A despesa corrente primária vai para o segundo ano consecutivo de aumento, limitando reduções maiores da carga fiscal e contributiva sem agravar significativamente o saldo orçamental.
- Na semana de entrega do Orçamento do Estado para 2026 (OE2026), o ECO publica um conjunto de artigos dedicados a áreas-chave da economia e finanças públicas portuguesas.
O Governo comprometeu-se com contas públicas equilibradas, garantindo não deixar cair a premissa de manter excedentes orçamentais. E é precisamente este o cenário, a par de uma redução do rácio da dívida pública abaixo dos 90% já no próximo ano, que deverá apresentar no Orçamento do Estado para 2026 (OE2026) que irá entregar sexta-feira no Parlamento.
O debate sobre um ligeiro excedente ou um ligeiro défice orçamental é, no entanto, atualmente mais uma arma política do que económica, o que reflete em parte uma herança das regras de Bruxelas nos últimos anos — onde, a par do rácio da dívida pública, se afigurava como indicador fundamental para aferir o risco das finanças públicas dos Estados –, e em parte o ‘trauma’ da assistência financeira em 2012 devido ao descontrolo das contas.
Este indicador não deixou de ser relevante, mas depois da saída do país do Procedimento por Défice Excessivo (PDE) em 2017 e da recente revisão das regras orçamentais da Comissão Europeia (onde perdeu palco), analisar as finanças públicas do país apenas sob esta vertente tem limitações. É que o saldo orçamental mais do que não é do que a diferença entre a receita e a despesa das Administrações Públicas, indicando as suas necessidades de financiamento em determinado momento.
Para compreender a forma como a política orçamental está a ser conduzida, é essencial olhar para o comportamento de mais um indicador: a despesa corrente primária do Estado, que exclui as despesas com juros e a despesa de capital, deixando de fora os ciclos do investimento, assim como os fundos comunitários. Ou seja, na prática permite aferir os encargos associados ao funcionamento do Estado e dos serviços públicos, como a educação, saúde ou pensões.
E é precisamente a fotografia a este indicador que revela um sinal ao qual é preciso estar atento: o peso da despesa corrente primária no PIB aumentou no ano passado, e é expectável que feche 2025 novamente a subir.
Uma despesa corrente primária, descontado o efeito do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR), que continue elevada e rígida aumenta a dependência de uma carga fiscal que também terá de ser elevada para permitir financiá-la.
O peso da despesa corrente primária no PIB aumentou no ano passado e é expectável que feche 2025 novamente a subir.
De acordo com a análise do Banco de Portugal divulgada em junho, o valor máximo da despesa corrente primária registou-se em 2010, antes do início do Programa de Assistência Económica e Financeira. Desde então, o país assumiu “uma trajetória de redução até 2017, seguindo-se um período de relativa estabilização, interrompido durante os anos da pandemia e com um aumento novamente em 2024”.
Por outro lado, no relatório de perspetivas económicas e financeiras, publicado em setembro, o Conselho das Finanças Públicas (CFP) assinala que após ter alcançado em 2023 o seu nível mais baixo desde 2002 (35% do PIB), a despesa corrente primária aumentou em 2024, alcançando os 36,1% do PIB.
Para 2025, perspetiva uma nova subida para 36,4% do PIB, ultrapassando o nível de 2019 e regressando a valores de 2017 (36,5%).
Nota: Se está a aceder através das apps, carregue aqui para abrir o gráfico.
Uma despesa primária corrente demasiado alta não só reduz a capacidade de utilização dos chamados estabilizadores automáticos, isto é, a reação das receitas e despesas ao ciclo económico sem necessidade de intervenção do Governo — essencial, nomeadamente, durante crises –, como também a capacidade de ajustamento para financiar nova despesa sem contrapartidas.
A questão torna-se ainda mais premente quando se chama ao tema o facto dos excedentes orçamentais dos últimos anos resultarem sobretudo dos saldos positivos da Segurança Social, que, por sua vez, refletem um mercado de trabalho forte, “assente em elevados fluxos de imigração e numa posição cíclica da economia positiva“.
Sinal disso é que, nos últimos dez anos, o peso das contribuições sociais efetivas aumentou de 9% para 11% do PIB, o que explica em larga medida o aumento da carga fiscal durante este período.
“No entanto, estes parâmetros podem alterar-se. No passado, exemplos como o da Irlanda, e Espanha revelam como aumentos da receita inflacionados por uma situação económica cíclica (que se pensava ser estrutural à data) — e com reflexo em estimativas otimistas do produto potencial — obscureceram a criação de desequilíbrios estruturais que, mais tarde, comprometeram a sustentabilidade das finanças públicas“, alerta o CFP.
“Aumentos da receita inflacionados por uma situação económica cíclica obscureceram a criação de desequilíbrios estruturais que, mais tarde, comprometeram a sustentabilidade das finanças públicas”, alerta CFP.
Dito de uma forma mais simples, o Governo pode correr riscos ao contar pagar o impacto permanente de algumas medidas levadas a cabo, como os aumentos salariais nas carreiras especiais do Estado ou as descidas de impostos, somente através do crescimento económico, alavancado no dinamismo do mercado de trabalho e da receita fiscal.
É neste sentido que a instituição liderada por Nazaré da Costa Cabral adverte: “dado o peso que a despesa primária alcançou na riqueza gerada pela economia portuguesa, ficam limitadas reduções mais significativas da carga fiscal e contributiva sem agravar significativamente o saldo orçamental”.
Limitações que, adverte, são, desde logo, “particularmente relevantes se forem tidas em conta as pressões e os riscos que incidem sobre a despesa pública nos próximos anos”.
A instituição destaca nomeadamente que “a elevada rigidez deste tipo de despesa dificulta a realização de eventuais ajustamentos que permitam a canalização de recursos em resposta a desafios emergentes, como o investimento na transição climática, defesa ou inovação“.
É por isso que defende que “mesmo na ausência de considerações sobre a qualidade da despesa, a sua eficácia ou eficiência, aferir a sustentabilidade e evolução tendencial da despesa corrente primária (ajustada) é fundamental para avaliar a sustentabilidade da posição orçamental“.
Despesas com pessoal e prestações sociais representam 3/4
As despesas com pessoal e prestações sociais, incluindo pensões, representaram mais de três quartos do total da despesa corrente primária em 2023, último ano com dados disponíveis. De acordo com a análise do Banco de Portugal, desde 1995, as prestações sociais ganharam peso relativo, em contrapartida da diminuição das despesas com pessoal, e correspondem atualmente a quase metade da despesa corrente primária.
“Verifica-se que o aumento em percentagem do PIB nominal potencial até 2010 foi transversal a todas as componentes, mas particularmente expressivo nas prestações sociais. Já a redução registada após o início do PAEF concentrou-se sobretudo nas despesas com pessoal”, detalha o supervisor.
Em termos de componentes, a análise salienta que a proteção social é a componente com maior peso, representando 45,3% do total em 2023, seguindo-se a saúde, com 17,6%, e a educação, com 11,2%
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Despesa pública mais elevada aumenta dependência da carga fiscal e contributiva
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