução eficiente dos processos competitivos que, para o vendedor permitem maximizar valor, mas trazem grandes custos para os investidores que procuram cada vez mais processos bilaterais”, disseram.
No setor de M&A, Nuno Marques o grande desafio é o volume de investimento que surge do PRR, uma vez que irão existir muitos fundos de investimento a procurar o mesmo tipo de ativos. “Será um papel essencial dos advogados saber criar um diálogo aberto, transparente e de confiança, que permita que esses investimentos aconteçam”, acrescentou.
Por fim, face a todos os atuais acontecimentos económicos, políticos e sociais, Cláudia Cruz Almeida acredita que é expectável que se mantenha a tendência para o “aumento do tempo investido nos processos de decisão”, o “aprofundamento da análise prévia à negociação das transações” e o “alongamento no tempo dos processos negociais”.
“Trata-se de um grande desafio para os players do mercado, que exige uma enorme flexibilidade e adaptabilidade para gerir o seu pipeline transacional e o custo de oportunidade das transações em que apostam”, disse.
Ainda assim, a sócia está confiante de que todos estes desafios não afetarão de forma decisiva a atratividade de Portugal como polo de investimento.
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Advogados otimistas com recuperação do setor de M&A. Mas há desafios
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