Exclusivo ECO nos bastidores do OE com Miranda Sarmento: Este “é o Orçamento mais difícil de executar”

O ECO acompanhou os bastidores de uma proposta de orçamento reduzida à sua expressão financeira. "Um governo reformista que não usa a discussão orçamental para essas reformas". A prioridade é o PRR.

Muitos se lembrarão da entrega de uma proposta de Orçamento na Assembleia da República com uma pen vazia, apenas para a fotografia, estávamos em 2009, e próximos de uma bancarrota. Esta quarta-feira, 8 de outubro, 11h40 da manhã, os corredores do Ministério das Finanças não revelavam o que é historicamente um período de azáfama e stress por causa do fecho da proposta de orçamento do Estado para o ano seguinte. Este ano, a equipa de Joaquim Miranda Sarmento já tinha tudo fechado, e ainda faltavam 48 horas para a data-limite de apresentação da proposta que tem as opções de política financeira do Estado. O ministro de Estado e das Finanças recebeu o ECO no seu gabinete e, naquelas horas, o Governo acabaria mesmo por decidir antecipar a entrega do documento um dia, para esta quinta-feira, no Parlamento, de forma a evitar a ‘concorrência’ da última noite de campanha para as autárquicas. Se, do ponto de vista político, não se espera uma repetição do que se passou há um ano, do ponto da vista da execução, este Orçamento “é o mais difícil de executar“, admite Joaquim Miranda Sarmento em declarações exclusivas ao ECO.

A proposta de Orçamento para 2026 será das que tem menos história para contar. Se as principais agendas de mudança estão fora desta proposta, então, o que é a marca de água? Há duas, clarifica, o ministro das Finanças. “É o orçamento de um Governo reformista, mas que não usa a discussão orçamental para essas reformas, que não as esconde no processo orçamental, leva-as ao Parlamento, como aconteceu ainda agora com a lei da imigração e com o IRC, leva-as ao Parlamento autonomamente e deixa que o Parlamento tome de forma democrática as decisões que entende“. E a segunda? “O orçamento é a tradução financeira, do lado da receita e da despesa, e é isso que é boa prática orçamental. Portanto, a primeira marca é essa...”, insiste. “E a segunda é que é um orçamento preparado para executar o investimento público previsto em 2026, nomeadamente o PRR“.

É o orçamento de um Governo reformista, mas que não usa a discussão orçamental para essas reformas, que não as esconde no processo orçamental, leva-as ao Parlamento, como aconteceu ainda agora com a lei da imigração e com o IRC, leva-as ao Parlamento autonomamente e deixa que o Parlamento tome de forma democrática as decisões que entende.

Joaquim Miranda Sarmento

As contas de 2025 vão fechar com um excedente de 0,3% do PIB, um rácio de dívida ligeiramente acima de 90%, a economia cresce 2%, mas ainda deu para atribuir um bónus aos pensionistas. Em 2026, as exigências de execução serão maiores e a previsão de saldo é mais contida, 0,1% do PIB, sem margem para grandes desvios – cerca de 200 milhões de euros – e uma dívida pública de menos de 88%. Mas tem um fator de pressão adicional, a execução de cerca de 2,5 mil milhões de euros do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR), sob pena de se perderem, de serem devolvidos a Bruxelas. “Nós temos sido muito transparentes desde abril de 2024, ainda estávamos em campanha… este orçamento [de 2026], depois dos ajustamentos, entretanto, do INE, já não são três mil milhões, mas tem cerca de 2,5 mil milhões de empréstimos PRR a executar“, clarifica.

“Se for tudo executado, estamos a falar de cerca de 0,8% do PIB”. Portanto, vamos ter o ministro das Finanças a pedir para não executar os fundos? “Não, não, não. Nós fizemos um orçamento para todo o PRR ser executado e ainda assim ter um saldo orçamental de 0,1%. Com os outros pressupostos, que a economia cresce um bocadinho acima de 2%“. É o mais difícil de executar dos dois de que é responsável? “Já escreveu isso“, responde Miranda Sarmento. A política é outra história.

