A Nvidia triplicou as receitas no trimestre, evidenciando o excelente desempenho das grandes tecnológicas em 2023. Os analistas veem margem para ganhos adicionais, mas com menor exuberância.
Os mercados têm o hábito de atribuir siglas e designações curtas para simplificar a referência a grupos de ações, ativos e até países. Brasil, Rússia, Índia e China ficaram conhecidos pelos BRIC devido à pujança destas economias emergentes no início do século, por exemplo.
Na crise da dívida que assolou a Europa, no início da década passada, os países mais frágeis foram apelidados de PIGS, uma sigla que incluía Portugal que foi considerada por muitos como infeliz. Nas ações, as FAANG ganharam fama nos últimos anos devido ao bom desempenho das ações da Meta (dona do Facebook), Amazon, Apple, Netflix e Alphabet (dona do Google).
Em 2023 surgiu um novo grupo que veio ofuscar as FAANG, até porque inclui várias das ações que formaram este acrónimo. O ano está a ser marcado pela forte valorização de um grupo de sete cotadas do setor tecnológico, todas norte-americanas: Alphabet, Amazon, Apple, Meta Platforms, Microsoft, Nvidia e Tesla.
Michael Hartnett, analista do Bank of America, apelidou este conjunto de “Sete Magníficas” e os números evidenciam que a designação não tem nada de exagerada, daí que o termo tenha sido rapidamente adotado por analistas, investidores e outros agentes de mercado.
As sete cotadas registam valorizações entre 46% e 242% este ano, todas apresentam uma capitalização bolsista acima de 700 mil milhões de dólares (cinco têm um valor de mercado com 13 dígitos) e os resultados têm registado um crescimento acentuado, tanto ao nível das receitas com dos lucros.
O domínio das “Sete Magníficas” este ano na evolução de Wall Street é esmagador, numa concentração de ganhos que há muito não era vista na bolsa norte-americana, onde estão cotadas milhares de companhias. O S&P 500 valoriza 18% em 2023, mas se for atribuído o mesmo peso às 500 empresas que o constituem, o índice marca ganhos muito escassos no acumulado do ano (S&P 500 Equal Weighted valoriza 3%).
Estas sete empresas, que têm um peso de 28% no índice norte-americano, apresentam um valor de mercado conjunto de 11,9 biliões de dólares, um ganho de mais de 4 biliões de dólares desde o início do ano. O valor de mercado de todas as companhias do índice que agrupa as 500 maiores companhias de Wall Street ascende a 37 biliões de dólares.
O domínio das “Sete Magníficas” vai muito além de Wall Street. O índice MSCI ACWI, que agrupo as 3.000 maiores cotadas mundiais, subiu 37 pontos nos primeiros 10 meses de 2023. Estas sete tecnológicas norte-americanas são responsáveis por um avanço de 40 pontos, pelo que sem o seu contributo, o índice que agrega as maiores ações mundiais estaria com um saldo negativo até ao final de outubro.
Michael Hartnett inspirou-se num western de 1960, intitulado de “Os Sete Magníficos”, que, por sua vez, é uma adaptação do filme “Os Sete Samurais”. No filme norte-americano de há 60 anos, quatro dos sete magníficos cowboys acabam por morrer. Fazendo a analogia para a bolsa, nesta altura não está em causa a sobrevivência de qualquer das sete cotadas magníficas, mas a história mostra que dificilmente o top das maiores cotadas norte-americanas fica estável durante muito tempo. As empresas que lideravam os rankings no final do século passado estão atualmente bem distantes do Top 10.
O gatilho da inteligência artificial
Para já, as expectativas apontam no sentido contrário, com as estimativas dos analistas a indicarem que as “Sete Magníficas” vão continuar a crescer a um ritmo bem superior ao mercado, impulsionadas sobretudo por uma tendência comum: a aposta da inteligência artificial. Esta tecnologia, considerada disruptiva na economia global e com enorme potencial transformador, tem gerado um grande entusiasmo no mercado desde o final de 2022, sobretudo com o lançamento do ChatGPT.
Se as perspetivas de evolução fulgurante da inteligência artificial se confirmarem, estas companhias têm caminho aberto para aprofundarem o domínio de Wall Street, até porque estão no centro do desenvolvimento desta tecnologia.
