Da Casa dos Contos ao Tribunal de Contas passaram centenas de anos. Os números e contas públicas são hoje um património, seja em forma documental ou através da visão vanguardista de Almada Negreiros.
Este verão o ECO vai guiá-lo por espaços culturais ou patrimoniais com interesse turístico, mas onde o público em geral não entra normalmente. Uma vez por semana, em julho e agosto, venha espreitar o interior de ministérios, empresas ou outras entidades fora dos roteiros turísticos. Veja a galeria de fotos e um breve guia do local na rubrica Aqui, turista não entra.
Aos dias de hoje, o Tribunal de Contas é a instituição que fiscaliza a legalidade e regularidade das receitas e das despesas públicas e que julga as contas que a lei manda submeter-lhe. Para isso aprecia a gestão financeira pública, efetivando as responsabilidades financeiras e exercendo as demais competências que lhe forem atribuídas pela lei.
Isto é o que está escrito na Constituição mas a riqueza da história do Tribunal de Contas cruza-se por si só com a própria história de Portugal. É preciso recuar até ao reinado de D. Dinis, entre os séculos XIII e XIV, para encontrar aquilo a que se poderia chamar de primeira repartição contabilística: a Casa dos Contos. Instalada numa das torres do Castelo de São Jorge, os contadores (funcionários da Casa dos Contos) estavam encarregues de registar e verificar as despesas e receitas do reino e das diversas instituições públicas.
A partir do século XVI, com a “aventura” dos descobrimentos e a expansão do comércio marítimo, a Casa dos Contos alargou as suas responsabilidades passando assim a verificar toda a contabilidade pública além-fronteiras, tanto no Oriente como no Brasil. Por esta altura já a Casa dos Contos se chamava Contos do Reino e Casa e tinha a sua sede na zona do Terreiro do Paço…mas por pouco tempo.
O terramoto de 1755 e o incêndio que se lhe seguiu arrasaram as instalações e destruíram grande parte da documentação existente, lançando a instituição na desordem até o Marquês de Pombal ordenar a sua extinção, substituindo-a pelo Erário Régio em 1761. Depois das invasões francesas e do avanço do Liberalismo no século XIX, o Erário Régio é extinto e desde então, o órgão que fiscaliza as contas públicas passa por diversas designações. Em 1930 assume em definitivo o nome de Tribunal de Contas, que mantém até hoje.
Na fotogaleria abaixo, alguns exemplares do património documental do Tribunal de Contas. Nota: estes documentos têm entre 200 e 300 anos e são guardados sob condições especiais de conservação.
Se a designação mudou, também a sede do organismo foi mudando ao longo dos tempos. Em 1954 o Tribunal de Contas e a sua Direção-Geral deixaram o edifício da Rua do Arsenal, que ocuparam depois do terramoto, para se instalarem no torreão nascente da Praça do Comércio (onde está hoje o salão nobre do Ministério das Finanças). Em 1989, o Tribunal de Contas muda-se para as instalações que ocupa atualmente, na Av. da República.
É no átrio deste edifício que se encontram “O Contador” e “O Número”, duas obras em tapeçaria de lã da Manufactura de Tapeçarias de Portalegre da autoria de Almada Negreiros, artista multidisciplinar e vanguardista ímpar da cultura do século XX. “O Contador”, tapeçaria datada de 1957, ilustra a mais antiga profissão do Tribunal de Contas que remonta à época da Casa dos Contos. Curiosidade: foi encomendada pelo valor de 61.050 escudos, qualquer coisa como 30 mil euros atuais.
“O Número”, que tem uns impressionantes sete metros de comprimento, foi entregue em 1958 e retrata a cronologia do número, assente nas operações aritméticas que constituem o processo de trabalho do contador. Ao centro, uma representação do Homem Vitruviano, de Leonardo da Vinci, símbolo da simetria do corpo humano e por extensão, do Universo. A figura, dentro de um quadrado num círculo dentro de um segundo quadrado com áreas semelhantes representa o algoritmo matemático do valor phi. No topo, a frase de Raimundo Lulio: “Ah Numerante que estabeleces o Número! Ah Espírito Santo que aperfeiçoas o Número!” Na base, a referência a Ésquilo: “Prometeu: dei-lhes o belo achado do número”.
No lado esquerdo da tapeçaria encontra-se uma figura de um homem grego, símbolo da génese do conhecimento, enquadrado em dois pentágonos regulares. Encontram-se ainda referências aos matemáticos gregos Pitágoras e Euclides. No lado direito, um homem renascentista que retrata a redescoberta do conhecimento. Alinhados na extremidade, estão os cinco poliedros regulares de Platão, na representação dos quatro elementos e do próprio universo.
Na fotogaleria abaixo encontra alguns pormenores das tapeçarias de Almada Negreiros, património do Tribunal de Contas. Aqui, turista não entra…mas pode haver exceções e as portas podem abrir-se para uma “espreitadela” depois contactar os serviços da instituição.
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Da Casa dos Contos ao Tribunal de Contas. Os números, por Almada Negreiros
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