A estratégia é clara: Há um ano, com um ‘não é não’ de Montenegro a André Ventura e ainda com Pedro Nuno Santos à frente do PS, a discussão política prolongou-se e esteve sempre sob a mesa o risco de chumbo do orçamento por causa do corte de um ponto ou dois pontos no IRC. Este ano, em nova legislatura, com um Chega reforçado e um PS com José Luís Carneiro, o objetivo é outro, é facilitar a viabilização do orçamento. O secretário-geral dos socialistas já sinalizou a disponibilidade para viabilizar a proposta para 2026 se não tivesse medidas como as mudanças laborais. O Governo fez-lhe a vontade, e talvez por isso é que se ouve pelos corredores que este é um orçamento “aborrecido”. As novidades estão no processo, mas já lá vamos.

Quais são os maiores riscos? “Um, o contexto externo, por causa das exportações… acho que o investimento, mesmo que o contexto externo piore, e já não é fácil, creio que o investimento poderá aguentar, agora as exportações, naturalmente, sofrem, já vimos isso no primeiro semestre deste ano, com toda a indefinição das tarifas“, identifica Miranda Sarmento. “Do ponto de vista Interno, a questão é de como é que as famílias, face ao contexto externo, à incerteza, se comportam. Os níveis de poupança têm sido muito elevados, portanto, as famílias têm buffers. A Euribor caiu muito neste último ano e meio, portanto, as famílias com empréstimos à habitação, como viram a sua prestação cair significativamente…”. O ponto é “se as famílias têm maior ou menor dinamismo de consumo privado. E, depois, se somos capazes de executar o investimento público“.

Miranda Sarmento é um ortodoxo. Depois de herdar uma situação orçamental com um excedente, não está disponível para deixar derrapar o saldo para um défice, nem que seja de 0,1%. Faz assim tanta diferença ter um défice de 0,1% ou um excedente de 0,1%? “É verdade que as agências que nos melhoraram o rating em setembro, S&P e Fitch, também projetam um pequeno défice no próximo ano e, ainda assim, melhoraram… Porque o fator mais relevante é a quebra do rácio da dívida pública. Em todo o caso, primeiro, é uma questão de credibilidade do país do ponto de vista externo. É preciso manter um superávite num momento em que o país tem um crescimento económico, tem pleno emprego, os salários estão a crescer, o investimento também está com bastante dinamismo. E segundo, porque se se começa a projetar défices, depois há sempre um certo, se quisermos, relaxamento”, avisa.

Miranda Sarmento faz uma comparação para fazer o seu ponto. “Quando estávamos com inflação muito alta a nível europeu e nos Estados Unidos, em 2022 e 2023, a inflação andou próximo dos dois dígitos, muitos economistas diziam ‘bom, mas porque é que o objetivo de política monetária não pode ser os 3% ou os 4% [de inflação]?’ E se essa tese tivesse vingado, depois a discussão seguinte seria ‘mas se é 4%, porquê é que não pode ser 6%? Essa discussão nunca será benéfica. Portanto, nestas condições económicas, manter um superávite é bastante importante“, afirma o ministro.

O ministro das Finanças rejeita a tese de que está a construir um nível de despesa estrutural difícil de ajustar em caso de aperto. “Se excluirmos as chamadas medidas one-off de despesa, decisões judiciais, se excluirmos em 20224 e 2025 o suplemento que pagamos aos pensionistas e se excluirmos os empréstimos PRR, temos saldos orçamentais próximos de 1% e saldos primários em torno de 3%“. De resto, “era fundamental para o funcionamento da administração pública e do país que se fizessem valorizações de algumas carreiras críticas e que estavam há muitos anos por valorizar, e era fundamental que se continuasse a reforçar as pensões mais baixas“. Mas Sarmento não resiste a deixar farpas aos seus antecessores socialistas, um dos quais, Centeno, sempre crítico sobre a evolução da despesa estrutural, que saiu há dias da função de governador do Banco de Portugal. “Quando olhamos para os aumentos da despesa estrutural do OE25 e aqueles que virão no OE26, são bastante inferiores aos que estavam no Orçamento de 2024“, de Fernando Medina.

Num orçamento sem história, a história é outra. Ou outras: O ministro das Finanças esteve no Ministério das Finanças, na direção Geral do Orçamento, entre 1999 e 2009. “E o meu trabalho entre 2007 e 2009 foi trabalhar com a OCDE para implementar a orçamentação para programas. Depois, foi um projeto abandonado no segundo governo do Sócrates e ninguém o retomou“. Aqui está uma reforma, daquelas de que ninguém fala, que não dá votos, mas que se funcionar pode mudar e muito a qualidade da decisão política. O Governo entregou um documento mais simples e uma das principais novidades é uma ambição há muito pedida por economistas e especialistas em termos de estrutura: a introdução de metas e objetivos por ministério e respetivos programas.