Os analistas têm vindo a incorporar esta tendência nas suas estimativas de resultados e as contas dos últimos trimestres mostram que o crescimento está a ser muito expressivo. “As expectativas para os resultados nos próximos 12 meses aumentaram em média 70% ao longo deste ano para as ‘Sete Magníficas’, enquanto subiram apenas ligeiramente para as restantes cotadas do S&P 500, e até recuarem mais recentemente”, assinala Hubert de Barochez, economista de mercados da Capital Economics.
Antes do arranque da época de resultados do terceiro trimestre, as estimativas dos analistas compiladas pela LSEG apontavam para um aumento de 36% nos lucros destas sete empresas e um incremento de 11% nas receitas. Para o S&P 500, as previsões apontavam para um aumento de 2,2%, sendo que sem o contributo das “Sete Magníficas” a variação seria negativa (-2,3%).
Tendo já em conta os resultados que a Nvidea apresentou na noite de terça-feira, os lucros das “Sete Magníficas” no terceiro trimestre cresceram bem acima dos 50%. A fabricante de “chips” para inteligência artificial voltou a superar facilmente as expectativas do mercado, com um crescimento das receitas de 206% para 18,1 mil milhões de dólares (analistas estimavam 16,18 mil milhões). Os lucros por ação dispararam mais de 12 vezes para 4,02 dólares (analistas estimavam 3,37 dólares), num valor total de 9,2 mil milhões de dólares.
Olhando para os valores anuais, os analistas apontam para um crescimento de 33% nos lucros das “Sete Magníficas” em 2023 e 20% em 2024. Os resultados líquidos do S&P 500 devem subir 2,2% este ano e 12,1% no próximo. Segundo os dados da LSEG, as sete tecnológicas deverão continuar a apresentar taxas de crescimento superiores ao mercado (pelo menos) nos próximos sete trimestres.
As Sete Magníficas têm expectativas de crescimento mais céleres das receitas, margens mais elevadas e balanços mais fortes do que as outras 493 cotadas do S&P 500 e transacionam em linha com as médias recentes, tendo em conta o crescimento esperado.
Perspetivas mais cautelosas e avaliações mais esticadas
Estes números evidenciam que estão bem longínquos os tempos em que os investidores apostavam forte em empresas tecnológicas que ainda apresentavam resultados fracos (ou prejuízos), fazendo fé numa evolução positiva no futuro. As Big Tech que estão agora na ribalta já são “máquinas de fazer dinheiro”, várias distribuem remunerações atrativas aos acionistas e as margens de lucro são bem superiores à média (19,8% nas “Sete Magníficas” contra 12,4% do S&P 500).
A questão está em avaliar a capacidade destas cotadas continuarem a reportar um crescimento dos resultados que justifique a manutenção da evolução positiva das ações. Isto numa altura em que os múltiplos estão em níveis muito elevados e bem acima da média do mercado.
Apesar dos resultados do terceiro trimestre terem superado largamente as expectativas, várias cotadas avançaram com perspetivas cautelosas para o atual trimestre, o que motivou reações muito negativas nas ações. Foi o caso da Alphabet, Tesla e da Meta Platforms, enquanto a Microsoft e a Amazon apresentaram números que geraram um novo rally das ações. Não admira por isso que estas duas últimas cotadas tenham já anulado as perdas sofridas em 2022.
A Apple também consegue este feito e, tal como a Microsoft, transaciona perto de máximos históricos, mas os números da fabricante do iPhone começam a gerar alguma apreensão. Aquela que é a cotada mais valiosa do mundo (capitalização bolsista de 2,98 biliões de dólares) foi a única das “Sete Magníficas” a registar uma queda homóloga das receitas no terceiro trimestre. Acresce que foi já o quarto trimestre consecutivo de descida nas receitas da Apple, o que não acontecia há 20 anos.
Na Nvidia, a tendência é bem diferente. A fabricante de chips é a grande estrela de Wall Street e a melhor das magníficas, com as ações a mais do que triplicarem de valor desde o início do ano à boleia do boom da inteligência artificial, onde a companhia domina no seu segmento.
Os lucros e receitas têm esmagado as previsões e a companhia repetiu o feito no terceiro trimestre. Ainda assim, a reação inicial do mercado não foi avassaladora como no passado (ações subiram mais de 20% após os resultados do segundo trimestre), sinal que a fasquia está agora mais elevada e não basta superar previsões.