O Ministério das Finanças desenhou um documento assente numa nova forma de organização, uma vez que será construído por programas, isto é, com base na estrutura da ação governativa que resulta do agrupamento de ações dentro da mesma área. “Cada Ministério decide quais são os seus programas, as suas áreas de atuação, vários programas em função das suas áreas de intervenção, e cada programa tem áreas e depois tem objetivos, indicadores e metas não financeiras“, explica o ministro. “Foi preciso desenhar todo este processo”. Miranda Sarmento dá um exemplo: “O ministério da Saúde quer reduzir as listas de espera em X dias. Partimos para 2026 com a estimativa deste ano, isso não conta para a avaliação porque só estamos a aplicar a metodologia para ter o próximo, em 2026, quando chegarmos ao orçamento a 2027, vai ter que se fixar o objetivo para esse ano e já teremos uma ideia de como as coisas correram em 2026, e quando chegarmos à preparação do orçamento para 2028, já teremos, aí sim, os números fechados de 2026, o primeiro ano deste novo processo”. “Portanto, isto vai permitir, a partir de 2028, na construção do Orçamento para esse ano, começar a identificar onde é que cada programa está a cumprir e onde é que não está a cumprir“.

Como é que se faz o controlo de despesa destes programas? “O controlo da despesa é exatamente este diagnóstico que, depois, nos vai permitir perceber onde é que estão as ineficiências e, ao eliminar ou, pelo menos, mitigar fortemente essas ineficiências, procurar ter, por um lado, melhores serviços públicos, mesmo que isso não signifique uma grande redução da despesa, mas também, num ou noutro caso, ter alguma poupança orçamental“, responde o ministro. É um modelo mais exigente, mas que permitirá ter um nível de análise mais profundo às ações do Governo. “O volume de despesa é o mesmo que seria numa situação diferente. A alocação é diferente. Continuamos a ter uma alocação por entidade e, dentro da entidade, por função económica, quanto é que vai gastar em pessoal ou em investimento, mas também teremos, ao mesmo tempo, a indicação de que uma determinada despesa é para a ação 1.1 ou para a ação 1.3. Depois, obviamente, este valor vai ter de bater com a função económica, com a despesa total, mas sabemos que estamos a atribuir X euros a a uma entidade para uma programa e para uma ação concreta“, detalha. Este é mesmo o território de Miranda Sarmento, e a reforma orçamental uma das suas prioridades, desde logo nos artigos que escrevia no ECO, antes de chegar ao Governo.

Mudaram os processos, mas também se simplificaram. Joaquim Miranda Sarmento já tinha seguido o mesmo método no ano passado. Montou uma equipa de gestão de projeto, com um grupo de pessoas que começou a trabalhar no orçamento logo no início do ano. Marta Geraldes, do gabinete do secretário de Estado Brandão de Brito [na foto, à esquerda] é uma delas. E andou sempre com o que se pode designar o ‘mapa da mina’, a cronologia e calendário que permitiu chegar a esta data sem stress de última hora. “É uma ótica completamente diferente. Nós temos uma chave que permite converter entre um sistema e outro. Há interoperabilidade nos dois sistemas e, portanto, a qualquer momento conseguimos o que queremos e na ótica que queremos“, diz ao ECO. A economista-chefe no gabinete do ministro, Joana Vicente, e André Morais, são outras peças essenciais, que trabalham também com o secretário de Estado-adjunto e do Orçamento, José Maria Brandão de Brito.

Miranda Sarmento acrescenta: “Os ministros perceberam que isto os vai ajudar a melhorar a qualidade da gestão. Vão ter mais informação, vão ter melhor informação, e a partir de 2027, isto vai permitir-nos começar a avaliar o que está a correr bem e o que está a correr menos bem“. O que mudou, internamente? “Foi necessário planeamento, foi necessário cuidar dos sistemas informáticos para permitir o carregamento desta informação e depois cruzar aquilo que é o sistema do orçamento com o sistema de orçamentação de programas“, acrescenta Miranda Sarmento.