Não admira que a Nvidia seja das tecnológicas a negociar com os múltiplos mais elevados do setor, um prémio que a companhia tem justificado com o crescimento muito acentuado dos resultados e perspetivas de manutenção da tendência. A fabricante de chips está a transacionar em bolsa com uma cotação que corresponde a 52 vezes os lucros por ação estimados para os próximos 12 meses. Ainda assim, não é o PER mais elevado entre as “Sete Magnificas”, com a Tesla e a Amazon a apresentarem múltiplos mais elevados.
As “Sete Magníficas” negoceiam em bolsa com um preço equivalente a 28,6 vezes os lucros projetados para os próximos 12 meses, o que representa um prémio de 56% acima do S&P 500 (18,2 vezes) e quase o dobro do múltiplo das restantes 493 cotadas do índice (15,9 vezes).
Recessão rima com valorização?
Os investidores parecem convencidos de que as grandes tecnológicas continuam com potencial para um desempenho superior em bolsa. Depois da correção pronunciada no terceiro trimestre, Wall Street está a marcar ganhos muito acentuados em novembro (S&P 500 valoriza mais de 10% este mês), num movimento liderado pelas “Sete Magníficas”.
Os investidores pessimistas também estão a “atirar a toalha ao chão” na expectativa de uma correção nas ações. As posições curtas (que beneficiam quando as ações caem) nestas sete cotadas baixaram da fasquia de 1% do capital, que representa o nível mais baixo de sempre. Acresce que neste lote está a Tesla, uma das ações favoritas dos “short sellers”.
Embora com uma perspetiva mais cautelosa depois do rally de 2023, a generalidade dos analistas mantém uma visão otimista para as ações das “Sete Magníficas”. Contudo, divergem no impacto de uma potencial recessão na economia norte-americana no desempenho destas cotadas em bolsa.
A travagem do crescimento económico induzirá uma descida mais acentuada das taxas de juro, o que tem impacto positivo nas tecnológicas, pois baixa os seus custos de financiamento e eleva o valor atual dos lucros futuros. Por outro lado, uma retração no consumo de famílias e empresas terá sempre reflexo negativo na atividade destas companhias, mesmo que sejam mais imunes ao ciclo económico.
A Capital Economics estima que a economia norte-americana vai em breve sofrer uma recessão, mas “suspeita” que “vai afetar as ‘Sete Magníficas’ de forma menos intensa do que as outras cotadas, que estão mais expostas às condições económicas nos EUA”.
Numa nota enviada aos seus clientes onde refere que as grandes tecnológicas devem manter a tendência positiva por mais tempo, o economista Hubert de Barochez antecipa um “renovado entusiasmo com a inteligência artificial que permitirá às ‘Sete Magníficas’ continuar a registar um desempenho superior às outras ações norte-americanas”.
O Goldman Sachs é dos mais otimistas com o potencial da inteligência artificial, que será “transformadora”, bem como com a evolução da economia norte-americana, que deverá escapar a uma recessão. O banco de investimento defende que as avaliações das grandes tecnológicas “não parecem em território de bolha”, sobretudo se os perfis de crescimento que estão a ser estimados forem entregues pelas companhias.
“As sete ações têm expectativas de crescimento mais céleres das receitas, margens mais elevadas e balanços mais fortes do que as outras 493 cotadas e transacionam em linha com as médias recentes, tendo em conta o crescimento esperado”, refere o Goldman Sachs, assinalando que, “contudo, o perfil de risco/retorno desta aposta não é especialmente atrativo tendo em conta as elevadas expectativas”.
Jeffrey Gundlach, CEO da DoubleLine Capital, tem uma visão mais pessimista. Estima uma recessão económica nos EUA no segundo trimestre, defende que os investidores devem afastar-se das ações que lideraram o rally em Wall Street este ano e equiparou a concentração da carteira nas “Sete Magníficas” a brincar com o fogo.
“É óbvio que vão registar os piores desempenhos na próxima recessão”, pois as ações que lideram os ganhos quando se está a caminho de uma recessão, invariavelmente também estão na linha da frente quando se percorre o caminho inverso, defendeu Gundlach numa conferência promovida pela Yahoo Finance.
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As “Sete Magníficas” vão continuar a brilhar na bolsa?
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