Outra das alterações, que dará mais flexibilidade de gestão a cada ministro, e também mais responsabilidade, é nas famosas cativações. Os cativos [decididos pelos ministros] são substituídos por uma reserva orçamental. “Fernando Medina fez uma alteração, passou a haver cativos setoriais e do Ministério das Finanças, nós, em 2025, o que fizemos? Nós mantivemos os cativos do Ministério das Finanças, mantivemos esta distribuição percentual, mas retirámos todas as entidades e dissemos que cada ministro, por despacho, diz, a qualquer momento do ano, quais são as entidades excluídas” desse cativo. “Em 2026, mantemos uma reserva orçamental, do Ministério das Finanças, e o ministro setorial também vai ter uma reserva orçamental do seu próprio ministério, que vai poder aplicar na despesa que entender, na entidade que entender”.

Depois desse primeiro conselho, passadas aí duas semanas, mandámos aos ministros, com base nos pressupostos, quais eram os plafonds de receita de impostos que iam ter com base na função económica, por despesas de pessoal, investimento e outras, e com os respetivos pressupostos, recebemos as respostas e em reuniões bilaterais acordámos com cada um deles o que é que era possível, até onde é que era possível ir. Depois, em julho, tivemos a reunião de Conselho para fechar os plafonds. Era sempre preciso mais recursos, mas todos perceberam que fomos até ao limite de onde era possível para salvaguardar o equilíbrio das contas públicas.

Joaquim Miranda Sarmento

Miranda Sarmento poderia até dizer “querida, encolhi o orçamento”, e uma das evidências é que não houve nestes meses um único Conselho de Ministros exclusivamente dedicado ao Orçamento do Estado. “O primeiro Conselho [de Ministros] serviu apenas para o calendário e para os princípios. Como é que ia ser o calendário? Quais eram os princípios para o articulado do orçamento?”, detalha o ministro. E dá exemplos: No articulado, não entraram “alterações a decretos de leis, normas com despesa porque essas têm que estar nos mapas, não entraram normas programáticas, e depois quais eram os pressupostos para o crescimento da despesa nas diferentes rubricas”.

O que se seguiu na preparação do orçamento foi o mesmo de 2024. “Repare, cada entidade tem três fontes de receita: Receita de impostos, receitas próprias e fundos europeus. A discussão com os outros ministros é sobre a receita de impostos. Depois desse primeiro conselho, passadas aí duas semanas, mandámos aos ministros, com base nos pressupostos, quais eram os plafonds de receita de impostos que iam ter com base na função económica, por despesas de pessoal, investimento e outras, e com os respetivos pressupostos, recebemos as respostas e em reuniões bilaterais acordámos com cada um deles o que é que era possível, até onde é que era possível ir“. Depois, em julho, revela o ministro, “tivemos a reunião de Conselho para fechar os plafonds“. E sai ao ministro um elogio aos seus colegas de Governo, “era sempre preciso mais recursos, mas todos perceberam que fomos até ao limite de onde era possível para salvaguardar o equilíbrio das contas públicas“.

Tudo somado, em três Conselhos, a 10 de julho, 25 de setembro e mais recentemente, no dia 3 de outubro, o Governo aprovou a proposta de orçamento para 2026. “O articulado também foi discutido em trilaterais, com o Ministério das Finanças, PCM e cada um dos ministros, e também foi uma discussão relativamente rápida, e os ministros perceberam ser um princípio deste Governo que o que tem de ir ao Parlamento vai em diploma próprio, não vai no Orçamento“, revela Joaquim Miranda Sarmento. “Além disso, expurgámos um conjunto de normas que se repetiam todos os anos e que vão para um decreto-lei de simplificação de gestão financeira e patrimonial que vamos aprovar agora”, acrescenta. “Também há normas que vão passar para o decreto-lei de execução orçamental. Portanto, o que vai no diploma [do Orçamento] é aquilo que é estritamente necessário para a gestão financeira e patrimonial do Estado e que é a competência da Assembleia da República”.

Não foi só o processo de preparação até à entrega do Orçamento no Parlamento que mudou. A tradicional conferência de Imprensa, no salão nobre das Finanças, mas com um cenário atualizado, começou às 13h17 desta quinta-feira (com dois minutos de atraso face ao anunciado) e terminou uma hora depois, como prometido. Acabou-se o tempo do Orçamento, pelo menos para já. Agora vai ser tempo das autárquicas de 12 de outubro, já neste domingo.

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